quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Nisargadatta Maharaj - Mumbai, três reuniões em 1980



13 de novembro de 1980



Maharaj: A consciência universal penetra e abrange a tudo, não sofrendo nenhuma perda ou ganho como resultado da interação do jogo dos cinco elementos. Entretanto, nesse processo de interação ela se manifesta de uma maneira tangível. [Maharaj pega um vaso de flores de metal e derruba-o no chão, o que provoca um som estridente.] Quando um objeto entrou em contato com o outro, o som que estava latente tornou-se aparente. [Maharaj pega uma toalha e aponta que o fogo está latente na toalha.] O fogo manifesta-se apenas quando há ação na toalha, ou seja, ao coloca-la em contato com uma chama, e como uma reação, o fogo manifesta-se e a toalha queima. A consciência está aí o tempo todo; e a vida irá manifestar-se quando houver uma forma. A consciência entra em ação, isto é, torna-se manifesta, perceptível, do mesmo modo que o som aparece ou o pano pega fogo. E similar ao fato de não haver uma identidade particular para o som ou para o fogo, também não há identidade para a consciência. Devido à ignorância e à identificação com o corpo, você experimenta o prazer e a dor mesmo que a consciência seja universal e somente funcione através do corpo.


Tantas pessoas morreram, tantas pessoas foram assassinadas, mas a consciência sempre permaneceu a mesma. Ela não foi diminuída ou engrandecida de maneira nenhuma, ela não sofreu de forma nenhuma. [Maharaj novamente bate no vaso e aponta que o som simplesmente acontece.] Não há dor ou prazer para o som. Ele apenas manifesta-se, assim também é com a consciência, ela não tem dor ou prazer. Não há perda ou ganho para os cinco elementos. Todas estas calamidades que o homem experimenta não darão prazer ou dor não apenas para os cinco elementos, mas também às várias qualidades (gunas) percebidas pelos sentidos. As cinco qualidades são: toque, forma, cheiro, gosto e som. Agora, qual é significado desse “você” para você? Não se envolva com seus desejos. Para onde você está indo? Pense nestas linhas: os cinco elementos estão atuando e como resultado da interação deles as formas são criadas e essas formas são equipadas com cinco sentidos. A partir dos objetos dos cinco elementos, ou seja, dos alimentos e da vegetação, a forma se molda. Agora, através dessa forma, a consciência novamente manifesta as qualidades (gunas) dos cinco elementos. Pondere sobre isto e descubra: O que é você? E para onde você está indo?
Ao longo de todo esse tempo, milhares de guerras foram lutadas. Qual foi o efeito de tudo isso nos cinco elementos? Esses cinco elementos são percebidos pelos cinco sentidos do corpo. Por causa do desdobramento dos cinco elementos a partir do Mais Elevado, este guna – a consciência – emergiu. Suponha que alguém é assassinado, o que acontece de fato? A consciência que reside no corpo que foi morto caiu em esquecimento e o funcionamento dos cinco sentidos é interrompido. Milhões de pessoas são mortas e se vão; por acaso os cinco sentidos ou a consciência delas vieram até você levantando algum conflito? Com um corpo, cinco sentidos de percepção e cinco membros de ação* são providos. Com a idade, esse corpo deteriora-se e os sentidos e os membros já não operam mais tão eficientemente. Assim, com a falha gradual dos sentidos e dos membros devido à velhice, o guna que é a consciência também começa a diminuir, isto é, sua manifestação como tal enfraquece. Em todas essas funções do corpo, sentidos, membros e consciência, aonde “você” se encaixa com tal? E para onde você vai? Os vários processos e eventos devem-se ao corpo-comida e ao prana; aonde está a sua posição nesse quadro?


Pergunta: A consciência é independente do corpo, isto é, não é afetada por ele?


M: Como poderia ser? Ela é o resultado da essência do corpo-comida e é chamada de sattva-guna. Similarmente, uma criança também é a essência dos corpos dos pais dela. Se uma criança é deformada, isso é devido a alguma inadequação na qualidade do material do corpo-comida. As atividades mundanas e também as espirituais desempenhadas com a mente são meras distrações no estado de ignorância. Elas começaram quando o sentido de ser (beingness) começou a funcionar com o ciclo de vigília e sono.
Se uma pessoa pensa que ao praticar espiritualmente algo pode ser ganho, eu gostaria de conhecer a identidade e o formato de tal pessoa. Os buscadores espirituais, ao invés de investigarem sua própria natureza, a qual é a sua consciência, escavam os livros espirituais em busca de conhecimento.


P: Deveríamos abandonar todos os conceitos e ideias coletados até o momento?


M: Não faça nada desse tipo. Apenas segure-se ao seu sentido de ser (beingness) enquanto você souber que “você é”, esteja apenas neste estado. Não se preocupe a respeito dele ir embora.


P: Devemos manter em mente o sentido de ser? Mas isso significa esforço.


M: Onde está a questão do esforço da sua parte? A consciência espontaneamente veio a ser. A própria consciência é da atenção. Esteja lá, não tente alterar ou modificar nada. Aquilo que “é” está lá e isso é o amor do ser, atma-prem. Se você tira satisfação ao ler e ao seguir os chamados caminhos espirituais e disciplinas tradicionais, faça isso, sem dúvida.


P: Mas Maharaj diz que devemos alcançar um destino.


M: Onde está a questão de prosseguir para um destino e “quem” é que vai prosseguir? [Maharaj bate num metal] Tome este som, para onde ele vai? Um jnani (sábio) está totalmente fora de todos os conceitos. Neste ponto não há nada.


P: Ontem você falou sobre o guru o sobre os pés do guru.


M: Sim, eu falei. Os pés do guru significa o aparecimento espontâneo da consciência quando você sabe que “você é”. Tudo reside neste conhecimento “eu sou” e ele é ilimitado e permeia a tudo. Isso representa os sagrados pés do sat-guru.


P: Não quero de maneira nenhuma ofendê-lo quando faço uma pergunta tola. Por que existem tantas fotografias nestas paredes? Sinto que isso vai numa direção contrária ao seu ensinamento.


M: São lembranças do período de ignorância. Para dissipar a ignorância tais auxílios são necessários. Quando o propósito é servido, não são mais requeridos. Este corpo que eu uso é também um resultado do estágio ignorante, mas ainda está sendo usado embora eu tenha transcendido o estágio de ignorância. Portanto, deixe os retratos decorarem a parede, não há nenhum mal nisso. Em vez de mudar as coisas no externo, por que não trazer uma mudança interna ao remover suas identidades errôneas?
Você fala como se você tivesse sabedoria, mas que conhecimento você tem na verdade? Seu capital presente é o ciclo de vigília, sono profundo e o conhecimento “eu sou”. O que mais você adquiriu? Esse ciclo apareceu por si mesmo sem que você o solicitasse; todo o resto você aprendeu e adquiriu posteriormente. Todas as pessoas que vêm aqui são como uma criança ignorante, a despeito de qualquer suposto conhecimento que elas tenham adquirido de fora.


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29 de março de 1980



Maharaj: Uma vez que o corpo chega ao fim, ele mistura-se com os cinco elementos, a respiração vital mistura-se com o ar e a consciência mistura-se com a consciência universal. Dessa forma, a consciência que estava sujeita aos três gunas no corpo torna-se livre deles, torna-se Nirguna (sem qualidade). A ideia de renascimento é um conceito, pois para algo renascer algo deve morrer. O que é morto: Nada é morto. Quem vai renascer: Ninguém nasceu. Qualquer que seja a educação que você recebeu, ela baseou-se no corpo-mente, assim, quaisquer conceitos que você tenha permanecerão apenas conceitos. Contudo, uma vez que o corpo misturar-se aos cinco elementos, a respiração misturar-se com o ar e a consciência tornar-se a consciência universal, os conceitos não terão uma base, não terão suporte. Desse modo, para onde irão?
A consciência universal não vem de nenhum lugar, ela é universal. Ela existe de forma latente na totalidade dos alimentos. Ela não vem de parte alguma, ela já está latente, e, assim que uma forma é criada, automaticamente a força da vida e a consciência são exibidas nela simultaneamente.
Numa semente infinitesimal a árvore inteira já está presente num estado latente, no devido tempo ela crescerá e proliferará. Essa semente, essa química, esse sentido de ser, contém o seu universo inteiro. Faça perguntas a partir desse seu sentido de ser e não a partir do que você ouviu ou coletou. O sentido de ser tem suas próprias qualidades latentes para serem manifestadas nesta manifestação. Como ele comporta-se no mundo? Através de propriedades mecânicas; ele tem sua própria maneira mecânica de como irá atuar no mundo. Essas propriedades estão latentes no princípio químico. Pegue um verme ou um inseto ou um rato: eles fazem suas próprias tocas para viver. Similarmente, os seres humanos trabalham de sua própria maneira. De onde isso surge? Isso surge de seu próprio sentido de ser.


Pergunta: Mas existe apenas um sentido de ser, não existem diversos seres (selves) individuais.


M: Assim como o espaço é apenas um, o ar é um, o fogo é um, similarmente, a consciência também é uma. Este é o resultado da integração combinada dos cinco elementos. Portanto, o sentido de ser é um produto da essência da comida proveniente do fluxo dos cinco elementos.
No momento da concepção esse princípio do sentido do ser – esta química – tira uma fotografia da situação ali presente. Essa emulsão química que está no filme fotográfico recebe as impressões. Esse princípio, inconscientemente tirou uma fotografia. Naquele estágio ele não tem nenhuma inteligência; então, o princípio torna-se maduro o suficiente e atinge seu próprio propósito, o propósito do feto. Qual é o propósito? Conhecer a si mesmo como o “eu sou”. Isso se manifesta no devido tempo na criança.
Estou lhe contado a sua verdadeira natureza – você é Nirguna, como o Senhor Krishna. O Senhor Krishna era o princípio não-nascido, Nirguna, assim como você o é.
Essa consciência universal a cada momento dá a luz a tantas formas, insetos, animais, seres humanos, a todas as espécies; e as pessoas nos falam que nós tivemos muitos nascimentos. Você se lembra de todos esses nascimentos? Intencionalmente não tenho conhecimento nenhum do meu nascimento, mas eu sou acusado de ter nascido. Na verdade você aceita esses conceitos porque você tem medo da morte.
Aquele que se livrou de ir e vir, e que finalmente se livrou de seu próprio conceito “eu sou”, é completamente liberado.
Na Índia, a prática principal é recitar o nome sagrado de Deus. Sem nome ou título você não pode progredir no mundo. É lhe dado um certo título ou nome para Deus e esse nome torna-se seu. Quando você recita o nome, ele irá se proliferar e dar todo o conhecimento a você. O conhecimento é a sua própria natureza verdadeira. Essa recitação não deveria ser abandonada; o corpo vivendo ou morrendo, você deveria recitar continuamente esse nome. Mesmo se uma pessoa estúpida recita o nome sagrado, a natureza sagrada dela irá se abrir. Então quando tal coisa acontecer, as pessoas irão se agrupar ao redor dela para oferecer reverência.
Na Índia essa recitação do nome sagrado é muito importante, mas em países estrangeiros a ênfase é colocada no intelecto, com o resultado que esses estrangeiros são muito eficientes na sua vida mundana. Essa recitação do sagrado nama-mantra é uma tradição da minha linhagem a Navanath Sampradaya. Esses grandiosos sábios dessa tradição não eram instruídos, eram pessoas bem ingênuas e simples; no entanto eles atingiram o mais elevado.
Muitas pessoas depois de lerem o ‘I Am That’ visitam o meu local, mas quando eu estou entre as pessoas elas não conseguem me localizar, pois eu não tenho uma personalidade esplendorosa e maravilhosa. Por fim, quando sento naquele assento mais elevado, eles pensam: “Ah, esse deve ser o cara.” Mas à primeira vista eles olham para mim e passam por mim sem me notar.



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14 de abril de 1980



Maharaj: Enquanto você estiver interessado neste mundo manifesto, você não terá tempo para chegar à raiz. A raiz é esta consciência que apareceu quando você era criança. A raiz de todas as atividades que você está fazendo agora é aquele momento quando você era criança. Naquela criança, a qualidade mais importante - a química, a consciência - tirou a fotografia. A partir daquele momento você começou a reunir conhecimentos e com base nisso suas atividades presentes estão acontecendo. As pessoas estão tão interessadas em minhas palavras que ninguém realmente tenta descobrir o que essa consciência-criança é. Somente quando você se estabiliza na consciência, você pode conhecer essa consciência-criança. Essa é a única forma.


Pergunta: Essa consciência-criança implica um retrocesso em comparação com a consciência do homem. Uma vez que nesse estado não há nenhuma consideração de consciência de criança ou de homem, havendo apenas o Ser – isso não dá nenhuma nova direção.


M: Não há nenhuma diferença na consciência da criança e na consciência do homem.


P: Se o espaço que preenche o pote pequeno é o mesmo que preenche o pote grande, como reconhecemos o pote pequeno?


M: A semente do universo é adimensional, mas por causa do corpo, a consciência aparece e se identifica com o corpo, mas na verdade tudo é a consciência manifesta todo-penetrante. Aquele "eu amo" é manifesto. Para o universo não existe a questão de lucro ou perda, somente quando a identificação com o corpo está presente é que a questão aparece.
Quando você come alimentos, quem está comendo? O sentido de eu sou (I Amness). A comida também contém o "I Amness", portanto, quando você consume-a você retém o "I Amness" dela. Embora o "I Amness" esteja no alimento, ninguém se identifica com a comida, as pessoas dizem: “este é o meu almoço; eu não sou isto”, mas quando ela é consumida e se torna parte do corpo elas dizem: “eu sou o corpo”, elas cometem esse erro.


P: Eu desejo estar no estado de um Jnani.


M: Você deve conhecer aquele conhecimento “eu sou”. O Jnani e o conhecimento são um.


P: Apenas ao sermos obtemos esse conhecimento?


M: Você já é isso, mas você deve tentar entender a si mesmo.


P: Você compreende isso através da própria essência do seu ser, desse modo não há nenhum conhecimento envolvido.


M: Atualmente você está identificando-se com o corpo, assim, você não conhece esse segredo. Você virá a conhecer gradualmente, quando você realmente se tornar isso.


P: Se há apenas a sentido de ser no "eu sou", onde os conceitos entram?


M: Por causa da respiração vital, o fluxo de mente está acontecendo. A mente significa palavras,


portanto, os pensamentos estão aí - eles são os conceitos. Olhe para a sua raiz, a consciência-criança e coloque um fim nisso.


P: A dificuldade reside no fato de que toda consciência é idêntica, como, então, chegar à raiz?


M: Essa consciência é uma árvore, mas houve uma semente - vá para a semente. A consciência que você tem agora é a mesma que a consciência da criança; mantenha-se nela, isso é o suficiente. Enquanto a consciência está aí tudo é tão importante para você, mas se ela desaparece, então qual é o valor de todo o mundo para você? Quem é o conhecedor da semente? Dê atenção a como este sentido de eu sou apareceu - então você saberá. Aceite essa identificação apenas: que você é este puro sentido de ser manifesto, a própria alma do universo, desta vida que você observa. E atualmente você está apenas vestindo este traje corporal. Tome nota disso; você já experimentou tantas coisas na vida apenas para se divertir, por que você não experimenta isso também e veja o que acontece? Veja o que acontece quando você olha para a lua e sabe que a lua está lá contanto que você esteja lá; porque você é, a lua é. Este grande conceito, essa alegria, você experimenta de maneira direta e desfruta dele.


P: Deve haver algum poder que é responsável por esta criação.


M: O poder é o Ser que cada um tem em sua essência, em seu sentido de ser – esse poder é limitado ao tempo. Desde o momento que esse sentido de ser chega ele cria, automaticamente, até que ele desaparece. Antes não havia nada - depois não há nada. É só durante a vigência do sentido de ser (beingness) que o mundo e a criação são. Este poder é a fé no conceito primordial "Eu sou", e esse é o conceito que tece a teia da criação. A manifestação inteira é uma aparição neste conceito.