terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Jalaluddin Rumi - Oito poemas


Ó Tu que convertes a terra em ouro

e de outra terra fizeste o pai da humildade,

Teu ofício é transformar e conceder favores,

meu ofício são os erros, o esquecimento e os enganos.

Converte meus erros e esquecimento em conhecimento;

sou inteiramente desprezível, faz-me equilibrado e humilde.

Ó Tu que convertes a terra salgada em pão

e o pão na vida dos homens,

Tu que fizeste da alma errante um guia para os homens,

e daquele que se desviou do caminho um profeta,

Tu fazes de alguns homens nascidos na terra um Céu

e multiplicas os santos nascidos no Céu sobre a terra!

Mas àquele que busca sua água da vida nas alegrias deste mundo,

vem a morte mais depressa que aos outros.


Os olhos do coração que contemplam os céus

vêem o Alquimista Todo-Poderoso sempre trabalhado aqui.

A humanidade está sempre sendo transformada

e o elixir de Deus costura as vestes do corpo sem a ajuda de agulha.

No dia em que entraste na existência,

foste primeiro fogo, ou terra, ou ar.

Se tivestes continuado nesse teu estado original,

como poderias ter chegado a essa dignidade de ser humano?

Mas, pela transformação, tua primeira existência não persistiu,

em lugar dela, Deus te deu uma existência melhor.

Da mesma maneira que te dará milhares de existências,

uma após a outra, as seguintes melhores que as primeiras.

Considera teu estado original, não os estados intermediários,

pois esses estados te afastam de tua origem.

À medida que crescem esses estados intermediários, a união retrocede,

à medida que decrescem, a unção da união aumenta.

Pelo conhecimento dos meios e das causas o santo aturdimento fracassa;

sim, o aturdimento que te leva à presença de Deus.

Obtiveste essas existências depois de aniquilações;

por que, então, temes a aniquilação?

Que mal essas aniquilações te fizeram

para que te agarres a tua existência presente, ó tolo?

Já que os últimos de teus estados eram melhores que os primeiros,

busca a aniquilação e estima a mudança de estado.

Já viste centenas de ressurreições

ocorrerem a cada momento, de tua origem até agora,

uma do estado inorgânico para o estado vegetativo,

do estado vegetativo para o estado animal de provações,

depois novamente para a racionalidade e o bom discernimento,

outra vez te erguerás desse mundo dos sentidos e das formas.


Ah! ó corvo, abandona essa vida e vive de novo!

Almejando as mudanças de Deus, lança longe tua vida!

Escolhe o novo, desiste do velho,

Pois cada ano presente é melhor que três passados


Ouça um comentário sobre uma história do Profeta:

“Compadece-te do devoto que cai em pecado, do homem rico

que cai na pobreza e do sábio que cai na companhia de tolos.”

Isso é ilustrado por uma anedota de um jovem cervo

que foi posto no estábulo dos asnos,

que zombaram dele e o maltrataram.


_________________________________________


A luxúria do mundo é como uma caldeira de uma sala de banhos,

Onde o banho da devoção é aquecido,

Mas a parte dos devotos é a pureza advinda da sujeira da caldeira,

Porque eles habitam no banho e na limpeza.

Os ricos são como os que carregam esterco

Para aquecer com ele a caldeira do banho.

Deus instilou neles a cobiça,

Para que o banho pudesse ser aquecido e agradável.

Deixa essa caldeira e entra no banho,

Sabe abandonar a caldeira para ser o próprio banho.

Aquele que está na sala da caldeira é como um servo

Para aquele que é temperado e prudente.


Tua luxúria é como o fogo no mundo,

Com cem bocas abertas.

No juízo da razão, esse ouro é esterco sujo,

Embora, como esterco, sirva para acender o fogo.


Para quem nasceu na sala da caldeira e nunca viu a pureza,

O cheiro do almíscar é desagradável.

______________________________________

Há uma doçura oculta no vazio do estômago.

Somos alaúdes, nem mais nem menos.

Se a caixa acústica está cheia

de qualquer coisa, não há música.

Se o cérebro é a barriga estão ardentemente limpos

com o jejum, cada momento é uma nova canção que sai do fogo.

A neblina dissipa e uma nova energia faz você

subir correndo os degraus à sua frente.

Fique mais vazio e clame como fazem os instrumentos de sopro.

Mais vazio, escreva segredos com a caneta de pena.

Quando você está cheio de comida e bebida, uma feia estátua

de metal senta onde deveria sentar seu espírito. Quando você jejua,

bons hábitos aproximam-se como amigos que querem ajudar.

O jejum é o anel de Salomão. Não dê esse anel

para alguma ilusão perdendo assim o seu poder,

mas mesmo se você tiver perdido,

se você perdeu todo controle e força de vontade,

eles irão voltar quando você jejuar, como soldados surgindo

do chão com bandeirolas flamulando sobre eles.

Uma mesa descende à sua tenda,

a mesa de Jesus.

Espere vê-la, quando você jejua, essa mesa

se estende com outro alimento, muito melhor do que o caldo de repolho.


_________________________________


É assim que acontece quando suas energias animais,

as nafs, dominam a sua alma:


Você tem um belo pedaço de linho

que você vai transformar num casaco

para dar a um amigo, mas alguém usa-o

para fazer uma calça. O linho

não tem escolha nesse caso.

Ele deve submeter-se. Ou, é como

alguém que invade a sua casa

e vai para o jardim e planta espinheiros.

Uma feia humilhação cai sobre o lugar.


Ou, você viu um cachorro nômade

deitado na entrada da tenda, com sua cabeça

na soleira e seus olhos fechados.

As crianças puxam seu rabo e tocam sua face,

mas ele não se move. Ele adora a atenção das crianças

e fica humilde dentro dela.


Porém se um estranho entra, ele levanta ferozmente.

Mas, e se o dono do cachorro não pudesse controlá-lo?


Um pobre dervixe pode aparecer: o cachorro começa a bramir.

O dervixe diz: “Tomo refúgio em Deus quando

o cão da arrogância ataca,”

e o dono tem que dizer: “Eu também!

Sou impotente contra essa criatura

mesmo em minha própria casa!


Do mesmo modo que você não pode se aproximar,

eu não posso sair!”


É assim que a energia animal torna-se monstruosa

e arruína o frescor e a beleza de sua vida.


Pense como seria levar esse cão para caçar!

Você seria a presa.


________________________________


Não corra ao redor deste mundo

procurando por um buraco para se esconder.


Há bestas selvagens em todas as cavernas!

Se você vive com ratos,

as garras do gato irão lhe encontrar.

O único descanso real vem

quando você está sozinho com Deus.


Viva nesse lugar-nenhum de onde você veio,

mesmo que você tenha um endereço aqui.


É por isso que você vê as coisas de duas maneiras.

As vezes você olha para uma pessoa

e vê uma cobra cínica.


Outra pessoa vê um alegre amante,

e vocês dois estão certos!


Todos são meio a meio,

Como um boi preto e branco.


José parecia feio para seus irmãos,

e muito lindo para seu pai.


Você tem olhos que vêem daquele lugar-nenhum

e olhos que julgam distâncias,

o quão alto ou baixo.


Você possui duas lojas

e corre de uma para a outra.


Tente fechar aquela que é uma assustadora armadilha,

que fica cada vez menor, dê um xeque-mate assim.

Dê um xeque-mate nela.


Mantenha aberta a loja

na qual você não está mais vendendo anzóis,

que você é o peixe nadando livremente.


_____________________________________



Cada árvore, cada coisa que cresce

diz esta verdade conforme cresce:


Você colhe o que você planta.


Com a vida tão curta quanto meia respiração,

não plante nada além de amor.

O valor de um ser humano poder ser medido

pelo que ele quer mais profundamente.


Liberte-se de possuir coisas.

Sente-se numa mesa vazia. Fique satisfeito com água,

com o gosto de estar em casa. As pessoas viajam o mundo

à procura do Amigo, mas Ele está sempre em casa!

Jesus move-se rapidamente para Maria. Um asno

pára para cheirar a unira de outro asno.


Há simples razões para o que acontece:


você não ficaria sóbrio por muito tempo se sentasse

com aquele que despeja o vinho. Alguém com

um copo de mel nas mãos raramente tem

uma cara azeda. Se alguém diz um louvor,

deve haver um funeral por perto. Uma rosa

abre porque ela é a fragrância que ela ama.


Falamos poemas e os amantes através dos séculos

continuarão dizendo-os.


O tecido que Deus costura não se desgasta.


____________________________________


Às vezes você adentra o coração. Às vezes

você é nascido da alma. Às vezes você canta

um lamento de separação: tudo a mesma glória.

Você vive em lindas formas e é a energia que revela

imagens. Toda luz, nem isso nem aquilo.

Os seres humanos vão a lugares à pé, os anjos, com asas.

Mesmo se eles não encontram nada além de ruínas e fracasso,

você é o resplandescente cerne daquilo. Quando os anjos

e os humanos estiverem livres de pés e asas, eles entenderão

que você é aquela falta, pura ausência.

Você está nos meus olhos como o gosto de um vinho

que bloqueia minha compreensão. Essa ignorância

glorifica. Você fala e preenche a fala: reino, finanças,

fogo, fumaça, os sentidos, incenso: todos são seus preferidos!


Um barco, Noé, bênçãos, sorte, dificuldades que

sem querer nos atraem para o tesouro: olhe,

ele foi afastado para longe de seus amigos!

Ninguém o verá novamente. Essa é a sua história.

Pergunto-lhe: “Deveria falar com esse aí?

Ele está sedo atraído para mim?” Silêncio. Esse também.


O que é o desejo? O que é isso! Não ria, minha alma.

Mostre-me um caminho através desse desejar.


O mundo todo lhe ama, mas você não está em parte alguma

para ser encontrado. Escondido e completamente óbvio.

Você é a alma! Você me ferve numa panela e depois

pergunta porque estou derramando. É hora de ter paciência?

Seu ser reluzente. Meu coração é uma panela. Esse escrever,

o relato de estar sendo despedaçado em seu fogo, como o incenso

que tornar-se realmente ele mesmo quando queimado.

Já chega dessa conversa sobre queimar! Tudo, mesmo

o fim deste poema, é um gosto de sua glória.


______________________________



O que é o profundo escutar? Sama é uma saudação

dos secretos dentro do coração, uma letra. Nos ramos

de sua inteligência crescem folhas novas no vento

desse escutar. O corpo alcança uma paz.

O som do galo chega, lembrando-lhe do seu amor

pelo amanhecer. A flauta e os lábios do cantor:

a habilidade de como o espírito sopra dentro de nós

torna-se tão simples e comum quanto comer e beber.


Os mortos levantam-se com o prazer do escutar.

Se alguém não pode ouvir a melodia do trompete

jogue terra em sua cabeça e declare-o morto.


Escute e sinta a beleza de sua separação,

a ausência indizível.


Há uma lua dentro de cada ser humano.

Aprenda a ser companheiro dela.

Dê mais de sua vida a esse escutar.

Assim como a claridade está para o tempo,

você está para aquele que fala para o ouvido

fundo no seu peito.

Eu deveria vender minha língua e comprar

mil ouvidos quando ele se aproxima e começa a falar.