terça-feira, 23 de agosto de 2011

Meher Baba - Os Segredos do Trabalho Divino

A vida apresenta frequentemente enigmas que não podem ser desvendados pelas pessoas comuns. Ela parece ser cheia de perguntas que não têm respostas. Um caos desenfreado parece ser a lei do mundo e parece não haver nenhuma justiça ou significado na marcha de seus eventos. Mesmo aqueles que creem em Deus são levados à perplexidade e vacilam em sua fé. Mas isso é apenas impaciência e falta de verdadeira visão que são os responsáveis por tal percepção da vida. Nós abraçamos a ignorância e não vemos que qualquer coisa que a vida traz está carregada de grande significado. As maneiras de Deus são sempre incontestáveis e impossíveis de serem resistidas, embora possam ser misteriosas e inescrutáveis. Os segredos de Seu trabalho no mundo não podem ser verdadeiramente entendidos nem mesmo por almas avançadas.
Isso pode ser ilustrado por meio de uma anedota de um grande Santo, o qual é muito respeitado até os dias de hoje em todos os cantos do mundo. Certa vez, esse Santo encontrou um anjo e solicitou-lhe que ele lhe concedesse a sua companhia em suas andanças na terra, para que ele pudesse entender alguma coisa sobre os trabalhos secretos de Deus. O anjo prontamente lhe concedeu a permissão para estar com ele e observar todas as suas ações na terra, mas colocou sua estrita condição nas palavras seguintes: "Você pode apenas observar meus feitos (em qualquer momento e quaisquer que forem eles), sem me perguntar por explicações de minhas ações. Você não seria capaz de julgar e entender as maneiras de Deus. Mesmo se não for capaz de compreendê-las, você não deve me perguntar o porquê de tudo o que você me ver fazer enquanto estiver comigo." O Santo prometeu que iria apenas observar e que não iria importuná-lo com qualquer pergunta mesmo se tais questões surgissem em sua mente. Só então ele foi autorizado a seguir o anjo em suas andanças pela terra.
Em um dado momento, eles entraram em um barco para cruzar o mar. O barqueiro ofereceu seus serviços a eles sem cobrar-lhes sua tarifa usual, pois desejava ajudá-los. Quando o barco estava no meio do oceano, o anjo tirou uma tábua lateral da estrutura do barco e jogou-a na água. O Santo imediatamente ficou preocupado e exclamou: "por que você está danificando o barco? Não iremos todos naufragar junto com o barco?" O anjo lembrou-lhe que ele tinha concordado em não fazer perguntas e pediu-lhe para manter-se quieto. Após o desembarque, eles encontraram um jovem árabe. Para a perplexidade absoluta do Santo, o anjo matou o jovem ali mesmo no local. O Santo achou muito difícil ficar quieto e perguntou agitadamente: "Por que você matou aquela vida em crescimento?" Nesse momento o anjo respondeu: "Eu não lhe disse que você não seria capaz de compreender o trabalho de Deus? Você deve manter-se fiel à sua promessa de fazer nenhuma pergunta". O Santo percebeu que não tinha conseguido cumprir a condição que havia aceitado e quis ser perdoado.
Em seguida, chegaram a uma aldeia onde pediram que os aldeões lhes dessem alguma comida. Mas os moradores apenas os trataram desdenhosamente e mandaram-nos embora sem dar-lhes esmolas. Quando chegaram na periferia da aldeia, viram um muro delapidado em ruínas que se destinava a proteger a vila de invasões de inimigos. O anjo foi até o muro e reparou-o, gastando muito de seu valioso tempo. Novamente, o santo não pôde conter-se e perguntou: "por que você reparou esse muro para os moradores que não deram nem mesmo esmolas para nós? Você fez este trabalho de amor por nada. Por um trabalho assim na aldeia, facilmente teríamos conseguido remuneração suficiente para adquirir alimentos e dissipar nossa fome." O anjo respondeu: "você fez uma pergunta novamente, apesar do ter prometido apenas observar e ficar quieto. Não adianta divulgar os segredos dos caminhos de Deus prematuramente. É requerido a grandeza e a paciência de Deus para se compreender o Seu trabalho. Você tentou bisbilhotar nos segredos de Deus, os quais não se deve divulgar. Agora é hora de nos separarmos. Mas tudo bem, antes de nos separarmos vou explicar as razões de meus atos. O barqueiro é um homem pobre e piedoso. Quando tirei uma tábua do lado do barco de um lugar importante de sua estrutura, eu sabia que um rei dos ladrões estava aproximando-se naquela direção. Esse rei ladrão estava coletando barcos novos e eficientes para exercer seus roubos e toda vez que via um bom barco, ele os tomava de seus proprietários. No entanto, ele deixava intocados quaisquer barcos que estivessem quebrados ou em ruínas. Eu tirei uma enorme tábua da lateral para que o barco não parecesse atrativo. Caso contrário, esse barqueiro piedoso e pobre seria privado do único meio para sua subsistência. Agora, o jovem árabe que matei era notório e vicioso. Se tivesse vivido, ele não apenas teria perpetrado crimes hediondos, mas certamente teria trazido uma blasfêmia agonizante sobre seus piedosos pais, os quais não mereciam isso de maneira nenhuma. Foi a vontade da providência divina que eu devesse matar esse jovem árabe para salvá-lo de novos pecados e salvar seus pais do sofrimento de uma imerecida má-fama. Agora, a respeito da reparação do muro, saiba que um homem piedoso enterrou sob ele seu valioso tesouro com o desejo de que ele pudesse ser de uso para seus filhos. Mas, é a vontade de Deus que seus filhos obtenham esse tesouro quando crescerem e que ninguém além deles obtenha-o. Se a parede em ruínas tivesse caído, o tesouro correria o risco de ser exposto à vista dos aldeões mal intencionados, que certamente teriam tomado posse desse tesouro para si. Tenha certeza de que tudo o que fiz, que foi seu privilégio especial poder observar, não foi de meu próprio acordo ou iniciativa, mas por ordens do nosso Pai Divino cuja grandeza real até nós anjos podemos entender apenas parcialmente. As maneiras de Deus podem ser inescrutáveis para o mundo, mas Seu amor pelo mundo é ilimitado e Sua justiça é infalível." Com essas palavras o anjo partiu, deixando o Santo em profunda contemplação. E o Santo decidiu viver em completa resignação à vontade de Deus, mesmo quando seu intelecto limitado não pudesse entender seu significado real.
Aqueles com visão clara veem o significado de tudo que a vida traz nos termos da irresistível lei de verdade. Eles aceitam a vida como ela é sem amargura ou insatisfação. Para eles, a verdade que veem e percebem é o suficiente. Está totalmente justificado. Os mestres muitas vezes são cheios de louvores para o valor e a glória daquela Verdade que eles realizaram. Eles dizem para as pessoas materialistas: "Só a Verdade tem valor. Deixe todas as suas falsas buscas e atinja a Verdade por si mesmo, assim como nós a atingimos. Não há nenhuma necessidade de desespero e nenhuma desculpa para você adiar o esforço para chegar à Verdade".
Isso funciona como um homem rico que pressiona as pessoas atingidas pela pobreza a ganharem dinheiro e incentiva-as através de seu próprio exemplo. Os louvores que um homem rico profere a riqueza justificam-se, porque incentivam as pessoas pobres a tornarem-se industriosas e a tornarem-se ricas. Da mesma forma os louvores que o mestre profere referentes ao valor supremo da Realização de Deus também justificam-se pois inspiram e encorajam os outros a procurarem e empenharem-se na luta pelo estado mais elevado. Eles louvam a Realização de Deus para incentivar as outras pessoas que estão aprisionadas e não para si próprios.
O mundo, por vezes, louva as pessoas ricas. Mas realmente falando, ele não louva essas pessoas, mas apenas a sua riqueza. Da mesma forma, o mundo louva os mestres que estão estacionados na Verdade mais suprema. Mas ao fazê-lo, o mundo não está realmente louvando os mestres por si mesmos, mas apenas a Verdade que eles têm. Não há nenhuma razão para que o mundo inveje seus louvores. Quanto aos mestres, eles aceitam elogios e censuras com a mesma serenidade. Para eles, louvor e censura são iguais. Eles são extremamente indiferentes a ambos, entusiasmando-se apenas com seu dever divino de ajudar os homens a atingirem a Verdade ao renunciarem a todos os desejos.
Quando a mente do homem torna-se consciente de sua escravidão para com as ânsias correntes a que está sujeita, surge aí uma nova força, a aspiração espiritual para realizar esse estado ilimitado que é como um sono consciente. Tal aspiração é como uma brisa que cria o fogo pela União com outras coisas. A geração dessa energia dinamicamente criativa é simbolizada pela chama crescente da consciência. Por isso, adorações e orações são oferecidas ao fogo em muitas religiões. Deus como o Sol da Luz jamais pode ser realizado exceto através do fogo da aspiração da consciência esforçada. Os mestres estão constantemente ventilando o fogo da aspiração espiritual. Essa é a verdadeira adoração e consagração da vida a Deus como a Verdade. A tarefa divina dos mestres é impenetrável para aqueles que desejam compreendê-la em termos do mundo, porque ela contrabalanceia diretamente as inclinações vigentes pelas quais o mundo é rigorosamente controlado. O trabalho Divino às vezes parece implacável e inexplicável. Seu significado não pode ser compreendido por aqueles que estão imersos no mundo.


Do sofrimento a paz

Há sofrimento na vida. Ele pode degradar ou elevar o homem de acordo com a forma na qual ele defronta-se com isso e do uso que ele faz disso. Se for inteligentemente compreendido e tratado radicalmente e não apenas superficialmente, o sofrimento traz em sua esteira aquela compreensão que conduz à felicidade. Pois, em vez de apenas reclamar do sofrimento, o homem, então, passa a remover radicalmente a ignorância profundamente arraigada que inevitavelmente traz tal sofrimento. Quando o sofrimento conduz à felicidade verdadeira e eterna ao convidar a nossa atenção para a Verdade, ele não deve ser evitado. As lições que ele traz não deveriam ser desprezadas. Elas deveriam ser enfrentadas de frente. Você deve reunir a coragem para atacar a ignorância da qual brota tal sofrimento. É para eliminar o sofrimento que sofrimento surgiu.
As pessoas sofrem porque não estão satisfeitas. Elas querem mais e mais. A ignorância dá origem à ganância e à vaidade. Se você não desejasse nada você não sofreria. Mas esse não é o caso, você quer alguma coisa ou outra. Se você fosse realmente livre de todos os desejos, você não sofreria nem mesmo nas garras de um leão. O descontentamento universal na vida moderna é devido ao grande abismo que existe entre a teoria e a prática, entre o ideal e sua realização na vida. Os aspectos espiritual e material da vida são amplamente separados um do outro. Eles deveriam estar inseparavelmente unidos um ao outro. Não há nenhuma oposição fundamental entre o espírito e a matéria ou entre a vida e a forma. A aparente oposição é devida ao pensamento errado.
Não há nenhuma saída do sofrimento enquanto houver o ego limitado. Mas o ego pode ser eliminado através do amor e do serviço. A eliminação do ego leva à consciência divina, na qual há liberdade do sofrimento e da alegria. Todas as práticas morais e religiosas são destinadas a eliminar o ego. Quanto mais você viver para os outros e menos para si mesmo, menos aprisionadores serão os seus desejos que o levam a um interminável sofrimento.
Quanto menos desejos você tiver, mais fino será o véu da ignorância que constitui o ego. A raiz de todos os sofrimentos, individuais ou sociais, é o interesse próprio. Elimine o interesse próprio e você resolverá todos os problemas e dificuldades. Cultos, credos, dogmas, rituais religiosos e cerimônias ou palestras e sermões jamais podem trazer um alívio radical do sofrimento. Para que o sofrimento e caos possam desaparecer e a paz e a felicidade real possam entrar em seu lugar, tem de haver o amor altruísta e a fraternidade universal.