quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Bhagavan Ramana Maharshi - Anubhava & Arudha (experiência e aquisição)


Anubhava (Experiência)


1. O que é a luz da consciência?
É a existência-consciência auto-luminosa que revela àquele que vê, o mundo dos nomes e formas, tanto dentro quanto fora. A existência dessa existência-consciência pode ser deduzida pelos objetos iluminados por ela. Ela não se torna o objeto da consciência.
2. O que é conhecimento (vijnana)?
É aquele estado tranquilo de existência-consciência que é experimentado pelo aspirante e que é como o oceano sem ondas ou o éter imóvel.
3. O que é graça?
É a experiência de alegria (ou paz) no estado de vijnana, livre de todas as atividades e semelhante ao sono profundo. Também é chamada de estado de kevala nirvikalpa (permanecer sem conceitos).
4. Qual é o estado além da graça?
É o estado de incessantes paz de espírito que é encontrado num estado de absoluta tranquilidade, Jagrat-sushupti (literalmente, dormir com consciência) que se assemelha a um sono profundo inativo. Nesse estado, apesar da atividade do corpo e dos sentidos, não há consciência externa, como uma criança imersa no sono (que não está consciente do alimento que lhe é dado por sua mãe). Um yogi que está neste estado está inativo mesmo quando engajado em atividades. Isso também é chamado de Sahaja nirvikalpa samadhi (estado natural de absorção em si mesmo sem conceitos).
5. Que autoridade há para dizer que todos os mundos, móveis e imóveis dependem de nós mesmos (de nosso ser)?
O Ser significa o ser encarnado. É só depois que a energia, que estava latente no estado de sono profundo, emerge com a idéia de "eu" que todos os objetos são experimentados. O Ser está presente em todas as percepções como o percebedor. Não existem objetos a serem observados quando o "eu" está ausente. Por todas essas razões, pode-se dizer sem dúvida que tudo sai do Ser e volta para o Ser.
6. Uma vez que os corpos e os seres que os animam estão em toda parte sendo de fato observados como sendo inúmeros, como pode-se dizer que o Ser é apenas um?
Se a idéia "eu sou o corpo" é aceita, os seres são múltiplos. O estado no qual essa idéia desaparece é o Ser, pois nesse estado não há outros objetos. É por essa razão que o Ser é considerado como apenas um.
7. Qual é a autoridade para dizer que Brahman pode ser apreendido pela mente e ao mesmo tempo que não pode ser apreendido pela mente?
Ele não pode ser apreendido pela mente impura, mas pode ser apreendido pela mente pura.
8. O que é mente pura e mente impura?
Quando o poder indefinível de Brahman separa-se de Brahman e, em união com o reflexo da consciência (Chidabhasa) assume várias formas, ele é chamado de mente impura. Quando ele se torna livre da reflexão da consciência (abhasa), através da discriminação, é chamado de mente pura. Seu estado de união com Brahman é a sua apreensão do Brahman. A energia que é acompanhada pela reflexão da consciência é chamada de mente impura e seu estado de separação de Brahman é a sua não apreensão de Brahman.
9. É possível superar, mesmo enquanto o corpo existe, o karma (prarabdha) que é dito durar até o fim do corpo?
Sim. Se o agente (o fazedor) do qual o karma depende, ou seja, o ego, que passou a existir entre o corpo e o Ser, se fundir em sua fonte e perder sua forma, poderá o karma que depende somente dele sobreviver? Portanto, quando não há 'eu' não existe karma.
10. Sendo que o Ser é a existência e a consciência, qual é a razão de descrevê-lo como diferente do existente e do inexistente, do sensciente e insensciente?
Embora o Ser seja real, uma vez que engloba tudo, não dá espaço para perguntas envolvendo dualidade sobre a sua realidade ou irrealidade. Por isso, Ele é dito ser diferente do real e do irreal. Da mesma forma, mesmo que Ele seja a consciência, sendo que não há nada para ele conhecer ou fazer-se ser conhecido, diz-se que Ele é diferente do sensciente e do insensciente.



Arudha (Aquisição)

1. O que é o estado de aquisição do conhecimento?
É a permanência firme e sem eforço no Ser onde a mente que se tornou um com o Ser não mais emerge subsequentemente em nenhum momento. Ou seja, assim como todas as pessoas normal e naturalmente têm a idéia: 'Eu não sou uma cabra, nem uma vaca, nem qualquer outro animal, mas sou um ser humano', quando a pessoa pensa a respeito do seu corpo, assim também quando tem a idéia: 'Eu não sou os princípios (Tattwas) que começam com o corpo e terminam com o som (nada), mas sou o Ser que é consciência, existência, e graça, a autoconsciência inata (atma prajna)', é dito que ela atingiu firme conhecimento.
2. A qual dos sete estágios de conhecimento (jnana bhoomikas*) pertence o sábio (jnani)?
Ele pertence ao quarto estágio.
* Os sete bhoomikas jnana são: (I). subheccha (o desejo pela iluminação); (Ii). vicharana (inquirição); (Iii). tanumanasa (mente tênue); (Iv). satwapatti (autorealização); (V). asamsakti (desapego); (Vi). padarthabhavana (não-percepção dos objetos); (Vii). turyaga (transcendência);
Aqueles que atingiram os quatro últimos bhoomikas são chamados brahmavid, brahmavidvariya brahmavidvara e brahmavidvaristha respectivamente.
3. Se é assim, porque há três fases superiores à essa?
As marcas do quarto ao sétimo estágio baseam-se na experiência da pessoa realizada (jivanmukta). Não são estados de conhecimento e de liberação. No que diz respeito ao conhecimento e à liberação nenhuma distinção é feita nesses quatro estágios.
4. Se a liberação é comum a todos, porque somente o varistha (o mais excelente) é execivamente louvado?
A experiência comum de grça do varistha é exaltada somente por causa do mérito especial adquirido por ele em seus nascimentos anteriores, que são a causa disso.
5. Como não há ninguém que não deseje experimentar constante bem-aventurança, por que todos os sábios (jnanis) não atingem o estado de varistha?
Não é um estado para ser atingido por mero desejo ou esforço. O karma (prarabdha) é a sua causa. Uma vez que o ego morre junto com sua causa mesmo no quarto estágio (bhoomika), que agente estará lá além desse estágio para desejar algo ou fazer esforços? Enquanto fizerem esforços não serão sábios (jnanis). Os textos sagrados (srutis) que especialmente mencionam o varistha dizem que os outros três são pessoas não iluminadas?
6. Se alguns textos sagrados dizem que o estado supremo é aquele no qual os órgãos dos sentidos e da mente são completamente destruídos, como é possível que esse estado seja compatível com a experiência do corpo e com os sentidos?
Se assim fosse não haveria qualquer diferença entre esse estado e o estado de sono profundo. Além disso, como pode-se dizer que ele é o estado natural quando existe em um momento e não em outro? Isso acontece, como foi dito antes, para algumas pessoas de acordo com seu karma (prarabdha) por algum tempo ou até a morte. Não pode ser considerado propriamente como o estado final. Se pudesse, isso significaria que todas as grandes almas e o Senhor, que foram os autores dos trabalhos do Vedanta (jnana granthas) e os Vedas, eram pessoas não-iluminadas. Se o estado supremo é aquele em que nem os sentidos nem a mente existem e não o estado em que eles existem, como poderia ser o estado perfeito (paripurnam)? Como o karma é o único responsável pela atividade ou pela inatividade dos sábios, as grandes almas têm declarado apenas o estado de Sahaja nirvikalpa (o estado natural sem conceitos) como sendo o estado final.
7. Qual é a diferença entre o sono profundo normal e o sono profundo desperto (Jagrat sushupti)?
No sono ordinário não apenas não há pensamentos como também nenhuma consciência. No sono profundo acordado há apenas a consciência. É por isso que é chamado de despertar enquanto dorme, ou seja, o sono em que há consciência.
8. Porque o Ser é descrito como o quarto estado (turiya) e também além do quarto estado (turiyatita)?
Turiya significa aquilo que é o quarto. Os experimentadores (jivas) dos três estados de vigília, sonho e sono profundo, conhecidos como Taijasa, visva e prajna, que vagueiam sucessivamente nesses três estados, não são o Ser. É com o objetivo de tornar isso claro, ou seja, que o Ser é aquilo que é diferente deles e que é a testemunha desses estados, que ele é chamado de o quarto (turiya). Quando isso é conhecido, as três experiências desaparecem e a idéia de que o Ser é uma testemunha, de que é o quarto, também desaparece. É por isso que o Ser é descrito como além do quarto estado (turiyatita).
9. Que benefício o sábio obtém dos livros sagrados (srutis)?
O sábio que é a personificação das verdades mencionadas nas escrituras não tem nenhuma necessidade delas.
10. Existe alguma ligação entre a obtenção de poderes sobrenaturais (siddhis) e a liberação (mukti)?
Apenas a inquirição iluminada conduz à libertação. Os poderes sobrenaturais são todos aparências ilusórias criadas pelo poder de maya (mayashakti). A autorealização que é permanente é a única aquisição verdadeira (siddhi). Aquisições que aparecem e desaparecem, sendo o efeito de maya, não podem ser reais. São adquiridas com o objetivo de desfrutar de fama, prazeres, etc E vêm sem serem requisitados para algumas pessoas através do seu karma. Saiba que a união com Brahman é o objetivo real de todas as aquisições. Esse é também o estado de liberação (aikya mukti), conhecido como união (sayujya).
11. Se essa é a natureza da libertação (moksha) porque é que algumas escrituras conectam-na com o corpo e dizem que a alma individual pode alcançar a liberação somente enquanto ela estiver no corpo?
É somente se o aprisionamento é real que a liberação e a natureza de suas experiências têm de ser consideradas. O Ser (Purusha) não tem realmente aprisionamento em nenhum dos quatro estados. Sendo o aprisionamento apenas uma suposição verbal de acordo com a proclamação enfática do sistema de Vedanta, como a questão da liberação, que depende da questão do aprisionamento, pode surgir quando não existe aprisionamento? Sem conhecer essa verdade, investigar a natureza da escravidão e da libertação, é como inquirir sobre uma altura ou uma cor inexistente, ou sobre o filho de uma mulher estéril ou os chifres de uma lebre.
12. Se assim é, as descrições da escravidão e libertação encontradas nas escrituras não tornam-se irrelevantes e irreais?
Não. Pelo contrário, a ilusão do aprisionamento fabricada pela ignorância desde tempos imemoriais só pode ser removida pelo conhecimento, e por isso o termo "liberação" (mukti) tem sido geralmente aceito. Isso é tudo. O fato de as características da liberação serem descritas de diferentes formas prova que são imaginárias.
13. Se esse é o caso, não são todos os esforços, como o estudar, ouvir os ensinamentos, refletir, etc, inúteis?
Não, eles não são. A firme convicção de que não há aprisionamento e nem liberação é o propósito supremo de todos os esforços. Como esse propósito de ver descaradamente, através da experiência direta, que o aprisionamento e a liberação não existem, não pode ser alcançado, exceto com o auxílio das práticas citadas, esses esforços são úteis.
14. Existe alguma autoridade para dizer que não há aprisionamento e nem liberação?
Isto é decidido por força da experiência e não apenas por força das escrituras.
15. Se isso é experimentado, como fazemos para experimentar?
"Liberação" e "aprisionamento" são meros termos linguísticos. Eles não têm realidade própria. Portanto, não podem funcionar por conta própria. É necessário aceitar a existência de alguma coisa básica da qual eles são modificações. Se alguém pergunta: 'para quem existe aprisionamento e liberação?' Verá que: 'são para mim'. Se a pessoa pergunta: 'Quem sou eu? ', verá que não há tal coisa como o 'eu'. Será, então, tão claro como um fruto amalaka em sua mão que o que resta é o seu Ser real. Como essa verdade será natural e claramente experimentada por aqueles que deixarem de lado meras discussões verbais e inquirirem para dentro de si mesmos, não há dúvida de que todas as pessoas realizadas, uniformemente não vêem nem escravidão nem liberação para o Ser verdadeiro.
16. Se realmente não há escravidão nem a libertação qual é a razão para a experiência real de alegrias e tristezas?
Eles parecem ser reais somente quando a pessoa se desvia da sua natureza real. Elas realmente não existem.
17. É possível para todos conhecermos diretamente, sem dúvida, o que é exatamente a nossa verdadeira natureza?
Sem dúvida é possível.
18. Como?
A experiência de todas as pessoas é que mesmo nos estados de sono profundo, desmaio, etc - quando o universo inteiro, móvel e imóvel, começando com a Terra e terminando com o não-manifesto (prakriti), desaparece, - ela mesma não desaparece. Portanto, o estado de puro ser que é comum a todos e que é sempre experimentado diretamente por todos é nossa verdadeira natureza. A conclusão é que todas as experiências no estado iluminado, bem como no estado ignorante, que podem ser descritas por palavras e mais palavras, são opostas à nossa natureza real.