sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Ramesh S. Balsekar - A Consciência, o Único 'Capital'

Nisargadatta Maharaj muitas vezes vem com a declaração de que a consciência é o único 'capital' com o qual um ser senciente nasce. Isso, diz ele, é a posição aparente. A situação real, no entanto, é que o que nasce é a consciência, que precisa de um organismo no qual manifestar-se, e esse organismo é o corpo físico. O que é que dá a senciência — a capacidade de sentir as sensações, de responder aos estímulos — a um ser senciente? O que é isso que distingue uma pessoa que está viva de uma que está morta? É, evidentemente, o sentido de ser (o sentido de existência), o conhecimento de estar presente, a consciência, o espírito vivificante que anima a construção física do corpo.

É a consciência, de fato, que se manifesta em formas individuais e dá-lhes a aparente existência. Nos seres humanos surge o conceito de um "eu" separado, através dessa manifestação. Em cada indivíduo o Absoluto é refletido como essa consciência (awareness), e assim, a pura Consciência (awareness) torna-se a autoconsciência, ou a consciência (consciousness). O universo objetivo é em fluxo contínuo, constantemente projetando e dissolvendo inúmeras formas. Sempre que uma forma é criada e é infundida com vida (Prana), a consciência (Chetana) aparece, simultanea e automaticamente, pelo reflexo da Consciência Absoluta na matéria. A Consciência, e isso deve ser claramente entendido, é um reflexo do Absoluto contra a superfície da matéria, trazendo à tona uma sensação de dualidade. Diferentemente, a pura Consciência (awareness), o estado Absoluto, é sem início e sem fim, não tendo a necessidade de qualquer suporte além de Si mesmo. A Consciência (awareness) se torna a consciência (consciousness) apenas quando tem um objeto contra o qual se refletir. Entre pura Consciência (awareness) e Consciência refletida como consciência (consciousness), diz Maharaj, existe uma lacuna que a mente não pode cruzar. O reflexo do sol em uma gota de orvalho não é o sol! A consciência manifesta é limitada ao tempo, uma vez que desaparece assim que a construção física na qual ela habita chega ao fim. No entanto, de acordo com Maharaj, ela é o único capital com o qual um ser senciente nasce. E sendo a consciência manifesta a sua única ligação com o Absoluto, ela se torna o único instrumento pelo qual o ser senciente pode esperar obter uma libertação ilusória do 'indivíduo' que ele acredita ser. Ao ser um com sua consciência e ao tratá-la como sua Atma, seu Deus, ele pode esperar alcançar aquilo que ele pensa ser o Inatingível. Qual é a substância concreta dessa consciência animadora? Obviamente, ela deve ser um material físico, pois na falta de uma forma física ela não pode sobreviver. A consciência manifesta pode existir somente enquanto sua morada, o corpo, for mantida em uma condição sadia e habitável. Embora a consciência seja um reflexo do Absoluto, ela é limitada ao tempo e pode ser sustentada somente pelo material dos alimentos, composto por cinco elementos, que é o que o corpo físico é. A consciência reside em um corpo saudável e abandona-o quando ele está decadente e moribundo. O reflexo do sol pode ser visto apenas em uma gota de orvalho clara, não em uma enlameada. Maharaj diz frequentemente que podemos observar a natureza e a função da consciência em nossa rotina diária dos estados de sono, sonhos e vigília. No sono profundo a consciência retira-se em um estado de repouso, por assim dizer.
Quando a consciência está ausente, não há para a pessoa nenhum sentido de sua existência ou presença, muito menos a existência do mundo e seus habitantes, ou de qualquer ideia sobre aprisionamento e libertação. Isso é assim porque o próprio conceito de 'eu' está ausente. No estado de sonhos, uma partícula de consciência começa a mover-se — a pessoa ainda não está totalmente acordada — e, então, em uma fração de segundo, nessa partícula de consciência é criado todo um mundo de montanhas e vales, rios e lagos, cidades e vilas com prédios e pessoas de várias idades, incluindo aí o próprio sonhador.

E o que é mais importante: o sonhador não tem controle sobre o que as figuras sonhadas estão fazendo! Em outras palavras, um novo mundo de vida é criado em uma fração de segundo, fabricado a partir de memória e imaginação apenas por um único movimento naquela partícula de consciência. Imagine, portanto, diz Maharaj, o extraordinário poder dessa consciência, da qual uma mera partícula pode conter e projetar um universo inteiro. Quando o sonhador desperta, o mundo de sonhos e as figuras sonhadas desaparecem. O que acontece quando o estado de sono profundo bem como o de sonhos terminam e a consciência aparece novamente? A sensação imediata, em seguida, é de existência e presença, não a presença de 'mim', mas a presença como tal. Logo em seguida, entretanto, a mente assume o controle e cria o "eu" - conceito e consciência do corpo. Maharaj nos diz repetidamente que estamos tão acostumados a pensar em nós mesmos como sendo corpos que têm consciência, que achamos muito difícil aceitar ou mesmo entender a posição real. Na verdade é a consciência que se manifesta em inúmeros organismos.
Portanto, é essencial perceber que o nascimento e morte são apenas o início e o final de uma corrente de movimentos na consciência, interpretados como eventos no espaço-tempo. Se pudermos dar-nos conta disso, poderemos também perceber que em nosso estado Prístino original somos puramente existência-consciência-graça, e quando em contato com a Consciência, somos apenas a testemunha (e totalmente à parte) dos vários movimentos na Consciência. Esse é um fato incontestável, porque, obviamente, não podemos ser o que percebemos; o percebedor tem de ser diferente daquilo que ele percebe.


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A Prova da Verdade

Pode haver alguma prova da Verdade? Maharaj, por vezes, coloca essa questão como que para ele mesmo. Pode a Verdade ser compreendida intelectualmente? Além de um intelecto afiado, diz Maharaj, o aspirante deve ter fé para capacitá-lo a compreender os fundamentos básicos da Verdade. E a fé deve ser do tipo que pode aceitar a palavra do Guru como a própria Verdade de Deus. A fé é o primeiro passo e nenhum progresso adicional é possível a menos que o primeiro passo seja dado. Há pessoas simplórias, que, embora não sejam dotadas de um intelecto afiado, têm fé abundante. Maharaj dá-lhes um Mantra e pede-lhes para cantá-lo e meditar até que sua psique seja purificada o suficiente para receber o conhecimento.
Com os intelectuais Maharaj tem que lidar de forma diferente. O intelectual compreende o que as várias religiões propagam, os códigos éticos e morais que prescrevem, também os conceitos metafísicos que expõem; mas ele continua não iluminado. O que le procura realmente é a Verdade, o fator constante que não está sujeito a qualquer alteração. E, além disso, ele quer provas, mas não é capaz de dizer que tipo de prova poderia satisfazê-lo. A prova como tal seria algo sujeito ao espaço e ao tempo, e o intelectual é inteligente o suficiente para saber disso. A Verdade, para ser Verdade, deve estar além do tempo e do espaço. aharaj diz que qualquer pessoa inteligente deve admitir que o "Eu sou", o sentido de presença consciente, de 'ser', é a única verdade que cada ser senciente conhece e essa é a única 'prova’ que ela pode ter. E ainda, a mera existência não pode ser equiparada com a Verdade pela simples razão de que a própria existência não está além do tempo e do espaço, como está a Realidade.
Maharaj lança em seus discursos luz abundante sobre este impasse. Um cego pode dizer: “prove para mim que existem cores, só então acreditarei em todas suas adoráveis descrições do arco-íris”. Sempre que tais questões são colocadas para Maharaj, ele responde dizendo: “prove para mim que existe algo como Mumbai, Londres ou Nova York!” Em toda parte, diz ele, é a mesma terra, ar, água, fogo e céu. Em outras palavras, não é possível buscar a Verdade como um objeto, nem pode a Verdade ser descrita. Ela só pode ser sugerida ou indicada, mas não expressa em palavras, porque a Verdade não pode ser concebida. Qualquer coisa concebida será um objeto e a Verdade não é um objeto. Como Maharaj coloca: você não pode 'ir às compras' atrás da verdade, como algo que está certificado com autoridade e marcado como 'Verdade'. Qualquer tentativa de encontrar a prova da Verdade envolveria uma divisão da mente em sujeito e objeto, e, assim, a resposta não poderia ser a Verdade, pois não há nada objetivo sobre a Verdade, que basicamente é pura subjetividade (no sentido de ter relação com o sujeito).

Todo o processo, diz Maharaj, é como um cão perseguindo sua própria cauda. Na busca de uma solução para este enigma devemos analisar o problema em si. Quem é que quer a prova da Verdade ou Realidade? Podemos entender claramente o que somos? Toda a existência é objetiva. Todos nós 'existimos' como objetos apenas, como meras aparições na consciência que conhece-nos. Existe realmente uma prova de que 'nós mesmos' (que procuramos a prova da Realidade) existimos, diferentemente de objetos de cognição na mente de outra pessoa? Quando procuramos a prova da Verdade, o que estamos tentando fazer é equivalente a uma sombra que procura a prova da substância! Maharaj, portanto, exorta-nos a ver o falso como falso, e, em seguida, não haverá mais a busca pela Verdade. Você entende o que quero dizer? Ele pergunta. Você não sente intuitivamente qual é a ponto? O que é buscado é o próprio buscador! Pode um olho ver a si próprio? Por favor, entenda, ele diz: sem tempo, sem espaço, não cognoscíveis sensorialmente é o que somos; temporais, finitos e sensorialmente cognoscíveis, é o que parecemos ser como objetos separados. Considere o que você era antes de ter adquirido a forma física. Você precisava de qualquer prova sobre qualquer coisa àquela altura? A questão de ter provas surge apenas na existência relativa e qualquer prova fornecida dentro dos parâmetros da existência relativa só pode ser uma inverdade!

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Nisargadatta Maharaj - Mumbai, três reuniões em 1980



13 de novembro de 1980



Maharaj: A consciência universal penetra e abrange a tudo, não sofrendo nenhuma perda ou ganho como resultado da interação do jogo dos cinco elementos. Entretanto, nesse processo de interação ela se manifesta de uma maneira tangível. [Maharaj pega um vaso de flores de metal e derruba-o no chão, o que provoca um som estridente.] Quando um objeto entrou em contato com o outro, o som que estava latente tornou-se aparente. [Maharaj pega uma toalha e aponta que o fogo está latente na toalha.] O fogo manifesta-se apenas quando há ação na toalha, ou seja, ao coloca-la em contato com uma chama, e como uma reação, o fogo manifesta-se e a toalha queima. A consciência está aí o tempo todo; e a vida irá manifestar-se quando houver uma forma. A consciência entra em ação, isto é, torna-se manifesta, perceptível, do mesmo modo que o som aparece ou o pano pega fogo. E similar ao fato de não haver uma identidade particular para o som ou para o fogo, também não há identidade para a consciência. Devido à ignorância e à identificação com o corpo, você experimenta o prazer e a dor mesmo que a consciência seja universal e somente funcione através do corpo.


Tantas pessoas morreram, tantas pessoas foram assassinadas, mas a consciência sempre permaneceu a mesma. Ela não foi diminuída ou engrandecida de maneira nenhuma, ela não sofreu de forma nenhuma. [Maharaj novamente bate no vaso e aponta que o som simplesmente acontece.] Não há dor ou prazer para o som. Ele apenas manifesta-se, assim também é com a consciência, ela não tem dor ou prazer. Não há perda ou ganho para os cinco elementos. Todas estas calamidades que o homem experimenta não darão prazer ou dor não apenas para os cinco elementos, mas também às várias qualidades (gunas) percebidas pelos sentidos. As cinco qualidades são: toque, forma, cheiro, gosto e som. Agora, qual é significado desse “você” para você? Não se envolva com seus desejos. Para onde você está indo? Pense nestas linhas: os cinco elementos estão atuando e como resultado da interação deles as formas são criadas e essas formas são equipadas com cinco sentidos. A partir dos objetos dos cinco elementos, ou seja, dos alimentos e da vegetação, a forma se molda. Agora, através dessa forma, a consciência novamente manifesta as qualidades (gunas) dos cinco elementos. Pondere sobre isto e descubra: O que é você? E para onde você está indo?
Ao longo de todo esse tempo, milhares de guerras foram lutadas. Qual foi o efeito de tudo isso nos cinco elementos? Esses cinco elementos são percebidos pelos cinco sentidos do corpo. Por causa do desdobramento dos cinco elementos a partir do Mais Elevado, este guna – a consciência – emergiu. Suponha que alguém é assassinado, o que acontece de fato? A consciência que reside no corpo que foi morto caiu em esquecimento e o funcionamento dos cinco sentidos é interrompido. Milhões de pessoas são mortas e se vão; por acaso os cinco sentidos ou a consciência delas vieram até você levantando algum conflito? Com um corpo, cinco sentidos de percepção e cinco membros de ação* são providos. Com a idade, esse corpo deteriora-se e os sentidos e os membros já não operam mais tão eficientemente. Assim, com a falha gradual dos sentidos e dos membros devido à velhice, o guna que é a consciência também começa a diminuir, isto é, sua manifestação como tal enfraquece. Em todas essas funções do corpo, sentidos, membros e consciência, aonde “você” se encaixa com tal? E para onde você vai? Os vários processos e eventos devem-se ao corpo-comida e ao prana; aonde está a sua posição nesse quadro?


Pergunta: A consciência é independente do corpo, isto é, não é afetada por ele?


M: Como poderia ser? Ela é o resultado da essência do corpo-comida e é chamada de sattva-guna. Similarmente, uma criança também é a essência dos corpos dos pais dela. Se uma criança é deformada, isso é devido a alguma inadequação na qualidade do material do corpo-comida. As atividades mundanas e também as espirituais desempenhadas com a mente são meras distrações no estado de ignorância. Elas começaram quando o sentido de ser (beingness) começou a funcionar com o ciclo de vigília e sono.
Se uma pessoa pensa que ao praticar espiritualmente algo pode ser ganho, eu gostaria de conhecer a identidade e o formato de tal pessoa. Os buscadores espirituais, ao invés de investigarem sua própria natureza, a qual é a sua consciência, escavam os livros espirituais em busca de conhecimento.


P: Deveríamos abandonar todos os conceitos e ideias coletados até o momento?


M: Não faça nada desse tipo. Apenas segure-se ao seu sentido de ser (beingness) enquanto você souber que “você é”, esteja apenas neste estado. Não se preocupe a respeito dele ir embora.


P: Devemos manter em mente o sentido de ser? Mas isso significa esforço.


M: Onde está a questão do esforço da sua parte? A consciência espontaneamente veio a ser. A própria consciência é da atenção. Esteja lá, não tente alterar ou modificar nada. Aquilo que “é” está lá e isso é o amor do ser, atma-prem. Se você tira satisfação ao ler e ao seguir os chamados caminhos espirituais e disciplinas tradicionais, faça isso, sem dúvida.


P: Mas Maharaj diz que devemos alcançar um destino.


M: Onde está a questão de prosseguir para um destino e “quem” é que vai prosseguir? [Maharaj bate num metal] Tome este som, para onde ele vai? Um jnani (sábio) está totalmente fora de todos os conceitos. Neste ponto não há nada.


P: Ontem você falou sobre o guru o sobre os pés do guru.


M: Sim, eu falei. Os pés do guru significa o aparecimento espontâneo da consciência quando você sabe que “você é”. Tudo reside neste conhecimento “eu sou” e ele é ilimitado e permeia a tudo. Isso representa os sagrados pés do sat-guru.


P: Não quero de maneira nenhuma ofendê-lo quando faço uma pergunta tola. Por que existem tantas fotografias nestas paredes? Sinto que isso vai numa direção contrária ao seu ensinamento.


M: São lembranças do período de ignorância. Para dissipar a ignorância tais auxílios são necessários. Quando o propósito é servido, não são mais requeridos. Este corpo que eu uso é também um resultado do estágio ignorante, mas ainda está sendo usado embora eu tenha transcendido o estágio de ignorância. Portanto, deixe os retratos decorarem a parede, não há nenhum mal nisso. Em vez de mudar as coisas no externo, por que não trazer uma mudança interna ao remover suas identidades errôneas?
Você fala como se você tivesse sabedoria, mas que conhecimento você tem na verdade? Seu capital presente é o ciclo de vigília, sono profundo e o conhecimento “eu sou”. O que mais você adquiriu? Esse ciclo apareceu por si mesmo sem que você o solicitasse; todo o resto você aprendeu e adquiriu posteriormente. Todas as pessoas que vêm aqui são como uma criança ignorante, a despeito de qualquer suposto conhecimento que elas tenham adquirido de fora.


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29 de março de 1980



Maharaj: Uma vez que o corpo chega ao fim, ele mistura-se com os cinco elementos, a respiração vital mistura-se com o ar e a consciência mistura-se com a consciência universal. Dessa forma, a consciência que estava sujeita aos três gunas no corpo torna-se livre deles, torna-se Nirguna (sem qualidade). A ideia de renascimento é um conceito, pois para algo renascer algo deve morrer. O que é morto: Nada é morto. Quem vai renascer: Ninguém nasceu. Qualquer que seja a educação que você recebeu, ela baseou-se no corpo-mente, assim, quaisquer conceitos que você tenha permanecerão apenas conceitos. Contudo, uma vez que o corpo misturar-se aos cinco elementos, a respiração misturar-se com o ar e a consciência tornar-se a consciência universal, os conceitos não terão uma base, não terão suporte. Desse modo, para onde irão?
A consciência universal não vem de nenhum lugar, ela é universal. Ela existe de forma latente na totalidade dos alimentos. Ela não vem de parte alguma, ela já está latente, e, assim que uma forma é criada, automaticamente a força da vida e a consciência são exibidas nela simultaneamente.
Numa semente infinitesimal a árvore inteira já está presente num estado latente, no devido tempo ela crescerá e proliferará. Essa semente, essa química, esse sentido de ser, contém o seu universo inteiro. Faça perguntas a partir desse seu sentido de ser e não a partir do que você ouviu ou coletou. O sentido de ser tem suas próprias qualidades latentes para serem manifestadas nesta manifestação. Como ele comporta-se no mundo? Através de propriedades mecânicas; ele tem sua própria maneira mecânica de como irá atuar no mundo. Essas propriedades estão latentes no princípio químico. Pegue um verme ou um inseto ou um rato: eles fazem suas próprias tocas para viver. Similarmente, os seres humanos trabalham de sua própria maneira. De onde isso surge? Isso surge de seu próprio sentido de ser.


Pergunta: Mas existe apenas um sentido de ser, não existem diversos seres (selves) individuais.


M: Assim como o espaço é apenas um, o ar é um, o fogo é um, similarmente, a consciência também é uma. Este é o resultado da integração combinada dos cinco elementos. Portanto, o sentido de ser é um produto da essência da comida proveniente do fluxo dos cinco elementos.
No momento da concepção esse princípio do sentido do ser – esta química – tira uma fotografia da situação ali presente. Essa emulsão química que está no filme fotográfico recebe as impressões. Esse princípio, inconscientemente tirou uma fotografia. Naquele estágio ele não tem nenhuma inteligência; então, o princípio torna-se maduro o suficiente e atinge seu próprio propósito, o propósito do feto. Qual é o propósito? Conhecer a si mesmo como o “eu sou”. Isso se manifesta no devido tempo na criança.
Estou lhe contado a sua verdadeira natureza – você é Nirguna, como o Senhor Krishna. O Senhor Krishna era o princípio não-nascido, Nirguna, assim como você o é.
Essa consciência universal a cada momento dá a luz a tantas formas, insetos, animais, seres humanos, a todas as espécies; e as pessoas nos falam que nós tivemos muitos nascimentos. Você se lembra de todos esses nascimentos? Intencionalmente não tenho conhecimento nenhum do meu nascimento, mas eu sou acusado de ter nascido. Na verdade você aceita esses conceitos porque você tem medo da morte.
Aquele que se livrou de ir e vir, e que finalmente se livrou de seu próprio conceito “eu sou”, é completamente liberado.
Na Índia, a prática principal é recitar o nome sagrado de Deus. Sem nome ou título você não pode progredir no mundo. É lhe dado um certo título ou nome para Deus e esse nome torna-se seu. Quando você recita o nome, ele irá se proliferar e dar todo o conhecimento a você. O conhecimento é a sua própria natureza verdadeira. Essa recitação não deveria ser abandonada; o corpo vivendo ou morrendo, você deveria recitar continuamente esse nome. Mesmo se uma pessoa estúpida recita o nome sagrado, a natureza sagrada dela irá se abrir. Então quando tal coisa acontecer, as pessoas irão se agrupar ao redor dela para oferecer reverência.
Na Índia essa recitação do nome sagrado é muito importante, mas em países estrangeiros a ênfase é colocada no intelecto, com o resultado que esses estrangeiros são muito eficientes na sua vida mundana. Essa recitação do sagrado nama-mantra é uma tradição da minha linhagem a Navanath Sampradaya. Esses grandiosos sábios dessa tradição não eram instruídos, eram pessoas bem ingênuas e simples; no entanto eles atingiram o mais elevado.
Muitas pessoas depois de lerem o ‘I Am That’ visitam o meu local, mas quando eu estou entre as pessoas elas não conseguem me localizar, pois eu não tenho uma personalidade esplendorosa e maravilhosa. Por fim, quando sento naquele assento mais elevado, eles pensam: “Ah, esse deve ser o cara.” Mas à primeira vista eles olham para mim e passam por mim sem me notar.



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14 de abril de 1980



Maharaj: Enquanto você estiver interessado neste mundo manifesto, você não terá tempo para chegar à raiz. A raiz é esta consciência que apareceu quando você era criança. A raiz de todas as atividades que você está fazendo agora é aquele momento quando você era criança. Naquela criança, a qualidade mais importante - a química, a consciência - tirou a fotografia. A partir daquele momento você começou a reunir conhecimentos e com base nisso suas atividades presentes estão acontecendo. As pessoas estão tão interessadas em minhas palavras que ninguém realmente tenta descobrir o que essa consciência-criança é. Somente quando você se estabiliza na consciência, você pode conhecer essa consciência-criança. Essa é a única forma.


Pergunta: Essa consciência-criança implica um retrocesso em comparação com a consciência do homem. Uma vez que nesse estado não há nenhuma consideração de consciência de criança ou de homem, havendo apenas o Ser – isso não dá nenhuma nova direção.


M: Não há nenhuma diferença na consciência da criança e na consciência do homem.


P: Se o espaço que preenche o pote pequeno é o mesmo que preenche o pote grande, como reconhecemos o pote pequeno?


M: A semente do universo é adimensional, mas por causa do corpo, a consciência aparece e se identifica com o corpo, mas na verdade tudo é a consciência manifesta todo-penetrante. Aquele "eu amo" é manifesto. Para o universo não existe a questão de lucro ou perda, somente quando a identificação com o corpo está presente é que a questão aparece.
Quando você come alimentos, quem está comendo? O sentido de eu sou (I Amness). A comida também contém o "I Amness", portanto, quando você consume-a você retém o "I Amness" dela. Embora o "I Amness" esteja no alimento, ninguém se identifica com a comida, as pessoas dizem: “este é o meu almoço; eu não sou isto”, mas quando ela é consumida e se torna parte do corpo elas dizem: “eu sou o corpo”, elas cometem esse erro.


P: Eu desejo estar no estado de um Jnani.


M: Você deve conhecer aquele conhecimento “eu sou”. O Jnani e o conhecimento são um.


P: Apenas ao sermos obtemos esse conhecimento?


M: Você já é isso, mas você deve tentar entender a si mesmo.


P: Você compreende isso através da própria essência do seu ser, desse modo não há nenhum conhecimento envolvido.


M: Atualmente você está identificando-se com o corpo, assim, você não conhece esse segredo. Você virá a conhecer gradualmente, quando você realmente se tornar isso.


P: Se há apenas a sentido de ser no "eu sou", onde os conceitos entram?


M: Por causa da respiração vital, o fluxo de mente está acontecendo. A mente significa palavras,


portanto, os pensamentos estão aí - eles são os conceitos. Olhe para a sua raiz, a consciência-criança e coloque um fim nisso.


P: A dificuldade reside no fato de que toda consciência é idêntica, como, então, chegar à raiz?


M: Essa consciência é uma árvore, mas houve uma semente - vá para a semente. A consciência que você tem agora é a mesma que a consciência da criança; mantenha-se nela, isso é o suficiente. Enquanto a consciência está aí tudo é tão importante para você, mas se ela desaparece, então qual é o valor de todo o mundo para você? Quem é o conhecedor da semente? Dê atenção a como este sentido de eu sou apareceu - então você saberá. Aceite essa identificação apenas: que você é este puro sentido de ser manifesto, a própria alma do universo, desta vida que você observa. E atualmente você está apenas vestindo este traje corporal. Tome nota disso; você já experimentou tantas coisas na vida apenas para se divertir, por que você não experimenta isso também e veja o que acontece? Veja o que acontece quando você olha para a lua e sabe que a lua está lá contanto que você esteja lá; porque você é, a lua é. Este grande conceito, essa alegria, você experimenta de maneira direta e desfruta dele.


P: Deve haver algum poder que é responsável por esta criação.


M: O poder é o Ser que cada um tem em sua essência, em seu sentido de ser – esse poder é limitado ao tempo. Desde o momento que esse sentido de ser chega ele cria, automaticamente, até que ele desaparece. Antes não havia nada - depois não há nada. É só durante a vigência do sentido de ser (beingness) que o mundo e a criação são. Este poder é a fé no conceito primordial "Eu sou", e esse é o conceito que tece a teia da criação. A manifestação inteira é uma aparição neste conceito.

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

G.I. Gurdjieff - Paris, três reuniões em 1943





25 de setembro de 1943



S.: Não consigo ter emoção quando concentro. Posso deixar minha mente livre, mas não tenho sucesso em sentir uma emoção forte. Tenho a impressão de me defrontar com uma barreira e não consigo avançar.


Gurdjieff: Você cai logo no começo por causa de uma coisa pequena. Com a cabeça ninguém jamais pode ter uma emoção. A cabeça é uma coisa. A emoção é uma função do corpo. Com a cabeça podemos apenas constatar, não podemos sentir. Estou sentado, tenho uma dor, aqui estou quente, ali frio. Eu observo isso com minha cabeça e sinto isso com meu plexo solar. Eu sinto que aqui estou quente e ali estou frio. E constato isso com minha cabeça. Se eu concentrar-me de maneira especial, posso constatar isso. Mas fico identificado se penso que posso fazer mais do que isso. Eu constato que aqui estou de um jeito, ali de outro e como um todo de outro jeito. Você nunca nota nada com a sua cabeça. Sua cabeça é capaz de constatar, apenas se você colocar atenção em algo. É apenas com uma atenção especial que a cabeça pode constatar. A cabeça é como um aparato, ela faz o papel do policial. Mas o centro de gravidade da sua presença está no plexo solar, o qual é o centro do sentimento. Ali é onde as coisas acontecem. A cabeça é como um datilógrafo. Você entende o que estou falando? Sua pergunta prova que você não trabalha da maneira como acabo de falar; é necessário encontrar uma maneira de trabalhar dessa forma. Não com a sua cabeça. Sua cabeça pode apenas constatar, não pode de maneira nenhuma trabalhar. Você deve trabalhar com sua sensação e com o seu sentimento. Quanto à cabeça, ela pode ver se eles estão juntos ou separados. A cabeça não é uma parte do organismo, ela é separada do organismo. O corpo pode morrer, a cabeça também. Mas a cabeça pode morrer e o resto seguir vivendo. A cabeça não é nada, é uma função, um datilógrafo, um aparato. Quando você concentra a sua atenção na cabeça, você pode constatar o que se sucede em você. Mas a cabeça não é nada, ela é um estranho no organismo. Ela (a pessoa que perguntou) quer sentir com a cabeça. Nunca ela poderá fazer isso. A cabeça é estrangeira ao corpo. A cabeça pode fazer o papel de policial, mas apenas de policial, que observa como tudo acontece, como um vigia. Ela observa como as funções de sua presença estão trabalhando. Você compreende?


S.: Sim.


Gurdjieff: Você estende a razão de você estar nessa situação e o que você deve fazer?


S.: Você poderia dar-me uma tarefa? Já tentei várias e nenhuma delas se adequou a mim; não sei qual escolher.


Gurdjieff: Olhe, eu assumo uma postura incomum, uma postura que é difícil para o meu corpo porque não estou acostumado com ela. Em mim, minhas funções estão operando, meus dois centros - do sentimento e da sensação. E tenho a sensação do desconforto de minha postura e eu sinto a estranheza disso. Pois não estou habituado a ela. Com minha cabeça eu olho para ver o que é isso. Eu estudo. ‘Ah, sim! É dessa forma. E aqui, é assim.’ É assim que você deve fazer. É algo simples. Você mantém os três centros separados em você. Você entende essa coisa muito simples? É uma postura desconfortável. Eu posso até cair. Eu olho: tenho a sensação: tenho o sentimento disso. `Ah! Sim – é assim’. Eu observo. Com minha cabeça eu coleto material, eu comparo. Com minha cabeça, com minha lógica, encontro as razões: por que, como. Pelo outro lado, tenho a sensação, pelo outro, o sentimento daquilo. E dessa maneira, você vê, os três centros estão ocupados com esse trabalho. Você separa seus três centros. Eu aconselho que você faça isso por enquanto. Quando tiver chegado a conhecer os seus centros, então usaremos outro exercício. Aconselho que use essa postura como um exemplo. Você pode assumir outra postura, qualquer postura desconfortável. É uma coisa muito simples e muito boa. É um exercício bom para vocês também. Até o momento vocês ainda não separaram seus três centros. Em muitas coisas vocês já avançaram, mas no que diz respeito a essa simples coisa, vocês são estranhos. Cada homem deve reconhecer em si mesmo três qualidades de sensação. Em cada pessoa existem três centros, três diretores. E esses três diretores podem gerar um quarto, o qual pode ser o “Eu”.


B.: Gostaria de fazer uma pergunta sobre concentração. Quando quero coletar-me e fixo minha atenção em um ponto, meu pensar parece vazio. Em vez de ficar concentrado, fica vazio. É quieto, mas é vazio e essa quietude não exclui as associações. Por outro lado, quando me apego a um objeto externo, meu pensar não fica parado, mas parece-me muito mais concentrado, não tenho associações. Meu pensar nunca fica fixo, mas parece muito mais concentrado do que quando minha concentração é intencional. A cessação dos pensamentos que eu chego parece-me oposta à verdadeira concentração.


(Enquanto Madame de Salzmann está traduzindo, B. explica para A. sua pergunta)


Gurdjieff [dirigindo-se a A.]: O que ele está lhe falando me interessa muito. Como você explica a questão dele?


A.: Quando B. tenta se concentrar, seus pensamentos se aglutinam.


Gurdjieff: Não, não fale assim. Vou dar uma explicação para ele que também será muito boa para você e que irá ajuda-lo muito. Posso falar agora. Tente entender. Para começar, o segredo é o “eu sou”. Você começa assim. Agora, eu sinto o “eu”. Mas como sinto o “eu”? O que é o “eu”? Eu sinto este local (o alto do braço) e este (o plexo solar). Tente isso agora. E ao mesmo tempo, eu constato com a minha cabeça. Faça isso. Irá fazê-lo compreender. Eu tenho a sensação e o sentimento dessas duas partes (O alto do braço e o plexo solar) e ao mesmo tempo, com minha cabeça, eu constato o que está se sucedendo. Se fizer isso, você entenderá o que tem faltado em você até agora. É muito simples. Depois, quando tiver sentido isso com uma parte de sua atenção e com sua cabeça, você conseguirá viajar em você mesmo, livremente. As associações são outra coisa. Deixe-as sozinhas; elas são coisas baratas, coisas pequenas. Sou maior que minhas associações. Quem tiver constatado algo novo, fale. Algo que não tiver compreendido ou talvez algo de bom que tenha constatado para si.


(S. faz um sinal de que não)


Gurdjieff: Ninguém descobriu a América?


T.: Não, ainda não.


Gurdjieff: Loira, e você?


F.: Essa concentração real vem apenas com a função da sensação.


Gurdjieff [para A.]: Você entendeu?


A.: A sensação, sim, mas não entendo o sentimento do corpo.


Gurdjieff: O tempo todo você sente isto (ele mostra o alto do braço e o plexo solar) e você observa com sua cabeça. Você faz essas três coisas o tempo todo.


A.: Percebo que isso aumenta a sensação de presença.


Gurdjieff: Graças a esse exercício você aumentará seu poder de concentração. Ele foi criado para isso. Agora explique para ele (para B.), fale que ele deve fazer esse exercício. Através dele ele poderá chegar à sensação. Hoje ele não está apto a isso. Esse exercício o ajudará.


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11 de março de 1943



Lanctin: Não consigo parar as associações enquanto faço o trabalho.


Gurdjieff: É necessário preparar antes do exercício de tentar ver com três partes.


Aboulker: No início quando comecei no trabalho, eu sentia em mim uma emoção. Agora não consigo mais encontrar isso. Tenho uma constante sensação de secura. Ontem esse sentimento mais quente voltou, porém com uma intensidade muito menor.


Gurdjieff: Isso é sinal de uma crise. É porque você chegou no Mi*. Você deve passar esse intervalo por si mesmo e encontrar em si mesmo a força necessária. A sua cabeça, que é como se fosse separada de você, deve ajuda-lo.


Lanctin: Como?


Gurdjieff: Ela deve convencê-lo. Ela deve fazê-lo ver o ontem e o amanhã.


Lanctin: Mas minha cabeça é fraca.


Gurdjieff: Sim, mas sem sua cabeça você também seria fraco. É necessário usá-la dessa maneira.


Simone: Algum tempo atrás, comecei a ler novamente, mas percebo em mim algo que sempre me impede de trabalhar, um tipo de avidez que me deixa cansada ao final de um curto período e faz com que eu não retenha nada. Meu tempo é perdido.


Gurdjieff: É porque você lê apenas com a sua cabeça. Faça um exercício: Leia apenas um pouco – uma página por vez. Primeiro você deve tentar entender com a sua cabeça, depois deve tentar sentir e depois experimentar. E depois voltar e pensar. Exercite-se a ler com seus três centros. Em cada livro há material para enriquecer a pessoa. Não importa o que você lê e a quantidade, mas sim a qualidade da maneira da leitura.


Pauline: Depois de ter recebido um choque, vi realmente o que minha vida tem sido – vazia, estéril e inútil. E eu não quero perder essa visão, esse sentimento. Caso contrário, sinto que cairei novamente e perderei minha vida outra vez.


Gurdjieff: Fenômenos cósmicos pelos quais você não é responsável vão contra o seu trabalho. Você pode apenas dar a sua palavra de que quando a vida se aquietar você se porá a trabalhar.


Mechin: Sinto que meu centro intelectual está diferente e que não encontro em mim mesmo nenhuma força afirmativa. O que posso fazer?


Gurdjieff: Há um pequeno segredo aí. É que você é um grande egoísta. Você sabe apenas de si mesmo. Você não tem responsabilidade. É por causa disso que você carece dessa força afirmativa. Por tudo o que você tem, tudo que o constitui, você está sob obrigação e você deve ressarcir e pagar por tudo isso, para que então outras coisas possam lhe ser dadas. Mas em vez disso, você fica surpreso de não ter recebido ainda mais.


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8 de abril de 1943



Lebeau: Podemos fazer o trabalho no banho turco? E o que é melhor fazermos?


Gurdjieff: O “hammam” é um excelente lugar para trabalhar se a pessoa consegue fazê-lo. (Particularmente quando estamos na sala mais quente ou nas mãos do massagista.) Lembre-se de si sem cessar. Até mesmo faça exercícios lá. Para conseguir fazer o trabalho lá, dê a sua palavra antes de ir. Pense enquanto estiver lá. Coloque uma tarefa para si mesmo, pois no início é difícil. Entretanto, se a pessoa consegue, é possível fazer um excelente trabalho lá. O animalismo se expande, a pessoa fica completamente dentro de suas sensações corporais agradáveis e trabalhar assim oferece dificuldades.


Philippe: Como podemos entender a frase: “sacrifique o seu sofrimento”?


Gurdjieff: Primeiramente, de onde vêm essas palavras?


[De uma conversa com o Sr. Gurdjieff.]


Sacrifique o seu sofrimento pelo seus semelhantes, seu sofrimento voluntário, não para si mesmo, para os outros. Essa regra costumava fazer parte de um juramento pronunciado no passado por doutores quando eles eram iniciados como astrólogos e um longo tempo atrás quando tinham que prometer sacrificarem seu sono, sua fadiga, seu sofrimento, pelos outros.


Philippe: Por que a maior parte do sofrimento humano gira em torno do amor e das coisas do sexo?


Gurdjieff: Por que essa pergunta? Ela não diz respeito pessoalmente a você. Pergunte de outra maneira.


Philippe: Por que a maior parte das associações que interferem no trabalho são associações sexuais?


Gurdjieff: Essa questão é subjetiva. Não se aplica a todos os homens. É uma anormalidade resultante da masturbação infantil. Mas qual é a conexão disso com o sofrimento? Não há nenhum traço de sofrimento aqui.


Cada homem tem em si três excrementos que se elaboram nele mesmo e que devem ser expelidos. O primeiro é o resultado da alimentação comum e ele elimina-se naturalmente; e isso deve acontecer a cada dia, caso contrário todo tipo de doenças aparecem. (Os médicos sabem bem disso). Pelo mesmo motivo que você vai ao banheiro para essa manutenção, você deve ir ao banheiro para o segundo excremento que é rejeitado de você pela função sexual. É necessário para a saúde e para o equilíbrio do corpo; e certamente é necessário em alguns casos fazer isso a cada dia, em outros a cada semana, em outros a cada mês ou a cada seis meses. É subjetivo. Para isso você deve escolher um banheiro apropriado. Um que seja bom para você. Um terceiro excremento é formado na cabeça; esse é o lixo do alimento das impressões e as sobras acumulam-se no cérebro. (Os médicos ignoram esse excremento, assim como ignoram o importante papel do apêndice na digestão e desprezam-no considerando-o desnecessário).


Não é necessário misturar os atos do sexo com o sentimento. Às vezes é anormal fazê-los coincidir. O ato sexual é uma função, podemos considera-lo como algo externo a nós mesmos, enquanto o amor é interno. O amor é amor. Ele não precisa do sexo. Pode ser sentido por uma pessoa do mesmo sexo, até por um animal e a função sexual não se mistura aí. Às vezes é normal uni-los, isso corresponde a um dos aspectos do amor. É mais fácil amar dessa maneira. Mas ao mesmo tempo, assim é mais difícil permanecer imparcial, como demanda o amor. Da mesma forma, se a pessoa considera a função sexual como necessária medicamente, por que ela amaria um remédio? O ato sexual originalmente deve ter sido realizado apenas para o propósito da reprodução das espécies, mas pouco a pouco os homens transformaram-no num meio de prazer. Deveria ser um ato sagrado. Devemos saber que essa semente divina, o Esperma, tem uma outra função: a da construção de um segundo corpo em nós, daí vem a sentença: “Feliz é aquele que compreende a função do ‘exiohary’** para a transformação de seu ser. Infeliz daquele que usa-o de uma maneira unilateral”.


Aboulker: Por que as religiões proíbem o ato sexual?


Gurdjieff: Porque originalmente conhecíamos o uso dessa substância, daí vem a castidade dos monges. Agora nós esquecemos esse conhecimento e apenas a proibição permanece, o que atrai para os monges quantidades de desordens e doenças específicas. Observe os padres que ficam “gordos como porcos”** (a preocupação com comer domina-os), ou que ficam “magros como o diabo”** (e tem internamente pouquíssimo amor por seus semelhantes), os gordos são menos perigosos e mais gentis.


* referência à lei das oitavas (a lei de sete), o intervalo entre a nota Mi e a nota Fá. Pesquizar no blog para a melhor compreensão.


** citação do livro 'Relatos de Belzebu a seu neto' ( altamente recomendado).

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Hazrat Inayat Khan - Alguns Aforismos


O amor produz harmonia e a harmonia cria beleza. Portanto, o principal lema da vida é: “Amor, harmonia e beleza”. Ame em todas as coisas e em todos os seres o Deus amado, esteja em harmonia com todas as coisas com a compreensão correta e embeleze a sua vida ao observar a beleza dentro e fora. Através do amor, da harmonia e da beleza você deve transformar a totalidade da vida em uma única visão da glória divina.


A vida é uma sinfonia e a ação de cada pessoa nesta vida é a execução do seu trecho particular na música.



A melhor moral é aprender de tudo aquilo que soa desarmonioso a nós de modo que não utilizemos isso com os outros e que usemos o que soa harmonioso a nós com os outros. É assim que os ouvidos deveriam ser treinados.


Quanto mais avançamos, mais difícil e mais importante se torna a parte que executamos na sinfonia da vida; e quanto mais conscientes nos tornamos dessa responsabilidade, mais eficientes ficamos em cumprir nossa tarefa.


Uma vez que uma alma despertou para a contínua música da vida, essa alma considera como sua responsabilidade, como seu dever, desempenhar a sua parte na vida externa, mesmo que isso seja contrário à sua condição interna naquele momento.


O segredo de buscar a vontade de Deus reside em cultivar a faculdade do sentido de harmonia, pois harmonia é beleza e beleza é harmonia. O amante da beleza e seu progresso ulterior torna-se um buscador de harmonia e ao tentar sempre manter a harmonia ele irá sintonizar seu coração à vontade de Deus.


Não há nada neste mundo que não fale. Cada coisa e cada ser estão continuamente falando a sua natureza, o seu caráter, o seu segredo; quanto mais o sentido interno estiver aberto, mais capaz de ouvir a voz de todas as coisas ele será.


Se a alma estivesse desperta para sentir o que os pássaros sentem quando cantam na floresta ao amanhecer, o homem saberia que a prece deles é ainda mais exaltadora do que a sua, pois ela é mais natural.


Não há nada no mundo que não seja um instrumento de Deus.


O som é o sinal da vida; nos templos dos deuses e deusas Hindus, os sinos soando mostram vida mesmo no silêncio.


O som está oculto sob as palavras e as palavras ocultas sob os sons. Quando percebemos as palavras, não percebemos o som que está por trás e quando percebemos o som, não percebemos as palavras por trás. Quando o poeta percebe palavras, o músico percebe o som por trás. O místico percebe até mesmo nesse som a 'Palavra que era Deus'.


O tom continua, o tempo expira.


O tom vive no tempo, o tempo assimila o tom.


Deus não está no tempo. Desse modo, Ele está no silêncio. O som é parte do mundo do tempo.


O ritmo não pode existir sem o tom, nem o tom sem o ritmo. Eles são interdependentes para a sua existência e o mesmo se aplica ao tempo e o espaço.


O barulho vem da inquietude e a inquietude é o ritmo destrutivo.


A atmosfera do homem explica a condição de sua alma.


Quanto mais avançamos, mais nossas disputas e discussões cessam. Elas vão sumindo até que não sobre nenhuma cor nelas e quando a cor toda se vai, a luz clara vem, a qual é a luz de Deus.


Nirvana significa sem cor. O que é cor? Certo e errado, pecado e virtude – tudo isso é cor; mas no reino da verdade eles desaparecem, da mesma forma que todas as cores somem no resplendor da luz. Aquele que percebeu isso entrou no nirvana.


Um Sufi deve sempre reconhecer em Deus a fonte de todas as coisas e a origem de todos os seres.


Um Sufi deve observar no contínuo desdobramento do espirito o nascimento da alma.