domingo, 31 de julho de 2011

Hafiz - Seleção de Poemas


Abandone o que é familiar por um tempo.
Deixe seus sentidos e seus corpos se estenderem
como uma estação bem vinda aos prados, costas e colinas.
 
Vá para o telhado.
Faça uma nova marca d'água em seu amor e entusiasmo.
Como uma flor noturna desabrochando,
conceda a vital fragrância de sua felicidade
e lance-a sobre nossa assembléia íntima.
 
Mude os ambientes em sua mente por um dia.
Todos os hemisférios na existência
ficam do lado de um equador em seu coração.
Saúde-se em suas mil outras formas
conforme você cavalga a maré oculta
viajando de volta para casa.

Todos os hemisférios do céu estão sentados ao redor de uma fogueira
conversando enquanto costuram a si mesmos
em um Grande Círculo dentro de Você.

______________

Sejamos como duas estrelas cadentes no céu diurno.
Que ninguém saiba de nossa beleza sublime
enquanto estivermos de mãos dadas com Deus
e queimarmos em uma sagrada existência desafiadora ...
- Isso ultrapassa qualquer descrição
de êxtase e amor.
_________

O céu é um oceano azul suspenso.
As estrelas são os peixes que nadam.
Os planetas são as baleias brancas
com quem pego carona às vezes,
e o sol e toda a luz fundiram-se para sempre
em meu coração e em minha pele.

Existe apenas uma regra neste louco parque de diverções,
pois em todo sinal que Hafiz vê, lê-se o mesmo:

Todos dizem:

"Divirta-se, querido, divirta-se, no Jogo Divino do Amado,
no maravilhoso jogo do Amado."

____

Não quero ser o único aqui a contar todos os segredos,
a encher todas as taças nesta festa,
a dar todas as risadas.
 
Gostaria que você começasse a colocar coisas na mesa
que também possam alimentar a alma da maneira como faço.
Dessa forma, poderemos convidar muito mais amigos.
_____

O homem pequeno constrói gaiolas para todos que conhece.
Enquanto o sábio, que tem de desviar a cabeça quando a lua está baixa,
continua deixando caírem as chaves a noite toda
para os lindos prisioneiros barulhentos.
______

Você deveria chegar perto de mim esta noite viajante,
pois estarei celebrando você.
Sua beleza ainda me causa loucura,
continua a fazer os vizinhos reclamarem
quando começo a gritar no meio da noite
por não poder suportar toda esta alegria.
 
Estarei dando a luz a sóis.
Estarei segurando florestas de cabeça para baixo
suavemente chacoalhando afáveis animais
de árvores e tocas para o meu colo.
 
O que você concebe como imaginação não existe para mim.
Todas as coisas que você pode fazer num sonho ou em sua tela mental
minhas mãos podem puxar - vivas - do bolso de meu casaco.
Mas não vamos falar sobre o meu mundo divino.



Pois o que mais quero saber hoje é:



tudo sobre você.
_____



Plante, para que seu coração possa crescer.


Ame, para que Deus possa pensar:



"Ahhhhhh, sinto-me em casa naquele corpo!
Eu deveria começar a convidar mais
aquela alma para um café e para passear".


Cante, pois esse é um alimento que nosso mundo faminto necessita.


Ria, pois esse é o som mais puro.
_____

Ó tolo, faça alguma coisa,
para que você não fique aí parecendo estúpido.


Se você não está viajando e não está na estrada,
como pode chamar-se de guia?


Na escola da verdade,
a pessoa senta-se aos pés do Mestre do Amor.


Então ouça, meu filho,
para que um dia você possa ser um velho pai, também!
Todo esse comer e dormir tornou-lhe ignorante e gordo;
porém, ao negar comida e sono para si mesmo,
você ainda pode ter uma chance.


Saiba disto:
Se Deus replandecesse Sua luz amorosa em seu coração,
juro que você brilharia mais claro do que uma dúzia de sóis.


E digo:
lave o cobre manchado de sua vida de suas mãos.
Para ser alquimista do Amor você deve estar trabalhando com ouro.

Não fique aí sentado pensando, saia e mergulhe no mar de Deus.
Ter apenas um fio de cabelo molhado com água
não vai colocar o conhecimento nessa cabeça.


Para aqueles que vêem apenas a Deus,
nenhuma dúvida permanece, sua visão é pura.
Mesmo que o nosso mundo seja virado de cabeça para baixo
e soprado pelo vento, se você não tiver dúvidas, não perderá nada.
 
Ó Hafiz, se é a união com o Amado que você procura,
Seja a poeira na porta do Sábio e fale!
________

Beba do grande jarro o vinho da Unidade,
para que você possa lavar a inutilidade
do sofrimento da vida do seu coração.


Mas assim como esse grande jarro,
mantenha o coração ainda mais expansivo.
Por que você quer manter o coração cativo,
como uma garrafa de vinho fechada?


Com sua boca cheia de vinho você é altruísta
e nunca irá se orgulhar de suas próprias habilidades novamente.
Seja como a pedra humilde que está a seus pés,
em vez de lutar para ser como uma nuvem sublime:
quanto mais você misturar cores do engano,
mais incolor e esfarrapado seu casaco molhado ficará.


Conecte o coração ao vinho para que ele ganhe corpo,
então, corte o pescoço da hipocrisia e da piedade deste novo homem.


Seja como Hafiz:
Levante-se e faça um esforço.
Não deite por aí como um vagabundo.

Aquele que se lança aos pés do Amado
é como um cavalo de carga e ele será recompensado
com pastagens sem limites e com eterno repouso.
_________

Eu sei como você pode ficar quando você não bebe do Amor:
Seu rosto pode endurecer, seus doces músculos ficam com cãibras.
As crianças mostram-se preocupadas com um olhar estranho
que aparece em seus olhos,
e que começa a preocupar até o seu próprio espelho e nariz.
 
Esquilos e pássaros sentem a sua tristeza
e convocam uma importante conferência numa árvore alta.
Eles decidem qual código secreto cantar para ajudar a sua mente e alma.

Até mesmo os anjos temem aquela marca de loucura
que dispõe-se contra o mundo e joga lanças e pedras afiadas
em inocentes e em você mesmo.

Ó, eu sei como você pode ficar quando você fica sem beber Amor:
você poderia pegar cada frase que seus amigos e professores dissessem,
procurando por cláusulas ocultas.
Pode pesar cada palavra em uma balança, como um peixe morto.
Pode tirar uma régua para medir de cada ângulo em sua escuridão
as lindas dimensões de um coração no qual você uma vez confiou.

Eu sei como você pode ficar se não tomar uma bebida das mãos do Amor.
É por isso que todos os Grandes
falam da necessidade vital de continuar lembrando de Deus,
de modo que você venha a conhecê-Lo e vê-Lo
como sendo tão brincalhão e desejoso, apenas desejando ajudar.



É por isso que Hafiz diz:
Traga o seu copo perto de mim.
Pois tudo o que me importa é saciar a sua sede por liberdade!
Tudo com que um homem pode se importar é em dar Amor!
_____________

O amor quer nos alcançar e maltratar-nos,
quer quebrar toda nossa conversa furada sobre Deus.
Se você tivesse a coragem e pudesse dar a escolha ao Amado,
algumas noites Ele iria apenas arrastá-lo pelo cabelo ao redor da sala,
arrancando de suas mãos todos os brinquedos do mundo
que não lhe trazem alegria nenhuma.

O amor às vezes se cansa de falar docemente
e quer rasgar em pedaços todas as suas noções errôneas sobre a Verdade
que fazem você lutar dentro de si mesmo, querido,
fazem-no lutar com os outros,
levando o mundo a chorar em muitos dias encantadores.

Deus quer nos maltratar,
quer trancar-nos dentro de um quartinho com Ele
e praticar aquele Seu grande chute.

O Amado, por vezes, quer fazer-nos um grande favor:
segurar-nos de cabeça para baixo e sacudir-nos
tirando todos os absurdos e disparates.


Mas quando ouvimos que Ele está em tal "espírito de bêbado brincalhão",
a maioria das pessoas que conheço
rapidamente faz suas malas e se apressa em sair da cidade.
_________

Se como a brisa da manhã,
você trouxer boas ações para o dia que se inicia,
a rosa de nosso desejo abrirá e florescerá.
Vá em frente e avance nessa estrada do amor.


Mendigar na porta da casa de vinhos é uma alquimia maravilhosa.
Se você praticar isso,


em breve estará convertendo poeira em ouro.



Ó coração, se você experimentar a luz da pureza apenas uma vez,
você poderá abandonar a vida que você vive em sua cabeça,
como uma vela sorridente.


Mas se ainda estiver ansiando por vinho barato e um rosto bonito,
não saia à procura de um trabalho iluminado.
 
Hafiz, se você estiver ouvindo este bom conselho,
o caminho do amor e seu enriquecimento
estão bem ali ao virar da curva.
_______________

Eu tiro um sol de meu porta-moedas a cada dia.
À noite deixo minha lua de estimação correr livremente nos prados do céu.
Se assovio, Ela vira a cabeça e olha para mim.
Se depois aceno com meus braços,
Ela volta abanando sua maravilhosa cauda de estrelas.
 
Há sempre alguns homens como eu neste mundo;
que cuidam da casa para Deus.
Nós dividimos nossos deveres reais:
a cada dia eu rego Seu vaso de plantas favorito -
Esta Terra.

Peça ao Amigo por amor.



Peça a Ele novamente.


Pois aprendi que cada coração
consegue aquilo pelo qual ele mais roga.

quinta-feira, 28 de julho de 2011

Philokalia - Nikitas Stithatos - Sobre o Conhecimento Espiritual (parte 4)



Se você abraçar o conhecimento do Intelecto primordial - o qual é a origem e é a consumação de todas as coisas, que é infinito em Si mesmo e que existe dentro e fora de todas as coisas - você saberá como viver como um solitário tanto sozinho quanto com outros solitários. Pois você não sofrerá nenhuma perda na perfeição mesmo que esteja sozinho, e nenhuma perda na solidão, mesmo estando entre os outros. Pelo contrário, você será o mesmo em todo lugar e sozinho dentre todos. Você iniciará nos outros o movimento deles em direção à vida da solidão e incorporará a mais alta perfeição de virtude com a qual eles se confrontarão.


A perfeita união e conjunção da alma com o corpo, quando mantida em harmonia, constitui uma realidade única, seja no nível visível ou em seu ser interno. Quando não é hamoniosa, ocorre uma guerra civil na qual cada lado deseja a vitória. Mas quando a inteligência assume o controle, ela de imediato põe um fim ao ciúme e estabelece a concórdia, conformando toda a realidade corpo-alma a seu ser interno e seu Espírito.


Dos três aspestos principais de nosso ser, o primeiro rege os outros e não é regido por eles, o segundo tanto rege quanto é regido e o terceiro não rege, mas é regido. Desse modo, quando o aspecto regente cai sob o domínio de algum desses aspectos que são regidos, aquele que é livre por natureza, torna-se servo daqueles que são por natureza servos, ele perde sua justa pré-eminência e natureza e isso provoca uma grande discórdia entre os principais poderes da alma. Enquanto houver essa discórdia entre eles, todas as coisas ainda não terão tornado-se sujeitas ao Logos Divino. Mas quando o aspecto regente governa os outros colocando-os sob sua própria direção e controle, os elementos discordantes, desta vez unificados e tornados concordantes, são conduzidos pacificamente a Deus. E quando tudo é submetido ao Logos, Ele entrega o reino a Deus, o Pai. (ref. 1 Cor 15:24)


Quando os cinco sentidos são submetidos às quatro principais virtudes e mantêm sua obediência, eles possibilitam que o corpo, composto de quatro elementos, traquilamente complete a roda da vida. Quando o corpo é assim disposto, os poderes da alma não ficam em um estado de discórdia, o aspecto passível dos poderes apetitivo e inflamatório é unido com o poder da inteligência e o intelecto assume assim sua soberania natural. Ele faz das quatro virtudes principais sua carruagem e dos cinco sentidos subservientes, seu assento. E uma vez que ele tenha subjugado o ser não-regenerado e imperioso, o intelecto é capturado e conduzido ao céu em sua carruagem de quatro cavalos e trazido diante do Rei das Eras, sendo coroado com a coroa da vitória e descansando de sua longa empreitada.


Para aqueles que com o suporte do Espírito entraram na plenitude da contemplação, um cálice de vinho é servido e o pão de um banquete real lhes é oferecido. Um trono é preparado para o seu repouso e prata para sua riqueza. Próxima à mão está uma tesouraria de pérolas e pedras preciosas, riquezas indizíveis são conferidas a eles. Por causa da prontidão com a qual agem, sua vida ascética torna-os visionários e prepara-os para serem trazidos à presença não de preguiçosos, mas sim do Rei.


Se através da humildade e da oração você foi iniciado no conhecimento espiritual de Deus, isso significa que você é conhecido por Deus e enriquecido por Ele com um conhecimento autêntico de Seus mistérios supranaturais. Se você está manchado com presunção, você não foi iniciado, mas é governado pelo espírito deste mundo material. Portanto, mesmo que você imagine que sabe de algo, de fato você não sabe nada sobre as coisas divinas da maneira como deveria saber (ref. 1Cor. 8:2). Entretanto, se você ama a Deus e não considera nada mais precioso que o amor por Deus e por seus semelhantes, você também conhecerá as profundezas de Deus e os mistérios de Seu reino da maneira que alguém inspirado pelo Espírito Santo deve conhecê-los. E você é conhecido por Deus, pois você é um verdadeiro trabalhador no paraíso de Sua Igreja, cumprindo a vontade de Deus motivado pelo amor, isto é, convertendo os outros, tornando dignos os indignos através da compreensão dada a você pelo Espírito Santo e mantendo suas ações invioladas através da humildade e do remorso.


Todos fomos batizados em Cristo através da água e do Espírito Santo e todos comemos a mesma comida espiritual e bebemos a mesma bebida espiritual; ainda assim, mesmo que essa comida e bebida sejam o Próprio Cristo, Deus não se agrada com a maioria de nós (ref. 1 Cor. 10 : 4-5). Pois muitos daqueles fiéis e diligentes na prática ascética e na disciplina física mortificaram e enfraqueceram seus corpos, mas por carecerem do remorso que vem de um estado mental virtuoso e contrito e da compaixão que brota do amor por seus semelhantes, bem como por si mesmos, eles permaneceram carentes da plenitude do Espírito Santo, remotos do conhecimento espiritual de Deus. O útero de suas mentes é estéril e sua inteligência não tem sal ou iluminação.


O Logos não leva todos os Seus servos e discípulos com Ele quando revela Seus mistérios grandiosos e ocultos; Ele leva apenas aqueles aos quais um ouvido foi dado e cujos olhos foram abertos e nos quais uma nova língua foi treinada a falar claramente. Levando tais pessoas com Ele e separando-os dos outros, mesmo que esses últimos sejam igualmente Seus discípulos, Ele ascende no monte Tabor, a montanha da contemplação, e é transfigurado diante deles (ref. Mat. 17:2). Ele ainda não os inicia nos mistérios do reino dos céus, mas mostra-lhes a glória e a resplandescência da Divindade. E através da luz que Ele dá, Ele faz a vida e a inteligência deles brilharem como o sol no meio da Igreja dos fiéis. Ele transforma suas intelecções na brancura e pureza da luz mais brilhante, coloca neles Seu próprio intelecto e envia-os para proclamar coisas novas e velhas (ref. Mat. 13:52) para a edificação de Sua Igreja.


Muitos cultivaram seus próprios campos com grande diligência e plantaram sementes puras neles, ceifando os espinheiros e queimando seus cactos no fogo do arrependimento, mas porque Deus não regou esses campos com a chuva nascida do remorso do Espírito Santo, eles não colheram nada. Ressecados como estavam, eles não produziram o rico grão do conhecimento de Deus. Assim, mesmo se eles não perecerem por causa de uma escassez total do Logos divino, certamente morrerão pobres no conhecimento de Deus e com as mãos vazias, tendo fornecido para si mesmos uma nutrição escassa para o banquete divino.


O reino dos céus é dado já nesta vida a todos aqueles que estão avançados no caminho espiritual, ou aquele lhes é dado após a dissolução do corpo? Se é nesta vida, nossa vitória é indiscutível, nossa alegria inexprimível e nosso caminho para o paraíso desimpedido: estamos diretamente presentes no Oriente divino (ref. Gen. 2:8). Mas se é dado apenas após a morte e a dissolução, deveríamos pedir que nossa partida desta vida pudesse ocorrer sem medo; deveríamos aprender o quê o reino dos céus é, o quê o paraíso é e como um difere do outro, que natureza de tempo há em cada um deles e se endentramos todos os três, como e quando, e depois de quanto tempo. Se você entrar no primeiro enquanto ainda vivo e enquanto ainda na carne, não falhará em entrar nos outros dois.

O mundo acima está até agora incompleto e espera seu complemento do primogênito de Israel - daqueles que vêem a Deus; pois ele recebe seu complemento daqueles que atingem o conhecimento de Deus. Uma vez que estiver completo e que tiver levado ao fim o mundo inferior dos crentes e dos descrentes, ele constituirá uma única congregação, locando cada membro em seu lugar marcado, separando o que não pode ser reconciliado. Ele atrai para si as origens e os fins de todos os outros mundos, e, sendo ele mesmo ilimitado, define limites para eles. Ele não é afetado ou limitado por nenhum outro princípio, como algo que está sendo coagido. Pois ele é sempre ativo de tal maneira que nunca está confinado dentro de si ou extendido fora de seus próprios limites. Ele é o Sábado de descanso de todos os outros mundos e de todo outro princípio e atividade.

sexta-feira, 22 de julho de 2011

Bhagavan Ramana Maharshi - Índia, setembro de 1936

Bhagavan: O jnani (sábio) diz: "eu sou o corpo" e o ajnani (ignorante) também diz: "eu sou o corpo", qual é a diferença? O "Eu Sou" é a verdade. O corpo é a limitação. O ajnani limita o "eu" ao corpo. Durante o sono profundo, o 'Eu' permanece independente do corpo. O mesmo "Eu" está agora no estado de vigília. Embora seja comum pensar que ele está dentro do corpo, o "Eu" existe sem o corpo. A noção errada não é o 'eu sou o corpo', é o 'Eu' que diz isso. O corpo por si mesmo é inerte (inanimado) e não pode dizer isso. O erro está em pensar que o 'Eu' é o que ele não é. O 'Eu' não é inerte. O 'Eu' não pode ser o corpo inconsciente. Os movimentos do corpo são confundidos com o 'Eu' e o resultado disso é a miséria. Esteja o corpo funcionando ou não, o "Eu" permanece livre e feliz. O 'eu' do ajnani é apenas o corpo. Esse é todo o erro. O "Eu" do jnani inclui o corpo e tudo mais. Claramente alguma entidade intermediária surge e dá origem à confusão.Pergunta: Se o jnani diz "eu sou o corpo", o que lhe acontece na hora da morte?
B: Mesmo agora ele não se identifica com o corpo.
P: Mas você disse há pouco que o jnani diz: "eu sou o corpo."
B: Sim. Seu "Eu" inclui o corpo. Não pode haver nada separado do 'Eu' para ele. Se o corpo se vai, não há perda para o 'Eu'. O 'Eu' permanece o mesmo. Se o corpo sentir-se morto deixe-o levantar a questão. Sendo inerte ele não pode fazê-lo. O "Eu" nunca morre e não faz a pergunta. Quem então morre? Quem faz perguntas?
P: Para quem são todas as escrituras (sastras) então? Elas não podem ser para o 'Eu' real. Elas devem ser para o 'eu' irreal. O 'Eu' real não as requer. É estranho que o 'eu' irreal tenha tantas sastras direcionadas para si.
B: Sim. É isso mesmo. A morte é apenas um pensamento e nada mais. Aquele que pensa é que traz problemas. Deixe o pensador nos dizer o que acontece com ele na morte. O verdadeiro "Eu" é silencioso. Não se deve pensar "eu sou isto - eu não sou aquilo". Dizer 'isto ou aquilo" é errado. Essas também são limitações. Apenas o "Eu Sou" é a verdade. O silêncio é o 'Eu'. Se uma pessoa pensa 'eu sou isso ", outra pensa 'eu sou isso" e assim por diante, há um choque de pensamentos e tantas religiões são o resultado. A verdade permanece como é, ela não é afetada por quaisquer declarações, conflitantes ou não.
P: O que é a morte? Não é o desaparecimento do corpo?
B: Você deseja saber isso durante o sono? O que está errado então?
P: Mas eu sei que vou acordar.
B: Sim - novamente o pensamento. Há o pensamento precedente "eu irei acordar". Os pensamentos governam a vida. A liberdade de pensamentos é a nossa verdadeira natureza - a Graça.

___________

Bhagavan: A ignorância - ajnana - é de dois tipos:

(1) O esquecimento do Ser.
(2) A obstrução ao conhecimento do Ser.

As ajudas e apoios são destinados a erradicar os pensamentos; estes pensamentos são as manifestações de predisposições remanescentes na forma embrionária, eles dão origem à diversidade da qual todos os problemas surgem. Essas ajudas são: ouvir a Verdade transmitida pelo mestre (sravana), etc. Os efeitos de sravana podem ser imediatos e o discípulo percebe a Verdade de imediato. Isso só pode acontecer para o discípulo bem avançado. Caso contrário, o discípulo sente que é incapaz de perceber a Verdade, mesmo depois de ouvi-la repetidamente. Isso se deve a quê? Às impurezas em sua mente, à dúvida, à ignorância e à identidade errônea; esses são os obstáculos a serem removidos.

(a) Para remover a ignorância completamente, ele tem de ouvir a Verdade repetidamente, até que seu conhecimento sobre o assunto em questão torne-se perfeito. (b) Para remover as dúvidas, ele deve refletir sobre o que ouviu até que seu conhecimento fique livre de dúvidas de qualquer espécie. (c) Para remover a identidade errada do Ser com o não-Ser (com o corpo, os sentidos, a mente ou o intelecto) sua mente deve tornar-se unidirecionada.

Uma vez que todas essas coisas forem realizadas, os obstáculos são exterminados e com isso o estado de Samadhi é alcançado, isto é, a Paz reina. Alguns dizem que nunca devemos deixar de nos envolver no processo de ouvir a Verdade, de refletir sobre o conhecimento e de manter a unidirecionalidade. Isso não é realizado ao lermos livros, mas apenas pela prática contínua de manter a mente afastada (separada). O aspirante pode ser kritopasaka ou akritopasaka. O primeiro está apto a realizar o Ser, mesmo que com o menor estímulo, apenas algumas pequenas dúvidas impedem seu caminho e são facilmente removidas se ele ouvir a Verdade do Mestre ainda que uma só vez. Imediatamente ele ganha o estado de Samadhi. Presume-se que ele já havia concluído o sravana, a reflexão, etc em nascimentos anteriores, eles não são mais necessários para ele. Para o outro todas essas ajudas são necessárias; para ele as dúvidas surgem mesmo depois de ouvir repetidas vezes, por isso ele não deve desistir dessas ajudas até que ganhe o estado de Samadhi. O Sravana remove a ilusão do Ser como sendo o mesmo que o corpo, etc. A reflexão deixa claro que o Conhecimento é o Ser. A unidirecionalidade revela o Ser como sendo Infinito e Bem-aventurado.

__________

Pergunta: Nós temos ouvido falar de você, Maharshi, como a mais gentil e nobre das almas. Há muito tempo desejávamos ter seu Darshan. Eu vim aqui uma vez antes, no dia 14 do mês passado, mas não pude permanecer em sua santa presença tanto quanto eu desejava. Sendo uma mulher e também jovem, eu não pude aguentar a pressão das pessoas ao meu redor, e assim parti às pressas depois de fazer uma ou duas perguntas simples. Não há homens santos como você em nossa parte do país. Sou feliz no que diz respeito a ter tudo o que quero. Mas não tenho aquela paz de espírito que traz felicidade. Venho agora aqui em busca de sua bênção para que eu possa obter essa Paz.
Bhagavan: O Bhakti (a devoção) atenderia o seu desejo.
P: Quero saber como posso ganhar essa paz de espírito, essa paz mental. Por favor, faça a gentileza de aconselhar-me.
B: Sim, é necessário devoção e entrega.
P: Sou digna de ser uma devota?
B: Qualquer um pode ser um devoto. O caminho espiritual é comum a todos e nunca é negado a ninguém - seja a pessoa jovem ou velha, homem ou mulher.
P: É exatamente isso que estou ansiosa para saber. Sou jovem e dona de casa. Há deveres domésticos que devo desempenhar. A devoção está de acordo com tal posição como a minha?
B: Certamente. O que você é? Você não é o corpo. Você é a Pura Consciência. Os deveres domésticos e o mundo são apenas fenômenos aparecendo sobre essa Consciência Pura. Ela permanece inalterada. O que impede você de ser seu próprio Ser?
P: Sim, já estou familiarizada com a linha de ensinamentos do Maharshi. Trata da busca pelo Ser. Mas a minha dúvida persiste, tal busca é compatível com a vida de uma dona de casa?
B: O Ser está sempre aí. Ele é você. Não há nada além de você. Nada pode estar separado de você. A questão da compatibilidade ou coisas desse tipo não surge.
P: Vou ser mais definida. Apesar de ser uma estranha, sou obrigada a confessar a causa de minha ansiedade. Fui abençoada com filhos. Um menino - um bom brahmachari - faleceu em fevereiro. Fui assolada por uma grande agonia. Fiquei desgostosa com esta vida. Quero me dedicar à vida espiritual. Mas meus deveres como dona de casa não me permitem levar uma vida retirada. Daí vem a minha dúvida.
B: Retirar-se significa a permanência no Ser. Nada mais. Não significa deixar um conjunto de condições circundantes e se emaranhar em outro conjunto, nem mesmo deixar o mundo concreto e se envolver em um mundo mental. O nascimento do filho, a sua morte, etc, são vistos no Ser somente. Lembre-se do estado de sono. Você estava ciente de algo acontecendo? Se o filho ou o mundo fossem reais, eles não deveriam estar presentes com você no sono? Você não pode negar a sua existência no sono. Também não pode negar que você estava feliz naquele estado. Você é a mesma pessoa falando agora e levantando questões. Você não está feliz, de acordo com você. Mas você estava feliz no sono. O que aconteceu nesse meio tempo que fez a felicidade do sono ser quebrada? Foi o aparecimento do ego. Essa é a nova chegada no estado Jagrat. Não havia ego no sono. O nascimento do ego é chamado de o nascimento da pessoa. Não há outro tipo de nascimento. Qualquer coisa que nasça está fadada a morrer. Mate o ego: não há medo recorrente da morte para o que foi uma vez morto. O Ser permanece mesmo após a morte do ego. Isso é a Bem-aventurança - isso é a Imortalidade.
P: Como isso deve ser feito?
B: Veja para quem estas dúvidas existem. Quem é o sujeito da dúvida? Quem é o pensador? É o ego. Mantenha-se com ele. Os outros pensamentos vão morrer. O ego é deixado puro, veja de onde surge o ego. Essa é a consciência pura.
P: Isso parece difícil. Podemos proceder pelo caminho do Bhakti?
B: Isso é de acordo com o temperamento individual e com o histórico da pessoa. O Bhakti é o mesmo que o Vichara (a auto investigação).
P: Eu quero dizer a meditação, etc.
B: Sim. A meditação é em uma forma. Isso irá afastar os outros pensamentos. O pensamento único de Deus vai dominar os outros. Isso é a concentração. O objeto da meditação é, portanto, o mesmo que o do Vichara.
P: Nós vemos Deus em uma forma concreta?
B: Sim. Deus é visto na mente. A forma concreta pode ser vista. Ainda assim, é apenas na mente do devoto. A forma e a aparência da manifestação de Deus são determinadas pela mente do devoto. Mas essa não é a finalidade. Nesse caso há a sensação de dualidade. É como uma visão em um sonho. Depois que Deus é percebido, o Vichara começa. E ele termina na Realização do Ser. Vichara é a rota final. Mas claro, poucas pessoas acham o vichara praticável. Outros acham o Bhakti mais fácil.
P: O Sr. Brunton não encontrou você em Londres? Isso foi apenas um sonho?
B: Sim. Ele teve a visão. Ele me viu em sua mente.
P: Ele não viu esta forma concreta?
B: Sim, ainda em sua mente.
P: Como hei de alcançar o Ser?
B: Não existe alcançar o Ser. Se o Ser fosse para ser atingido, significaria que o Ser não está aqui e agora, que deveria ser obtido de nova maneira. O que é obtido também será perdido. Por isso será impermanente. Não vale a pena lutar por aquilo que não é permanente. Portanto eu digo, o Ser não é atingido. Você é o Ser. Você já é Aquilo. O fato é que você é ignorante de seu estado bem-aventurado. A ignorância sobrepõe-se e coloca um véu sobre a pura Bem-Aventurança. As tentativas são direcionadas somente para remover essa ignorância. Essa ignorância consiste no conhecimento errado. O conhecimento errado consiste na falsa identificação do Ser com o corpo, com a mente, etc. Essa identidade falsa deve sair de cena e ali o remanecente será o Ser.
P: Como é que isso acontece?
B: Ao inquirir sobre o Ser.
P: É difícil. É possível para mim Realizar o Ser, Bhagavan? Gentilmente me diga. Parece tão difícil.
B: Você já é o Ser. Portanto, a Realização é comum a todos. A Realização não conhece diferença nos aspirantes. Esta própria dúvida: "posso Realizar?" Ou o sentimento: "eu não Realizei" são os obstáculos. Livre-se deles também.
P: Mas deve haver a experiência. A menos que eu tenha a experiência como eu poderei livrar-me desses pensamentos que me afligem?
B: Eles também estão na mente. Estão lá porque você identificou a si mesma com o corpo. Se essa falsa identidade desaparecer, a ignorância desaparecerá e a Verdade será revelada.
P: Posso engajar-me na prática espiritual mesmo permanecendo em Samsara?
B: Sim, certamente. Devemos fazê-lo.
P: Samsara não é um obstáculo? Todos os livros sagrados não defendem a renúncia?
B: Samsara está apenas em sua mente. O mundo não fala: 'eu sou o mundo". Caso contrário, ele deveria estar sempre aí - sem excluir o seu sono. Uma vez que ele não existe no sono, ele é impermanente. Sendo impermanente ele não tem resistência. Não tendo resistência, ele é facilmente subjugado pelo Ser. Somente o Ser é permanente. A renúncia é a não-identificação do Ser com o não-Ser. Com o desaparecimento da ignorância o não-Ser deixa de existir. Essa é a verdadeira renúncia.
P: Por que, então, em sua juventude você deixou sua casa?
B: Esse é o meu destino (prarabdha). Nossa linha de conduta nesta vida é determinada por nosso destino. Meu destino era assim. Seu destino é dessa forma.
P: Eu não deveria também renunciar?
B: Se esse tivesse sido o seu destino a questão não teria surgido.
P: Eu deveria, portanto, permanecer no mundo e engajar-me na prática espiritual? Bem, posso conseguir a Realização nesta vida?
B: Isso já foi respondido. Você é sempre o Ser. Os esforços sinceros nunca falham. O sucesso está fadado a dar resultados.

segunda-feira, 18 de julho de 2011

Jetsun Milarepa - Trechos do Ensinamento




Homenageio-lhe, ó Marpa, o Tradutor. No imenso céu de sua compaixão estão de todos os lados reunidas as nuvens da misericórdia, das quais a produtiva chuva de graça cai. Ó, meu Guru, Perfeito Salvador, grande Compassivo, que mostra o inconfundível caminho para a Libertação, nunca me abandone, permaneça para sempre acima de minha cabeça como minha coroa de jóias! 

Aos olhos impuros daqueles a quem você visa libertar, você manifesta-se em uma variedade de formas, mas àqueles de seus seguidores que foram purificados, o Senhor aparece como um Ser Perfeito. Prestemos homenagem a Você! No esplendor celeste da Consciência Absoluta do Dharmakaya, não existe sombra de coisa ou conceito, ainda assim ela permeia todos os objetos do conhecimento. Prestemos homenagem à Consciência Imutável e Eterna. 

A Sabedoria Original Inata é a Esfera Primordial. Sem "exterior" ou "interior" é a esfera da Consciência. Sem brilho ou escuridão é a esfera da Revelação. Onipresente e toda-abrangente é a esfera do Dharma. Sem mutação ou transição é a esfera da Verdade absoluta. Sem interrupção é a esfera da pura Experiência.

Toda a manifestação, o próprio universo, estão contidos na Mente, e a natureza da Mente é o reino da Iluminação, o qual não pode ser concebido nem tocado - esse é o ponto-chave da Visão correta. Os pensamentos errantes são liberados no Dharmakaya (o Absoluto); a Consciência, a Iluminação é sempre cheia de graça; meditar em um modo de não-ação e não-esforço - esses são os pontos-chave da Prática. As dez virtudes crescem espontaneamente na ação da naturalidade, todos os dez Vícios são assim purificados. Por correções ou remédios o Vazio Iluminador nunca é perturbado - esses são os pontos-chave da Ação. Não há Nirvana para se alcançar em outra parte (como um estado especial); não há Samsara aqui para se renunciar; conhecer verdadeiramente a mente-Ser é ser o próprio Buda - esses são os pontos-chave da Realização. Reduza internamente esses três pontos-chave em um. Essa é a Natureza Vazia do Ser, a qual somente um Guru maravilhoso pode ilustrar de maneira clara. Muita atividade não é de nenhum proveito; se a pessoa vê a Sabedoria Nascida Simultaneamente (a Sabedoria inata, eterna, sempre presente antes e depois do nascimento), ela alcança seu objetivo. 

A mente não tem substância, é vazia, é menos do que o menor dos átomos. Quando aquele que vê e aquilo que é visto são eliminados, a Visão é realmente realizada. Quanto à prática, na Corrente da Iluminação não podem ser encontrados estágios. A perseverança na prática é confirmada quando o ator e a ação são anulados. No Reino da Iluminação, onde o sujeito e o objeto são um, não vejo nenhuma causa, pois tudo é vazio. Quando a ação e o ator desaparecem, todas as ações tornam-se corretas. Os pensamentos finitos dissolvem-se na Totalidade (Dharmadhatu); os oito ventos mundanos (perda e ganho, prazer e dor, louvor e culpa, saúde e doença) não trazem nem esperança nem medo. Quando o preceito e o detentor dos preceitos desaparecem, as disciplinas morais são melhor observadas. Ao sabermos que a mente-Ser é o Dharmakaya, o Corpo Absoluto de Buda, as ações e o ator delas desaparecem. Assim, o glorioso Dharma triunfa. Os seis caminhos que conduzem à Liberação são: grande fé e confiança em um Guru sábio e rigoroso, boa disciplina, solidão, prática determinada e perseverante e a meditação.

A Manifestação, o Vazio e a Não-diferenciação, esses três são a quintessência da Visão. A Iluminação, a ausência de pensamentos e a não-distração são a quintessência da Meditação. O não-apego, o desprendimento e a completa indiferença são a quintessência da Ação. A ausência de esperança, de medo e de confusão são a quintessência da Realização. Não atentar, não ocultar e não discriminar são a quintessência dos Preceitos. 

Feliz é a iluminação sem pensamentos e sem mutação! Feliz é a grande bênção na pureza do Dharmadhau (do Infinito)! Feliz é o Reino incessante da Forma! Este pequeno canto de grande felicidade que flui livremente de meu coração é inspirado pela meditação, pela fusão do conhecimento com a ação.

A fusão da mente-Ser com o Guru é realmente uma coisa feliz. A própria manifestação é em si a essência da Realidade. Através da realização deste Dharmakaya não-nascido, fundi a mim mesmo no Reino do Não-esforço.

Apegar-se à realidade da mente é a causa de Samsara (o ciclo de renascimentos); perceber que o não apego e a autoconsciência iluminanda são não-nascidos e imanentes, é o sinal da consumação do Estágio de Unidirecionalidade. Se uma pessoa fala sobre o Dois-em-Um (Sabedoria e Compaixão), mas ainda medita sobre a forma, se reconhece a verdade do Karma, mas ainda comete injustiça, ela está realmente meditando com cegueira e paixão! Tais coisas nunca são encontradas no verdadeiro Estágio de Unidirecionalidade.
A não-diferenciação da Manifestação e da Vacuidade é o Dharmakaya no qual Samsara e Nirvana são sentidos como sendo o mesmo. É uma fusão completa do Buda com os seres sencientes. Esses são os sinais do Estágio do Gosto Único (uma Consciência Absoluta compreendendo todas as experiências).

A natureza da Mente é a Luz e o Vazio. Ao perceber a consciência da Luz-Vazio, fundi-me no estado original de Não-esforço. Às boas e más experiências sou indiferente. Com uma mente de Não-esforço, sinto felicidade e alegria. O Seis Sentidos e os Objetos Sensoriais dissolveram-se por si mesmos (no Dharmadhatu), onde a não-diferenciação do sujeito e do objeto é realizada. Fundi a felicidade e tristeza em um só, adentrei o estado original de Não-esforço.

Apegar-se à noção de ego é característico desta consciência. Se olhamos para essa consciência em si, não veremos nenhum ego, nada é visto dele! Aqueles que praticam o Dharma com suas bocas falam muito e parecem saber muito sobre o ensinamento, mas quando chega a hora de o observador deixar o corpo na hora da morte, o pregador preso à boca é lançado no espaço. Quando a Luz Clara brilha por um momento precioso no estado do bardo intermediário, uma chance para que todos possam despertar para o Absoluto é camuflada pela cegueira do ignorante; a chance de ver o Dharmakaya no momento da morte é perdida devido ao medo e à confusão. Mesmo que a pessoa passe sua vida estudando o Canon, isso não ajuda no momento da partida da mente. Ai de mim! Aqueles Iogues proficientes que praticaram meditação por tanto tempo, confundiram a experiência psíquica da iluminação com a Sabedoria Transcendental e ficaram felizes com esta forma de auto-engano. Na hora da morte eles ainda correm perigo de passar pelo renascimento em reinos inferiores. Quando a postura do seu corpo está justamente colocada e sua mente absorvida em meditação profunda, você pode sentir que o pensamento e a mente desaparecem. Ainda assim, essa é apenas a experiência superfícial de Dhyana (meditação). Através da prática constante e da concentração nela, sentimos a radiante autoconsciência brilhando como uma lâmpada resplandescente. Ela é pura e brilhante como uma flor, é como a sensação de olhar para o céu vasto e vazio. A Consciência do Vazio é límpida e transparente, ainda assim, é vívida. Essa ausência de pensamentos, essa experiência radiante e transparente é apenas o sentimento de Dhyana. Com essa boa fundação, complementarmente devemos orar para as Três Preciosidades e penetrar a Realidade através de pensamento e contemplação profundos. Assim, podemos amarrar a Sabedoria sem ego com a benéfica corda da vida da meditação profunda. Com o poder da bondade e da compaixão e com o voto altruísta do Coração Desperto, podemos ver clara e diretamente a verdade do Caminho Iluminado, do qual nada pode ser visto, mas tudo é claramente percebido. Sem chegar, alcançamos nosso lugar de Buda; sem ver, visualizamos o Dharmakaya; sem esforço, fazemos todas as coisas naturalmente.

A própria natureza do Dharmakaya é identificada através de suas inúmeras formas. As miríades de formas são o corpo físico de Buda (Nirmanakaya). Com essa compreensão em mente, em qualquer circunstância que eu possa me encontrar, estou livre no alegre reino da Liberação! Não tenho nenhum anseio por retornar para a casa de Buda (o reino da ausência de formas). Feliz, de fato, é esta mente de não-esforço.

Se você pretende praticar os ensinamentos de Buda, tome refúgio nas Três Preciosidades (o Buda ou o despertar; o Dharma, o ensinamento da sabedoria; e o Sangha, a comunidade de praticantes). Os Seres sencientes nos seis reinos deveriam ser considerados como sendo seus pais. Dê aos pobres e ofereça ao Guru! Dedique os seus méritos para o benefício de todos. Lembre-se sempre de que a morte pode vir a qualquer momento. Identifique o seu corpo com o corpo de Buda. Identifique a sua própria voz com o mantra de Buda. Contemple Shunyata (o Vazio) da Sabedoria do auto-despertar e sempre tente ser o mestre de sua mente!

Eu percebi que nada é, libertei-me da dualidade entre o passado e o futuro, aprendi que os Seis Reinos não existem. Fui libertado de uma vez por todas da vida e da morte e compreendi que todas as coisas são iguais. Dei-me conta de que tudo o que percebo é ilusão, fui libertado de entrar e sair. Dei-me conta da verdade da não-diferenciação e fui libertado tanto do Samsara quanto do Nirvana. Também percebi como ilusões a prática, os passos e os estágios. Minha mente está, portanto, destituída de esperança e medo.
Encontrei o Samadhi das coisas como elas são. Agora não tenho medo da fome. Por causa do medo da sede, busquei por algo para beber; a bebida celestial que encontrei é o vinho da atenção plena. Agora não tenho medo da sede. Por causa do medo da solidão, procurei por um amigo; o amigo que encontrei é a felicidade do perpétuo shunyata (abertura, vazio). Agora não tenho medo da solidão. Por causa do medo de desviar-me, busquei o caminho certo a seguir. O amplo caminho que encontrei é o Caminho do dois-em-um (Sabedoria e Compaixão). Agora eu não temo perder meu caminho. Sou um Iogue com todos os bens desejáveis, um homem sempre feliz onde quer que eu esteja. 

Medite sobre a vastidão sem centro e sem margens. Como um oceano infinitamente grande e insondavelmente profundo, absorva-se na mais profunda contemplação. Dessa forma, medite sobre a sua mente-Ser.

Se você sentir-se bem ao meditar sobre o céu, então esteja com as nuvens. As nuvens são apenas manifestações do céu, Por isso, descanse bem ali na esfera do céu! As ondas são apenas o movimento do oceano; se você pode meditar bem sobre o oceano, porque não meditar sobre as ondas? Portanto, dissolva-se bem ali no oceano! O perturbador fluxo de pensamentos manifesta a mente; se você puder meditar bem sobre a mente, então esteja com o fluxo de pensamentos! Portanto, dissolva-se na própria essência da Mente! 

Você não sabe que este mundo é transitório e irreal? Quando você vier diante do rei dos Mortos o seu dinheiro de homem rico não será de nenhum proveito. O templo onde moro é a mente interior não-nascida. As experiências de Graça, Iluminação e de ausência de pensamentos são as lindas flores em meu jardim! Cercando o templo das Dez Virtudes está a vala da minha vacuidade. Isso é meu, o templo Iogue.
A fundação de toda prática do Dharma está na crença na lei do Karma (você colhe o que você semeia) e, portanto, é muito importante que você se dedique inteiramente à eliminação das más ações e à prática das virtudes. Embora no início eu fosse incapaz de compreender o significado do Vazio, confiei na lei do Karma. É por isso que, depois de ter acumulado muitos crimes, fui obrigado a venerar meu Lama e me dedicar à meditação.

O Dharma é tão eficaz que até mesmo um grande pecador como eu chegou a um estágio não muito longe da Iluminação perfeita de Buda devido à minha crença no Karma, minha subsequente renúncia dos objetivos da vida mundana, e, especialmente devido à minha devoção firme e determinada à meditação. É possível para cada pessoa comum perseverar como eu o fiz. Considerar um homem de tal perseverança como uma reencarnação de Buda é um sinal de não acreditar no caminho curto do Dharma. Coloque sua fé na grande lei de causa e efeito. Contemple a vida dos mestres iluminados; reflita sobre o Karma, sobre a miséria do ciclo de renascimentos, sobre o verdadeiro valor da vida humana e sobre a incerteza da hora da morte. Dedique-se à prática do Vajrayana.

Como resultado de meus anos de meditação, atingi o despertar total onde o objeto meditado, a ação de meditar e o sujeito que medita se fundem num só, de modo que agora já não sei mais como meditar. 

Volte sua mente para dentro e você encontrará o seu caminho. Quando meditar com perseverança e determinação, você deve pensar sobre os males de Samsara (o ciclo de renascimentos) e sobre a incerteza da morte. Evite o desejo pelos prazeres mundanos e a coragem e a paciência crescerão então em você, e você encontrará o seu caminho. Acima de tudo, lembre-se em todos os momentos e lugares de nunca ser arrogante nem orgulhoso de si mesmo, senão você será subjugado por sua auto-estima e será sobrecarregado pela hipocrisia. Se abandonar o engano e o fingimento, você encontrará o seu caminho. A pessoa que encontrou o caminho pode passar os graciosos ensinamentos para os outros; dessa forma ela ajuda a si própria e aos outros também. Dar é, então, o único pensamento restante em seu coração.

Se você deseja tornar-se um Buda em uma só vida, você não deve almejar as coisas desta vida, nem intensificar seu auto-anseio, senão você será enredado entre o bem e o mal e poderá cair no reino da miséria. Quando se envolver em estudos e aprendizagens, não se prenda às palavras com orgulho. Quando tiver adquirido Experiência e Realização, não exiba seus poderes milagrosos, nem profetize. Seja humilde e modesto e você encontrará seu caminho.

Pratique interiormente a concentração e a contemplação. A renúncia dos assuntos externos é o seu adorno. Permaneça sereno com auto-compostura e atentamente. A Glória é a equanimidade da mente e da fala! A Glória é a renúncia das muitas ações! Se você encontrar condições desagradáveis que perturbem a sua mente, vigie a si mesmo e fique alerta: mantenha-se alertando a si mesmo: "O perigo da raiva está a caminho". Quando você se encontrar com riquezas ou prazeres sedutores, vigie a si mesmo e esteja alerta, mantenha um controle sobre si mesmo: "o perigo do desejo está a caminho". Você deveria contemplar o vazio e a natureza ilusória do que quer que você encontre em suas ações diárias. Mesmo que uma centena de santos e estudiosos estivessem reunidos aqui, eles não poderiam dizer mais do que isso. Que todos vocês sejam felizes e prósperos! Que todos vocês se dediquem com o coração alegre à prática do Dharma!