segunda-feira, 18 de abril de 2011

Meher Baba - Maya



Parte I - Falsos Valores


Todo mundo quer conhecer e perceber a Verdade, mas a Verdade não pode ser conhecida e compreendida como Verdade a menos que a ignorância seja conhecida e compreendida como sendo ignorância. Daí surge a importância da compreensão de Maya, ou o princípio da lgnorância. As pessoas lêem e ouvem muito sobre Maya, mas poucos entendem o que ela realmente é. Não basta ter uma compreensão superficial de Maya, é necessário que Maya seja entendida como ela é, na sua realidade. Entender Maya, ou o princípio da Ignorância, é saber a metade da Verdade do universo. A ignorância em todas as suas formas deve desaparecer de modo que a alma possa se estabelecer no estado de Autoconhecimento.
Por isso, é imperativamente necessário que a humanidade saiba o que é falso, que reconheça o que é falso para se livrar do falso ao saber que ele é falso. Qual é a natureza essencial da falsidade? Se o verdadeiro é conhecido como sendo verdadeiro ou se o falso é conhecido como sendo falso, não há falsidade, apenas uma forma de conhecimento. A falsidade consiste em tomar o verdadeiro como sendo falso ou o falso como sendo verdadeiro, isto é, ao considerar que algo é diferente do que realmente é em si mesmo. A falsidade é um erro no julgamento da natureza das coisas.
De um modo geral, existem dois tipos de conhecimento: os julgamentos puramente intelectuais sobre os fatos da existência, e os julgamentos de valor, que implicam na apreciação do valor ou da importância das coisas. Os julgamentos puramente intelectuais ou as crenças derivam sua importância do fato de estarem relacionados com valores de alguma forma. Divorciados de valores, têm muito pouca importância em si mesmos. Por exemplo, ninguém tem muito interesse em contar exatamente o número de folhas de uma determinada árvore, apesar de que do ponto de vista puramente teórico tal informação seria uma forma de conhecimento. Tal informação ou conhecimento é tratado como insignificante porque não está vitalmente ligado a outros valores. O conhecimento intelectual torna-se importante quando permite ao homem perceber certos valores, dando-lhe o controle sobre os meios para sua realização ou quando ele entra na própria avaliação como um importante fator, modificando ou afetando de alguma outra forma os valores aceitos.
Assim como existem dois tipos de julgamento, há dois tipos de falsidade: os erros em aceitar como fatos coisas que não são fatos e erros de avaliação e valorização. Os erros de avaliação podem ser cometidos nos seguintes aspectos: (1) ao tomar como importante o que não é importante, (2) ao tomar como sem importância o que é importante, ou (3) ao dar uma importância a uma coisa diferente da importância que ela realmente tem. Todas essas falsidades são criações de Maya. Embora Maya inclua todas as falsidades do ponto de vista espiritual, há algumas falsidades que contam e algumas falsidades que não contam muito. Se uma pessoa considera um trono ser maior do que ele é, seria uma falsidade, mas isso não importa muito. Por outro lado, se uma pessoa considera o trono como sendo tudo e como o objetivo de sua vida, essa seria uma falsidade que afetaria substancialmente o curso e o significado de sua vida. Em geral, os erros de valorização são muito mais eficazes em desencaminhar, perverter e limitar a vida do que os erros nos julgamentos puramente intelectuais sobre certos fatos objetivos.
Os erros na valorização surgem devido à influência de vontades e desejos subjetivos. Os valores verdadeiros são valores que pertencem às coisas em seu próprio direito. Eles são intrínsecos e por serem intrínsecos são absolutos e permanentes e não são passíveis de mudança de tempos em tempos ou de pessoa para pessoa. Falsos valores são derivados de desejos ou vontades. Eles são dependentes de fatores subjetivos e sendo assim dependentes, são relativos e impermanentes, podendo sofrer alterações ao longo do tempo e de pessoa para pessoa.
Por exemplo, um indivíduo que está com muita sede e está em um deserto como o Saara pensa que nada é mais precioso do que a água, enquanto alguém que tem em mãos uma abundância de água e que não está com muita sede não dá a mesma importância a ela. Da mesma forma, uma pessoa que está com fome, considera a comida muito importante, mas o indivíduo que teve um jantar completo nem sequer pensa em comida até que esteja com fome novamente. A mesma coisa aplica-se a outros desejos e anseios que projetam valores imaginários e relativos para os objetos que satisfarão esses desejos e anseios.
O valor dos objetos dos sentidos é grande ou pequeno de acordo com a intensidade ou a urgência com que são desejados. Se esses desejos e anseios aumentam, os objetos correspondentes assumem maior importância. Se sua intensidade ou urgência diminui, os objetos também perdem muito de sua importância. Se os desejos e anseios aparecem intermitentemente, eles retêm seu possível valor quando os desejos e anseios estão latentes e seu valor real quando eles se manifestam. Esses são todos os falsos valores, pois não são inerentes aos próprios objetos. Quando, à luz do verdadeiro conhecimento, todos os desejos e anseios desaparecem completamente, os objetos trajados com importância através da operação desses desejos e anseios perdem imediatamente toda sua importância emprestada e parecem sem sentido.
Assim como uma moeda que não esteja em uso corrente é tratada como sem valor, embora tenha uma espécie de existência, os objetos dos desejos e anseios, quando vistos em sua vacuidade são tratados como falsos, ainda que esses objetos posam continuar a ter algum tipo de reconhecimento. Eles todos existem e podem ser conhecidos e vistos, mas já não significam a mesma coisa. Eles sustentam a falsa promessa de satisfação de uma imaginação pervertida pela luxúria e pelos desejos; ainda assim, para uma percepção tranquila e constante, são vistos como sem importância alguma quando considerados como separados da alma.
Quando um ente querido morre, há tristeza e solidão, mas essa sensação de perda está enraizada no apego à forma, independentemente da alma. É a forma que desapareceu e não a alma. A alma não está morta; em sua verdadeira natureza ela nem mesmo foi embora, pois ela está em toda parte. No entanto, através de apego ao corpo, a forma era considerada importante. Todos os anseios, desejos, emoções e pensamentos estavam centradas sobre a forma, e quando, a forma desaparece através da morte, existe um vácuo, que se expressa através de falta do falecido.
Se a forma como tal não tivesse sido sobrecarregada com falsa importância, não haveria tristeza em perder a pessoa que faleceu. O sentimento de solidão, a memória persistente da pessoa amada, o anseio de que ele ou ela devesse ainda estar presente, as lágrimas de luto e os suspiros de separação, devem-se todos à valorização falsa, ao trabalho de Maya. Quando uma coisa sem importância é considerada importante, temos uma manifestação principal do trabalho de Maya. Do ponto de vista espiritual, é uma forma de ignorância.
Por outro lado, o trabalho de Maya também se expressa ao fazer uma coisa importante parecer banal. Na realidade, a única coisa que tem importância é Deus, mas muito poucas pessoas estão realmente interessadas em Deus por Si mesmo. Se por acaso a pessoa mundana voltasse para Deus, é principalmente para seus próprios fins egoístas e mundanos. Eles buscam a satisfação de seus próprios desejos, esperanças e até mesmo vingaças através da intervenção do Deus de sua imaginação. Eles não buscam a Deus como a Verdade. Eles anseiam por todas as coisas, exceto a única Verdade, a qual consideram como sem importância. Novamente isso é a cegueira da visão causada pelo trabalho de Maya. As pessoas buscam sua felicidade em tudo, exceto em Deus, o qual é a única fonte inesgotável de alegria permanente.
O trabalho de Maya também expressa-se ao fazer a mente dar uma importância para algo diferente da importância que aquilo realmente tem. Isso acontece quando os rituais, cerimônias e outras práticas religiosas externas são considerados como fins em si mesmos. Eles têm seu próprio valor como meios para um fim, como veículos da vida, como meios de expressão, mas, tão logo assumem créditos a seu próprio favor, está recebendo uma importância diferente daquela que lhes pertence. Quando são considerados importantes em si mesmos, eles limitam a vida ao invés de servir o propósito de expressá-la. Quando é permitido que o inessencial predomine sobre o essencial, dando-lhe importância errada, tem-se a terceira forma principal de ignorância relativa a avaliação. Este novamente é o trabalho de Maya.



Parte II - Falsas Crenças






As algemas que mantêm a alma em um cativeiro espiritual, consistem principalmente de valores errados ou falsidades referentes à valorização. Algumas falsidades relacionadas a crenças erradas, também desempenham um papel importante no processo de manter a alma em cativeiro espiritual. Falsas crenças implementam falsos valores, e estes, por sua vez, reúnem força dos falsos valores nos quais a alma baseou-se. Todas as falsas crenças assim como os falsos valores são grandemente criações de Maya, e eles são usados por Maya para manter a alma em suas garras, ainda na ignorância.
Maya se torna irresistível ao apossar-se da própria sede do conhecimento, que é o intelecto humano. Sobrepujar Maya é difícil porque, com o intelecto sob o seu domínio, Maya cria barreiras e sustenta falsas crenças e ilusões. Ela cria barreiras para a realização da Verdade através de tentativas persistentes de sustentar e justificar as crenças errôneas. O intelecto que funciona em liberdade prepara o caminho para a Verdade, mas o intelecto que é um joguete nas mãos de Maya cria obstáculos para a verdadeira compreensão.
As falsas crenças criadas por Maya são tão profundamente enraizadas e fortes que parecem ser auto-evidentes. Elas assumem a feição de verdades autênticas e são aceitas sem questionamento. Por exemplo, uma pessoa acredita que ela é seu corpo físico. Normalmente, nunca lhe ocorre que ela pode ser algo diferente de seu corpo. A identificação com o corpo físico é assumida por ela instintivamente, sem exigência de uma prova, e ela mantém a crença mais fortemente ainda porque ela é independente de uma prova racional.
A vida de um indivíduo é centrada em torno do corpo físico e seus desejos. Abandonar a crença de que ele é o corpo físico envolve o abandono de todos os desejos relacionados com o corpo físico e os falsos valores que eles implicam. A crença de que ele é seu corpo físico é propícia aos desejos físicos e apegos, mas a crença de que ele é algo diferente do seu corpo físico é contrária aos desejos e apegos aceitos. Portanto, a crença de que o indivíduo é o seu corpo físico torna-se natural. É uma crença fácil de manter e difícil de se desenraizar. Por outro lado, a crença de que ele é algo diferente de seu corpo físico parece exigir uma prova convincente. É difícil de segurar e fácil de resistir. Igualmente, quando a mente não está sobrecarregada com todos os desejos e apegos físicos, a crença de que ele é seu corpo físico é vista como falsa e a crença de que ele é algo diferente de seu corpo é vista como verdade.
Mesmo quando uma pessoa consegue deixar cair a falsa crença de que ela é o corpo físico, ela continua a ser uma vítima da falsa crença de que ela é o seu corpo sutil. Sua vida é, então, centrada em torno do corpo sutil e seus desejos. Abandonar a crença de que ela é o corpo sutil envolve o abandono de todos os desejos relacionados com o corpo sutil e os falsos valores que eles implicam. Portanto, a crença de que ela é seu corpo sutil agora torna-se natural para ela, e a crença de que ela é algo diferente de seu corpo sutil parece exigir uma prova convincente. Mas quando a mente não está sobrecarregada com todos os desejos e apegos referentes ao corpo sutil, a pessoa abandona a falsa crença de que ela é seu corpo sutil, tão facilmente como abandonou a falsa crença de que ela era o seu corpo físico.
No entanto, esse não é o fim das falsas crenças. Mesmo quando uma pessoa abandona a falsa crença de que ela é seu corpo sutil, ela alimenta a crença ilusória de que ela é o seu corpo mental. A pessoa alimenta essa crença falsa, porque a aprecia. Ao longo de sua longa vida como uma alma individual, ela se agarrou com carinho à falsa idéia de sua existência separada. Todos os seus pensamentos, emoções e atividades têm repetidamente assumido e confirmado somente uma afirmação, ou seja, a existência do "eu" separado. Abandonar a falsa crença de que ela é a mente-ego do corpo mental é entregar tudo o que parecia constituir sua própria existência.
Para abandonar a falsa crença de que ela é o seu corpo físico ou o sutil, é necessário abandonar vários desejos e apegos. É um abandono de algo que a pessoa teve durante muito tempo. Ao abandonar a falsa crença de que ele é a sua mente-ego, o indivíduo é chamado a entregar a própria essência do que ele pensava ser ele mesmo. Apagar esse último vestígio da falsidade é, portanto, a coisa mais difícil. Mas essa última falsidade não é mais duradoura do que as falsidades anteriores que pareciam ser certezas incontestáveis. Ela também tem o seu término e é removida quando a alma renuncia seu desejo por uma existência separada.
Quando a alma se conhece como sendo diferente dos corpos grosseiro, sutil e mental, ela se conhece como sendo infinita. Como a Alma infinita, ela não faz nada, ela simplesmente É. Quando a mente é adicionada à alma individualizada, ela parece pensar. Quando o corpo sutil é adicionado à alma com a mente, ela parece desejar. Quando o corpo grosseiro é adicionado à eles, a alma parece estar envolvida em ações. A crença de que a alma está fazendo algo é uma crença falsa. Por exemplo, um indivíduo acredita que ele está sentado na cadeira, mas na verdade é o corpo que está sentado na cadeira. A crença de que a alma está sentada na cadeira é devida à identificação com o corpo físico. Da mesma forma, uma pessoa acredita que está pensando, mas na verdade é a mente que está pensando. A crença de que a alma está pensamento é devida à identificação com a mente. É a mente que pensa e é o corpo que se senta. A alma não está envolvida nem no pensar, nem em quaisquer outras ações físicas.
Claro que não é simplesmente a mente ou o mero corpo que realizam o pensar ou outras ações físicas, pois a mera mente e o mero corpo não existem. Eles existem como ilusões da alma individualizada, e é quando a alma falsamente se identifica com eles que o pensar ou a realização das coisas ocorre. A alma e o corpo mental, sutil e grosseiro tomados em conjunto, constituem o agente das ações, ou o "eu" limitado, mas a alma em sua verdadeira natureza não é responsável nem pelos pensamentos, nem pelos desejos, nem pelas ações. A ilusão de que a alma é a mente ou os corpos e a ilusão de que a alma é o agente do pensar, do desejar, ou das ações são criadas por Maya, a qual é a Ilusão e o princípio da Ignorância.
Da mesma forma, a crença de que a alma experimenta os prazeres e as dores da vida ou de que esteja passando pelos opostos da experiência também é falsa. A alma está além dos opostos da experiência, mas não se conhece como tal. E dessa forma ela assume as experiências que são características dos opostos devido à identificação com a mente e os corpos sutil e grosseiro. A alma que se confunde com a mente e o corpo torna-se destinatária de dores e prazeres. Assim, todos os prazeres e as dores aos quais a pesoa está sujeita estão enraizados na ignorância.
Quando um indivíduo pensa que ele é a pessoa mais infeliz do mundo, ele está adotando uma ilusão que sugiu por causa da ignorância, ou de Maya. Ele não é realmente infeliz, mas imagina que é infeliz porque se identifica com a mente e os corpos. Claro que não é a mente por si só, ou os corpos por si só que podem ter alguma experiência dos opostos. É a alma, a mente e os corpos tomados juntos que se tornaram o sujeito da experiência dual; mas a alma, em sua verdadeira natureza, está além dos opostos da experiência.
Assim, é a mente e os corpos em conjunto que constituem o agente das atividades e o sujeito das experiências duais. No entanto, eles não assumem esse papel duplo por seu direito próprio, mas somente quando eles são tomados juntamente com a alma. É a mente e os corpos que estão sendo animados que, juntos, tornam-se o agente de atividades ou o sujeito da experiência dual. O processo de vivificação pela alma se baseia na ignorância, pois a alma em sua verdadeira natureza é eternamente sem qualidades, sem modificações e ilimitada. Ela parece ser qualificada, modificada e limitada por causa da ignorância, ou do trabalho de Maya.



Parte III - Transcendendo as falsidades de Maya


Inúmeras são as falsidades que uma pessoa guiada por Maya abraça no torpor da ignorância; e desde o início, as falsidades carregam dentro de si sua própria insuficiência e falência. Cedo ou tarde elas são conhecidas como mentiras. Isso leva a pessoa à pergunta: Como discernir a falsidade como falsidade? Não há nenhuma saída da falsidade, exceto ao conhecê-la como falsa, mas esse conhecimento da falsidade como falsidade nunca chegaria a menos que estivesse de alguma forma latente na própria falsidade, desde o início.
A aceitação da falsidade é sempre um acordo forçado. Mesmo nas profundezas da ignorância, a alma oferece algum tipo de desafio para a falsidade. Não importa o quão fraca e desarticulada pareça estar em seus estágios iniciais, é o início daquela busca da Verdade que finalmente aniquila toda a falsidade e toda a ignorância. Na aceitação de uma falsidade há uma inquietação crescente, uma profunda desconfiança e um medo vago. Por exemplo, quando um indivíduo considera a si mesmo e os outros serem idênticos com o corpo grosseiro, ele não consegue reconciliar-se totalmente a essa crença. Ao abraçar essa falsa crença há o medo da morte e o medo de perder os outros. Se uma pessoa depende somente da posse de formas para sua felicidade, ela sabe em seu coração que está construindo seus castelos na areia movediça, sabe que este certamente não é o caminho para a felicidade permanente, que o apoio ao qual ela tão desesperadamente se apega pode a qualquer dia desaparecer. Por isso, ela está profundamente desconfiada de suas bases.
O indivíduo está inquietamente consciente de sua própria insegurança. Ele sabe que algo está errado em algum lugar e que ele está contando com falsas esperanças. A falsidade é traiçoeiramente desconfiável. Ele simplesmente não pode-se dar ao luxo de abraçá-la para sempre. Ele poderia muito bem colocar uma cobra venenosa em torno de seu pescoço ou ir dormir no topo de um vulcão que está apenas temporariamente inativo. A falsidade traz a marca de ser incompleta e insatisfatória, temporária e provisória. Ela aponta para algo mais. Para a pessoa ela parece estar escondendo algo maior e mais verdadeiro do que aquilo que ela parece ser. A falsidade trai a si mesma e ao fezer isso leva a pessoa a conhecer a verdade.
As falsidades são de dois tipos: aquelas que surgem devido ao pensamento irregular e desconexo, e aquelas que surgem devido ao pensamento viciado. As falsidades que surgem devido ao pensamento irregular são menos prejudiciais do que aquelas que surgem do pensamento viciado. As falsidades de natureza puramente intelectual surgem por causa de algum erro na utilização do intelecto. Enquanto que falsidades que são importantes do ponto de vista espiritual surgem por causa do vício do intelecto, através da operação dos desejos irracionais que cegam.
A diferença entre esses dois tipos de falsidade pode ser interposta por uma analogia fisiológica. Alguns distúrbios dos órgãos vitais do corpo são funcionais e alguns são estruturais. Doenças funcionais surgem por causa de alguma irregularidade no funcionamento de um órgão vital. Nesses casos não há nada de muito errado com a estrutura do órgão vital. Ele apenas tornou-se lento ou irregular e precisa apenas de um pequeno estímulo ou correção a fim de funcionar corretamente. Nos distúrbios estruturais, a doença passa a existir por causa do desenvolvimento de alguma deformidade na estrutura ou na constituição do órgão vital. Nesses casos, o distúrbio do órgão vital é de natureza muito mais grave. Ele tornou-se danificado ou ineficaz devido a algum fator concreto que afetou a própria constituição do órgão. Ambos os tipos de doenças podem ser corrigidas, mas é muito mais fácil a correção de problemas meramente funcionais do que corrigir os estruturais.
As falsidades que surgem devido a alguma irregularidade na utilização do intelecto são como os distúrbios funcionais e as falsidades surgidas deveido ao vício do intelecto são como os disturbios estruturais. Assim como os distúrbios funcionais são mais fáceis de corrigir do que os estruturais, as falsidades decorrentes de irregularidades na aplicação do intelecto são mais fáceis de corrigir do que aquelas que surgem devido ao vício do intelecto. A fim de corrigir uma doença funcional de um órgão vital, tudo o que é necessário é dar-lhe uma melhor modulação e mais força. Se há uma doença estrutural, muitas vezes é necessário realizar uma operação. Da mesma forma, se as falsidades surgem devido a alguns erros na aplicação do intelecto, tudo que é necessário é mais cuidado na aplicação do intelecto. Mas se as falsidades surgem devido ao vício do intelecto, é necessário purificar o intelecto. Isso exige o doloroso processo de remoção daqueles desejos e apegos que são responsáveis por viciar o intelecto.
As falsidades do pensamento viciado provêm de erros na avaliação inicial. Surgem como um subproduto da atividade intelectual, que consiste na busca de determinados valores aceitos. Eles entram em existência como uma parte da racionalização e da justificação dos valores aceitos e devem seu domínio sobre a mente humana à seu aparente suporte dos valores aceitos. Se eles não afetassem os valores humanos ou a sua realização, passariam imediatamente para a insignificância e perderiam seu controle sobre a mente. Quando as falsas crenças derivam seu ser e vitalidade dos desejos profundamente enraizados, elas são alimentadas por falsas buscas. Se o erro nas falsas crenças é puramente intelectual, é fácil de ser corrigido. Mas as falsas crenças que são alimentadas por falsas buscas são as fortalezas de Maya. Elas envolvem muito mais do que o erro intelectual e não são diminuídas através de meras afirmações contrárias de natureza puramente intelectual.
A eliminação de desejos e apegos que viciam o pensamento não é realizada exclusivamente pelo mero intelecto. Isso requer esforço correto e ação correta. Não é através de especulações irrosolutas, mas sim através da execução de coisas que as verdades espirituais devem ser descobertas. A ação honesta é uma ação preliminar à eliminação das falsidades espirituais. A percepção das verdades espirituais exige não apenas pensamentos intensos e furiosos, mas pensamento claro e a verdadeira clareza de pensamento é fruto de uma mente pura e tranquila.
Não até o desaparecimento do último vestígio da falsidade criada por Maya, Deus é conhecido como a Verdade. Somente quando Maya é completamente superada que surge o conhecimento supremo de que Deus é a única Verdade. Só Deus é real. Tudo o que não é Deus, tudo o que é impermanente e finito, tudo o que parece existir dentro do domínio da dualidade, é falso. Deus é uma Realidade infinita una. Todas as divisões que são concebidas dentro desta realidade são falsamente concebidas, pois elas não existem de fato.
Quando Deus é considerado divisível, isso é devido a Maya. O variado mundo da multiplicidade não implica no fracionamento de Deus em várias partes diferentes. Existem diferentes mentes-ego, diferentes corpos, diferentes formas, mas uma só alma. Quando a Alma uma (Deus) assume diversas mentes-ego e corpos, há diferentes almas individualizadas, porém, isso não introduz nenhuma multiplicidade dentro da própria Alma uma. A Alma é e permanece sempre indivisível. A Alma única indivisível é a base das diferentes mentes-ego e dos diferentes corpos, que produzem os pensamentos e as ações de vários tipos e que passam por inúmeros tipos de experiências duais. Mas a Alma é indivisível e permanece sempre além de todo pensamento e ação e além de toda experiência dual.
As diferentes opiniões ou diferentes maneiras de pensar, não introduzem multiplicidade dentro da Alma indivisível pela simples razão de que não existem opiniões ou quaisquer formas de pensar dentro da alma. Toda a atividade do pensamento e as conclusões extraídas deles estão dentro da mente-ego, que é finita. A alma individualizada como Alma não pensa, é apenas a mente-ego que pensa. O pensamento e o conhecimento que vem através do pensamento são possíveis no estado de conhecimento imperfeito e incompleto pertencente à mente-ego finita. Na própria alma individual não há nem pensamento, nem o conhecimento que vem através do pensamento.
A alma individualizada como Alma é o pensamento infinito e a infinita inteligência, não há divisão entre o pensador e o pensamento e as conclusões do pensamento, nem a dualidade do sujeito e do objeto. Somente a mente-ego com o pano de fundo da alma pode se tornar o pensador. A alma individual como Alma, a qual é pensamento infinito e inteligência infinita, não pensa ou tem qualquer atividade do intelecto. O intelecto com o seu pensamento limitado surge apenas com a mente-ego finita. Na completude e suficiência da inteligência infinita, que é Alma una, não há necessidade para o intelecto ou suas atividades.
Com a queda do último vestígio das falsidades criadas por Maya, a alma individual não só conhece a sua realidade como sendo diferente do corpo grosseiro, do sutil, ou do mental, mas conhece a si mesma como sendo Deus, que é a única Realidade. Neste estado a alma sabe que a mente, o corpo sutil e o corpo físico eram todos igualmente criações de sua própria imaginação, e que na realidade nunca existiram. Ela sabe que por ignorância ela concebeu-se como sendo a mente ou o corpo sutil ou corpo físico. A alma individual sabe também que, em certo sentido, ela tornou-se a mente, o corpo sutil e o corpo grosseiro e então indentificou-se com todas essas ilusões auto-criadas.


Parte IV - Deus e Maya





Deus é infinito porque Ele está acima dos opostos limitantes da dualidade. Ele está acima dos aspectos limitados de bom e mau, grande e pequeno, certo e errado, virtude e vício, felicidade e miséria; por isso Ele é infinito. Se Deus fosse bom e não mau ou mau em vez de bom, ou se Ele fosse pequeno e não grande ou grande em vez de pequeno, ou se Ele estivesse certo e não errado ou errado em vez de certo, ou se Ele fosse virtuoso ao invés do malvado ou malvado e não virtuoso, ou se Ele fosse feliz e não infeliz ou infeliz ao invés de feliz, - Ele seria finito e não infinito. Somente por estar acima da dualidade Deus é infinito.
O que quer que seja infinito transcende a dualidade, não pode ser uma parte da dualidade. Aquilo que é verdadeiramente infinito não pode ser a parte dual do finito. Se o infinito é considerado existir lado a lado com o finito ele já não é infinito, pois torna-se então a segunda parte da dualidade. Deus, que é infinito, não pode descender na dualidade. Assim, a aparente existência da dualidade, como o Deus infinito e o mundo finito, é ilusória. Só Deus é real, Ele é infinito, um sem um segundo. A existência do finito é apenas aparente, é falsa, não é real.
Como o falso mundo das coisas finitas veio a existir? Por que ele existe? Ele é criado por Maya, ou o princípio da ignorância. Maya não é ilusão, é a criadora da Ilusão. Maya não é falsa, é aquilo que é criado por Maya que dá falsas impressões. Maya não é irreal, ela é o que faz com que o real pareça irreal e o irreal pareça real. Maya não é dualidade, é o que provoca a dualidade.
Para efeitos de explicação intelectual, no entanto, Maya deve ser encarada como sendo infinita. Ela cria a ilusão de finitude, ainda assim não é em si finita. Todas as ilusões criadas por Maya são finitas e todo o universo da dualidade, que parece existir devido a Maya, também é finito. O universo pode parecer conter inúmeras coisas, mas isso não significa que seja infinito. As estrelas podem ser inúmeras, há um número enorme, mas o conjunto total de estrelas é, contudo, finito. O espaço e o tempo podem parecer infinitamente divisíveis, mas, no entanto, são finitos. Tudo o que é finito e limitado pertence ao mundo da ilusão, embora o princípio que causa esta ilusão das coisas finitas deve, em certo sentido, ser considerado como não sendo uma ilusão.
Maya não pode ser considerada como sendo finita. A coisa torna-se finita ao ser limitada pelo espaço e pelo tempo. Maya não existe no espaço e não pode ser limitada por ele. Maya não pode ser limitada no espaço porque o espaço é em si a criação de Maya. O espaço, com tudo o que ele contém, é uma ilusão e é dependente de Maya. Maya, no entanto, não é de forma nenhuma dependente do espaço. Por isso, não pode ser finita devido a nenhuma limitação de espaço. Maya também não pode ser finita por causa de nenhuma das limitações do tempo. Embora Maya chegue ao fim no estado de superconsciência, não precisa ser considerada finita por esse motivo. Maya não pode ter um começo nem um fim no tempo, porque o próprio tempo é uma criação de Maya. Qualquer visão que torne Maya um acontecimento que tem lugar em algum tempo e desaparece depois de algum tempo coloca Maya no tempo e não o tempo em Maya. O tempo está em Maya; Maya não está no tempo. O tempo, bem como todos os acontecimentos no tempo, são a criação de Maya. Maya não é de forma alguma limitada pelo tempo. O tempo chega à existência por causa de Maya e desaparece quando Maya desaparece. Deus é a Realidade atemporal, portanto, a realização de Deus e o desaparecimento de Maya, é um ato atemporal.
Maya também não pode ser considerada finita por quaisquer outras razões. Se fosse finita, seria uma ilusão e sendo uma ilusão, não teria nenhuma potência para criar outras ilusões. Assim, Maya é melhor considerada como sendo real e infinita, da mesma forma que Deus é geralmente considerado como sendo real e infinito. Entre todas as explicações intelectuais possíveis, a explicação de que Maya, assim como Deus, é real e infinita é mais aceitável para o intelecto do homem. No entanto, Maya não pode ser realmente verdadeira. Onde há dualidade, há finitude em ambos os lados. Uma coisa limita a outra. Não pode haver dois infinitos reais. Pode haver duas entidades enormes, mas não pode haver duas entidades infinitas. Se tivéssemos a dualidade de Deus e Maya e se ambos fossem considerados como existências coordenadas, então, a realidade infinita de Deus poderia ser considerada como a segunda parte de uma dualidade. Portanto, a explicação intelectual de que Maya é real não tem o selo do conhecimento final, embora seja a explicação mais plausível.
Há dificuldades em considerar Maya como ilusória e também como real em última análise. Assim, todas as tentativas do intelecto limitado para entender Maya levam a um impasse. Por um lado, se Maya é considerada como finita, ela própria torna-se ilusória e então não pode dar conta do mundo ilusório das coisas finitas. Assim, Maya tem de ser considerada real e infinita. Por outro lado, se Maya é considerada como sendo essencialmente real, Maya se torna uma segunda parte da dualidade de uma outra realidade infinita, ou seja, Deus. Portanto, deste ponto de vista, Maya parece realmente tornar-se finita e, portanto, irreal. Então, Maya não pode ser real em última análise, embora tenha de ser considerada como tal, a fim de explicarmos o mundo ilusório dos objetos finitos.
De qualquer forma que o intelecto limitado tentar entender Maya, ele ficará aquém da verdadeira compreensão. Não é possível compreender Maya através do intelecto limitado, ela é tão insondável quanto Deus. Deus é insondável, incompreensível, assim também Maya é insondável, incompreensível. Dessa forma, é dito que Maya é a sombra de Deus. Onde uma pessoa está há a sombra dela também. Onde Deus está, há esta Maya inescrutável. Embora Deus e Maya sejam inescrutáveis para o intelecto limitado que opera no domínio da dualidade, eles podem ser perfeitamente entendidos em sua verdadeira natureza com o conhecimento final da Realização. O enigma da existência de Maya nunca pode ser definitivamente resolvido até que ocorra a Realização, quando descobre-se que Maya não existe na realidade.
Há dois estados em que Maya não existe: no estado original inconsciente da Realidade - não há Maya; e no estado Auto-consciente (Consciente do Ser), ou superconsciente, estado de Deus - não há Maya. Ela existe apenas na consciência de Deus do mundo fenomenal da dualidade, ou seja, quando há a consciência do mundo grosseiro ou do mundo sutil ou do mundo mental. Maya existe quando não há Autoconsciência (consciência do Ser), mas somente a consciência dos imaginados outros, e quando a consciência está irremediavelmente dominada pelas falsas categorias da dualidade. Maya só existe a partir do ponto de vista do finito. É apenas como ilusão que Maya existe como uma criadora verdadeira e infinita de coisas irreais e finitas.
Na Verdade final e única da Realização, não existe nada exceto o Deus infinito e eterno. A ilusão das coisas finitas aparecendo como separadas de Deus desapareceu e com ela também desapareceu Maya, a criadora dessa ilusão. O Autoconhecimento vem para a alma ao olhar para dentro, e ao superar Maya. Nesse Autoconhecimento ela não apenas sabe que as diferentes mentes-ego e os diferentes corpos nunca existiram, mas também que todo o universo e Maya mesma nunca existiram como um princípio separado. Seja qual for a realidade que Maya tinha até então é agora engolida pelo Ser indivisível da única Alma. A alma individualizada agora conhece a si mesma como sendo o que ela sempre foi - eternamente Autorealizada, eternamente infinita em conhecimento, graça, força e existência, e eternamente livre da dualidade. Mas essa forma mais elevada de Autoconhecimento é inacessível ao intelecto e é incompreensível, exceto para aqueles que alcançaram o cume da Realização final.