quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Philokalia - São Máximo o Confessor - Sobre o amor (parte 2)

Uma vez que Deus é existência absoluta, bondade absoluta e sabedoria absoluta, ou melhor, para colocar de maneira mais exata, uma vez que Deus está além de tais coisas, não há nada que seja verdadeiramente oposto a Ele. As criaturas, por outro lado, existem todas através da participação e da graça, sendo que aquelas dotadas com inteligência e intelecto também têm uma capacidade para a bondade ou a sabedoria. Dessa forma, elas têm opostos. Como o oposto da existência elas têm a não existência, como oposto à capacidade para a bondade e a sabedoria têm o mal e a ignorância. Se irão existir eternamente ou não, está dentro do poder de seu Criador. Mas se as criaturas inteligentes irão participar ou não em Sua bondade e sabedoria depende de sua própria vontade.

Assim como o mal é uma privação do bem e a ignorância é uma privação do conhecimento, também o não-ser é uma privação do ser – não do ser num sentido substantivo, pois isso não tem nenhum oposto, mas do ser que existe através da participação no Ser substantivo. As duas primeiras privações mencionadas dependem da vontade das criaturas, a terceira depende da vontade do Criador, que em Sua bondade deseja que os seres existam sempre e que sempre recebam Suas bênçãos.

Todas as criaturas, ou são dotadas de inteligência e intelecto, e dessa forma possuem uma capacidade para opostos tais como virtude e vício, conhecimento e ignorância, ou são corpos físicos de vários tipos constituídos de opostos, ou seja, de terra, ar, fogo e água. Os primeiros são totalmente incorpóreos e imateriais, embora alguns deles estejam unidos a corpos, os últimos são compostos de matéria e forma.

Por natureza todos os corpos carecem da capacidade de movimento, é através da alma que eles recebem o movimento, seja por uma que seja inteligente ou um sem inteligência, ou por uma que seja insensata.

A alma tem três poderes: o primeiro, o poder de nutrição e de crescimento; o segundo, o de imaginação e instinto; o terceiro, o da inteligência e do intelecto. As plantas compartilham apenas do primeiro desses três poderes, os animais do primeiro e do segundo, os homens compartilham de todos os três. Os dois primeiros poderes são perecíveis, o terceiro é claramente imperecível e imortal.

Através de um amor genuíno por Deus nós podemos afugentar as paixões. O amor por Deus é o seguinte: escolher a Deus em vez do mundo e a alma em vez da carne, ao desprezarmos as coisas deste mundo e nos devotarmos constantemente a Ele através do autocontrole, do amor, da oração e assim por diante.

A recompensa do autocontrole é a liberdade das paixões e a recompensa da fé é o conhecimento espiritual. A liberdade das paixões engendra a discriminação e o conhecimento espiritual engendra o amor por Deus.

Quando o intelecto pratica as virtudes corretamente ele avança na compreensão moral. Quando ele pratica a contemplação, avança no conhecimento espiritual. A primeira conduz o aspirante espiritual a discriminar entre a virtude e o vício, o segundo conduz o aspirante às qualidades internas das coisas incorpóreas e corpóreas. Finalmente, é garantida ao intelecto a graça da teologia quando, carregado nas asas do amor para além desses estágios precedentes, ele é absorvido em Deus e com a ajuda do Espírito Santo discerne – na medida do possível ao intelecto humano – as qualidades de Deus.

Se você estiver prestes a entrar no reino da teologia, não tente delimitar a natureza mais íntima de Deus, pois nem o intelecto humano nem o de nenhum ser sob Deus pode experimentar isso; mas tente discernir, na medida do possível, as qualidades que pertencem à Sua natureza – as qualidades da eternidade, infinidade, indeterminabilidade, bondade, sabedoria e o poder de criar, preservar e julgar as criaturas e assim por diante. Pois aquele que descobre essas qualidades, não importa em que medida, é um grande teólogo.

Aquele que combina a prática das virtudes com o conhecimento espiritual é um homem de poder. Pois com a primeira ele enfraquece seus desejos e doma sua insensatez e com o segundo, dá asas a seu intelecto e sai de si mesmo para Deus.

Para aquele que é perfeito no amor e que atingiu o cume da liberdade das paixões não há diferença entre o seu e o do outro ou entre os Cristãos e os descrentes, ou entre o escravo e o liberto, ou entre o masculino e o feminino. Mas porque ele elevou-se acima da tirania das paixões e fixou sua atenção na natureza única do homem, ele olha para todos da mesma maneira e mostra a mesma disposição para com todos. Pois nele não há nem Grego nem Judeu, masculino ou feminino, aprisionado ou livre, e sim Cristo que “é tudo e está em todos” (Col. 3:11; Gal. 3:28)

A pessoa que veio a conhecer as fraquezas da natureza humana adquiriu experiência do poder divino. Tal homem, tendo alcançado algumas coisas e ávido por atingir outras através desse poder divino, nunca menospreza a ninguém. Pois ele sabe que assim como Deus ajudou-o e libertou-o de muitas paixões e dificuldades, também, quando Deus desejar, Ele pode ajudar a todos os homens, especialmente aqueles que perseguem o caminho espiritual por Seu amor. E se em Sua providência ele não libera das paixões todos os homens juntos, não obstante, como um bom e amável médico, ele cura com um tratamento individual cada um daqueles que estão tentando fazer progresso.

Quando uma provação cair sobre você inesperadamente, não culpe a pessoa através da qual ela vier, mas tente descobrir o motivo pelo qual ela veio e então você descobrirá uma maneira de lidar com ela. Pois, seja através dessa pessoa ou através de outra, de qualquer maneira você terá de beber o absinto do Julgamento de Deus.

Enquanto você tiver maus hábitos não rejeite as dificuldades, de modo que através delas você possa ser tornado humilde e possa expelir o seu orgulho.

Às vezes, os homens são testados através do prazer, às vezes, através da dor ou do sofrimento físico. Por meio de Suas prescrições, o Médico das almas administra o remédio de acordo com a causa das paixões que se encontram ocultas na alma.

O homem sensível, levando em consideração o efeito medicinal das prescrições divinas, alegremente sustenta os sofrimentos que elas lhe trazem, uma vez que ele está ciente que elas não têm nenhum motivo além de seu próprio pecado. Mas quando o tolo, ignorante da sabedoria suprema da providência de Deus, peca e é corrigido, ele considera ou Deus ou os homens como responsável pelas dificuldades que ele sofre.

Certas coisas interrompem o movimento das paixões e não permitem que elas cresçam, outras subjugam-nas e fazem-nas diminuir. Por exemplo, no que diz respeito ao desejo, o jejum, os labores e vigílias não permitem que ele cresça; enquanto que o afastamento, a contemplação, a oração e o intenso anseio por Deus subjugam-no e fazem-no desaparecer. O mesmo é verdadeiro no que diz respeito à raiva. A abstenção, a liberdade do rancor, a gentileza, por exemplo, capturam-na e impedem-na de crescer, enquanto que o amor, os atos de caridade, a brandura e a compaixão fazem-na diminuir.

Quando o intelecto de um homem está constantemente com Deus, seu desejo cresce além de toda medida em um anseio intenso por Deus e sua aspereza é completamente transformada em amor divino. Pois através de uma contínua participação no esplendor divino seu intelecto torna-se totalmente preenchido de luz; e quando ele reintegra o aspecto passível de seu intelecto ele redireciona-o para Deus, como dissemos, preenchendo-o com um anseio intenso e incompreensível por Ele e com um amor incessante, assim afastando-o totalmente das coisas mundanas e atraindo-o para Deus.

Guarde-se contra a mãe de todos os vícios, o amor-próprio, que é o impensado amor pelo corpo. Pois ele dá origem a justificações plausíveis para os três primeiros e mais comuns pensamentos dominados pelas paixões. Quero dizer, os pensamentos provenientes da glutonia, da avareza e da autoestima, que tomam como pretexto alguma suposta necessidade do corpo. Todos os demais vícios são gerados por esses três. Você deve estar em guarda e lutar contra o amor-próprio com grande vigilância, pois quando esse vício é erradicado todos os outros são erradicados também.

Os principais vícios: a estupidez, a covardia, a libertinagem, a injustiça – são a ‘imagem’ do homem ‘mundano’. As principais virtudes: a inteligência, a coragem, a auto restrição, a justiça – são a ‘imagem’ do homem ‘celestial’

Se um homem ama alguém, ele naturalmente faz todo tipo de esforço para ter serventia àquela pessoa. Se, portanto, um homem ama a Deus, ele naturalmente se esforça arduamente para agir de acordo com a Sua vontade. Mas se ele ama a carne, ele serve de alcoviteiro para a carne.

O amor, a auto restrição, a contemplação e a oração conformam-se à vontade de Deus, enquanto que a glutonia, a libertinagem e as coisas que as aumentam alcovitam a carne. É por isso que “aqueles que estão na carne não podem se conformar à vontade de Deus” (Rom. 8:8). Mas “aqueles que são de Cristo crucificaram a carne junto com as paixões e os desejos” (Gal. 5:24).

O intelecto de um homem que desfruta do amor de Deus não luta contra as coisas ou contra as imagens conceituais delas. Ele luta contra as paixões que estão conectadas com essas imagens. Ele não luta, por exemplo, contra uma mulher ou contra um homem que lhe ofendeu, ou mesmo com as imagens que ele forma deles, mas luta contra as paixões que estão conectadas com as imagens.

Se o intelecto inclina-se para Deus, ele trata o corpo como seu servo e não lhe provê com nada além do necessário para sustentar a vida. Mas se ele inclina-se para a carne, torna-se servo das paixões e está sempre pensando em como satisfazer os seus desejos.