quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

P. D. Ouspensky - O Estudo de Si Mesmo

 


Neste sistema, que estuda o homem como ser incompleto, dá-se ênfase especial ao estudo de si mesmo e, desse modo, a ideia do estudo de si mesmo está necessariamente ligada à ideia de aperfeiçoamento. Como somos, podemos utilizar muito pouco de nossos poderes, mas o estudo os desenvolve. O estudo se si mesmo começa com o estudo dos estados de consciência. O homem tem direito a ser consciente de si mesmo, tal como ele é, sem qualquer mudança. A consciência objetiva requer muitas mudanças nele, mas a consciência de si mesmo ele pode ter agora. Contudo, não a tem, embora creia que a tenha. Como começou essa ilusão? Por que o homem se atribui a lembrança de si mesmo? Ele o faz, porque ela é seu estado legítimo. Se não é consciente de si mesmo, o homem vive abaixo do seu nível legítimo, usa apenas um décimo dos seus poderes. Mas, enquanto atribuir a si mesmo o que é somente uma possibilidade, não trabalhará para alcançar esse estado.


 Vem em seguida, a pergunta: por que o homem não tem consciência de si mesmo, se dispõe de todos os órgãos necessários para isso? A razão está no seu sono. Não é fácil despertar porque o sono tem muitas causas. Muitas vezes as pessoas perguntam: todos os homens tem possibilidade de despertar? Não, absolutamente.
São muito poucos os que podem dar-se conta de que estão dormindo e fazer os esforços necessários para despertar. Antes de tudo, o homem deve estar preparado, deve compreender a sua situação; depois, deve ter bastante energia e um desejo suficientemente forte para poder sair dela.
 Em toda essa estranha combinação que é o homem, a única coisa que pode mudar é a consciência. Mas, inicialmente o homem deve dar-se conta de que é uma máquina a fim de poder apertar alguns parafusos, afrouxar outros, etc. Ele deve estudar; é aí que a possibilidade de mudança começa.  Quando compreender que é uma máquina e conhecer alguma coisa a respeito da sua máquina, verá que ela pode funcionar em diferentes condições de consciência e dessa forma tratará de dar-lhe melhores condições. 
 Nesse sistema dizem-nos que o homem tem a possibilidade de viver em quatro estados de consciência, mas que tal como é vive apenas em dois. Sabemos também que as nossas funções se dividem em quatro categorias. Assim, estudamos quatro categorias em dois estados de consciência.  Ao mesmo tempo, tomamos conhecimento de que ocorrem lampejos de consciência de si mesmo e de que aquilo que nos impede de ter mais lampejos é o fato de não nos lembrarmos de nós mesmos, de estarmos dormindo.
A primeira condição necessária a um estudo sério de si mesmo é a compreensão de que a consciência tem graus. Devemos nos lembrar de que não passamos de um estado de consciência a outro, de que esses estados se adicionam um ao outro. Isso significa que se estivermos no estado de sono, quando despertamos, o estado de consciência relativa ou “sono desperto” será acrescentado ao estado de sono; se nos tonarmos conscientes de nós mesmos, esse estado será adicionado ao “sono desperto” e, se adquirirmos o estado de consciência objetiva, esse estado se adicionará ao de consciência de si mesmo. Não existem transições nítidas de um estado para outro. Por que não? Porque cada estado consiste em camadas distintas. Assim como, no sono, podemos estar mais ou menos adormecidos, da mesma forma, no estado em que estamos agora, podemos estar mais próximos ou mais distantes da consciência de nós mesmos.
A segunda condição necessária a um estudo de si mesmo é o estudo das funções pela observação delas, aprendendo a dividi-las de maneira correta, a reconhecer cada uma separadamente. Cada função tem sua própria manifestação, a sua própria especialidade. Devem ser estudadas separadamente e devemos compreender claramente as suas diferenças, lembrando-nos de que elas são controladas por centros ou mentes diferentes. É muito útil pensar sobre as nossas diferentes funções - ou centros – e compreender que são completamente independentes. Não nos damos conta de que há quatro seres independentes em nós, quatro mentes independentes. Tratamos sempre de reduzir tudo a uma só mente. O centro instintivo pode existir de maneira totalmente independente dos outros centros; os centros motor e emocional podem existir sem o intelectual. Podemos imaginar quatro seres vivos em nós. O que chamamos homem instintivo é o homem físico. O homem motor é também um homem físico, mas com inclinações diferentes. Há, em seguida, o homem sentimental ou emocional e o homem teórico ou intelectual. Se nos encararmos desse ponto de vista, será mais fácil ver onde cometemos o equivoco principal a nosso respeito, porque nos consideramos como se fossemos um, sempre o mesmo. 
Não podemos ver os centros, mas podemos observar as funções: quanto mais observarmos, maior será a quantidade de material que teremos.  Essa divisão das funções é muito importante. Só poderemos controlar cada função, se conhecermos as peculiaridades de velocidade de cada uma delas.
 A observação das funções deve estar ligada ao estudo dos estados e graus de consciência. É necessário compreender claramente que consciência e funções são completamente diferentes. Andar, pensar, sentir, ter sensações são funções que se manifestam de maneira completamente independente do fato de estarmos conscientes ou não. Noutras palavras, podem se manifestar mecanicamente. Estar consciente é algo muito diferente. Mas, se estivermos mais conscientes, isso imediatamente fará crescer a intensidade das nossas funções. 
 As funções podem se comparar a máquinas que trabalham em vários graus de iluminação. Essas máquinas são de tal ordem, que podem trabalhar melhor com luz do que com escuridão; quando há mais iluminação, as máquinas trabalham melhor. A consciência é a luz e as máquinas são as funções.
A observação das funções exige um trabalho prolongado. É necessário encontrar muitos exemplos de cada uma delas. Estudando-as, inevitavelmente veremos que nossa máquina não funciona de maneira adequada, algumas funções estão bem enquanto outras são indesejáveis, do ponto de vista de nossa meta. Porque é preciso ter uma meta, do contrário nenhum estudo dará resultado. Se nos dermos conta de que estamos dormindo, nossa meta deverá ser acordar.  Se percebermos que somos máquinas, a nossa meta deverá deixar de ser máquinas. Se quisermos ser mais conscientes, devemos estudar o que nos impede de nos lembrarmos de nós mesmos. Desse modo, temos que estabelecer uma determinada avaliação das funções, baseada na ideia de que são úteis ou prejudiciais à lembrança de si. Há assim duas linhas de estudo: o estudo das funções de nossos centros e o estudo das funções desnecessárias ou prejudiciais.