sexta-feira, 24 de setembro de 2010

P. D. Ouspensky - Consciência Moral, Amortecedores, Traço Principal

Sr. Ouspensky: O que é moralidade? É a compreensão das leis de conduta? Não é suficiente. Se dissermos, como um selvagem ou como nossos amigos os bolcheviques dizem: 'Se você rouba de mim é ruim, mas se eu roubar de você é bom', não é moral, é um mero comportamento selvagem. Porque a moral começa quando temos um sentimento de bom e ruim em relação às nossas próprias ações e somos capazes de sacrificar o que é ruim, de não fazemos o que consideramos ser ruim e fazer o que consideramos ser bom.
O que é bom? E o que é ruim? Geralmente, nesta primeira fase, o homem toma os princípios morais de idéias religiosas, filosóficas ou científicas, ou simplesmente adota tabus convencionais. Ele acredita que algumas coisas são boas e algumas coisas são ruins. Mas essa é a moralidade subjetiva, porque o que é bom em um país é ruim em outro. Por exemplo, eu dei o exemplo antes da vingança pela honra familiar. Em alguns países recusar essa vingança de sangue é considerado muito imoral. Portanto, tudo é relativo e subjetivo. Tudo o que pode ser dito sobre a moralidade comum é que ela não tem qualquer fundamento, nenhuma base. Algumas pessoas dizem que a destruição de uma vida é definitivamente ruim. Mas por que é melhor matar um porco do que um homem?
E, por que, em um caso um homem pode matar e em outro não? Tudo o que é conhecido sobre a moralidade comum é cheio de contradições. O objetivo deste sistema (as idéias apresentadas pelo Sr. Gurdjieff) é levar o homem à consciência moral objetiva. A consciência moral é uma certa qualidade que existe em todo homem normal. É realmente uma expressão diferente da mesma qualidade da Consciência. Apenas a consciência trabalha mais o lado intelectual e a consciência moral mais sobre o lado moral: ela ajuda a perceber o que é bom e o que é ruim na conduta da pessoa. Como funciona a consciência moral? Unindo emoções. Nós podemos experimentar no mesmo dia um grande número de emoções contraditórias, agradáveis ou desagradáveis, sobre o mesmo assunto, até mesmo uma após a outra, ou mesmo simultaneamente. E nós não notamos isso por causa da falta de consciência moral. Os amortecedores impedem que um 'eu' ou uma personalidade veja a outra. Mas em um estado de consciência moral um homem não pode deixar de ver todas essas contradições. Se na parte da manhã ele disse uma coisa, à tarde outra, à noite ainda outra, ele vai se lembrar disso. Mas na vida ele não vai se lembrar disso, ou ele irá insistir que não sabe o que é bom e o que é ruim. O caminho para a consciência é através da destruição dos amortecedores. Os amortecedores podem ser destruídos através da lembrança de si, da não-identificação, etc.
A idéia da consciência moral e a idéia dos amortecedores necessita de um longo estudo. Mas o que pode ser entendido desde o início, se quisermos falar sobre o lado moral, é que um homem deve ter um sentido de certo e errado. Se ele não tiver, nada pode ser feito. Ele deve começar com um certo senso moral, um senso de certo e errado, para conseguir mais. Ele deve entender, em primeiro lugar, a relatividade da moral comum, e, em segundo, ele deve perceber a necessidade de um certo e errado objetivo. Quando ele perceber a necessidade de um certo e errado permanente e objetivo, ele vai olhar para as coisas do ponto de vista do sistema.
O sistema começa com a possibilidade de um estado objetivo de consciência, e, portanto, de verdade objetiva. O sistema diz que em um estado de consciência objetiva o homem pode conhecer a verdade objetiva.
Em nosso entendimento comum a verdade objetiva refere-se mais ao lado intelectual da vida. Um homem pode dizer que quer saber também do lado religioso, o lado moral, estético, etc. O sistema explica que os homens de diferentes níveis: nº. 1, 2, 3, 4, 5, 6 e 7 estão em uma posição diferente. Há diferentes níveis de religião, nº. 1, nº. 2, nº. 3, nº. 4, etc. E há moralidade nº. 1, 2, 3, 4, 5, etc. Isso não significa que estão erradas, mas que uma não pode ser explicada pelas outras. Cristo, se o considerarmos, deveria ser homem n.º 8. Ele não pregou a inquisição. Mas se seu ensinamento é distorcido pelos homens nº. 1, 2 e 3 e utilizado para fins criminosos, isso não pode ser atribuído a Cristo.
Voltando novamente à moralidade, um homem deve, em primeiro lugar, ter um senso moral. Em segundo lugar, ele deve ser suficientemente cético com relação à moralidade ordinária e os princípios morais ordinários. Ele deve entender que não há nada geral, nada permanente neles, deve entender que eles mudam de acordo com as convenções, com o local e o período. E, em terceiro lugar, ele deve compreender a necessidade de moralidade objetiva. Se entender essas três coisas, então vai encontrar uma base para distinguir o que é certo e o que é errado em relação a cada coisa separada, e irá distinguir o que é criminoso do que não é. Pois há padrões definidos, se iniciamos corretamente. A coisa toda é começar do ponto de vista certo. Se começarmos de um ponto de vista errado, não encontraremos nada.
Pergunta: Como posso confiar em meu próprio senso de certo e errado?
Sr. O: Você não pode confiar ou desconfiar. Ele está aí. Esse não é o ponto. Você pode apenas hesitar e ficar em dúvida em relação ao objeto. Certamente, sem conhecimento, sem desenvolvimento, sem a consciência moral objetiva não se pode dizer definitivamente se é certo ou errado, mas você pode estar a caminho disso.
P: Você disse que a consciência moral objetiva é a unidade de emoções. Poderia explicar melhor isso?
Sr. O: É a capacidade de ver todas as emoções ao mesmo tempo. Você tem muitas emoções opostas e muitas verdades opostas e você nunca vê as contradições. Você deve começar por observar como um sentimento contradiz o outro. Se você não observou isso, não conseguirá ver o que quero dizer. Você tem muitas opiniões, visões e sentimentos contraditórios.
Num momento gosta de algo, num outro momento odeia aquilo, etc. Mas você não percebe isso. Você não pode separá-los.
P: Eles estão separados por diferentes momentos do tempo?
Sr. O: Eles podem existir ao mesmo tempo.
P: Se adotarmos um critério, seria saber se uma determinada coisa ajuda ou atrapalha a consciência?
Sr. O: O critério deve estar em conexão com o sistema. Sem um sistema (não me refiro apenas a este sistema, mas você deve ter um sistema), você não pode julgar. Você pode ter um sentimento de certo e errado, mas você não saberá. Portanto, você deve ser guiado por um sistema.
P: Você faz uma distinção entre o que é criminoso e o que é muito ruim?
Sr. O: É difícil falar a respeito de palavras.
P: Eu não consigo visualizar um estado onde vemos tudo de uma vez.
Sr. O: Você não pode. Nós não podemos ter consciência moral objetiva, assim como não podemos ter consciência. Mas quanto mais nos tornarmos conscientes, mais frequentemente virão momentos onde começaremos a sentir a consciência moral. Porém, atualmente a consciência moral objetiva é teórica para nós, não podemos experimentar com ela.
P: Há algo na religião cristã incompatível com o este sistema?
Sr. O: Cristo ensinou no nível do homem nº. 8. Então o que podemos saber sobre a religião cristã? É uma questão de níveis.
P: Refiro-me à visão aceita correntemente.
Sr. O: Não existe uma visão aceita. As pessoas sempre discutem sobre a interpretação do ensinamento cristão. Quantas guerras, quantas discussões aconteceram por causa de coisas pequenas! Da mesma forma, eu acho que é uma boa idéia para ilustrar, o fato da revolução russa ter sido proveniente de uma discussão no século XVII que surgiu na Igreja Russa. Algumas pessoas disseram que você tinha que fazer o sinal da cruz com dois dedos e outras diziam que era com três. Como resultado, criou-se dois sectos e destruiu-se a possibilidade da existência da classe média na Rússia. E a ausência da classe média foi a causa da revolução.
Se você pegar o Novo Testamento original ele é incompreensível para nós. Nós não sabemos o seu real significado. Conhecemos apenas palavras e interpretações diferentes delas. Temos de chegar aos fatos, aonde realmente estamos.
P: Você poderia falar mais sobre o certo e errado objetivos em conexão com o sistema?
Sr. O: Se fizermos uma idéia geral sobre isso será inútil, porque seria superficial de mais. Eu dei um exemplo: mecanicidade e consciência. Há muitos outros exemplos.
P: Percebo que a moralidade comum não existe, mas não consigo encontrar nada além.
Sr. O: Você deve perceber que ela não existe, que é contraditória.
P: Mas se eu não consigo encontrar nada além disso?
Sr. O: Se você perceber isso, a partir deste ponto você pode começar. Você não pode encontrar em um dia. É necessário o desenvolvimento da consciência (consciousness) e da consciência moral (conscience). O caminho para a compreensão da moralidade objetiva é através do desenvolvimento da consciência moral.
P: A lembrança de si ajuda nisso?
Sr. O: Este é o caminho.
P: Mas ela é diferente?
Sr. O: Certamente. A lembrança de si é apenas uma tentativa, apenas o primeiro passo para a consciência. Mas, eventualmente, leva a isso.
P: De que modo seremos diferentes com a consciência despertada?
Sr. O: Você não estará tanto no poder dos amortecedores. Adormecido você está completamente sob o domínio dos amortecedores. Os amortecedores são dispositivos mecânicos que nos impedem de ver a verdade. Destrua os amortecedores e você começará a ver a verdade. Talvez seja muito desagradável.

P: Como é que se começa a despertar a consciência moral?

Sr. O: Não mentindo para si mesmo.
P: Então a realização da verdade destrói todos os amortecedores?

Sr. O: Não, amortecedores devem ser destruídos antes.
P: A percepção emocional da verdade varia de acordo com a pessoa? Uma pessoa tem uma visão diferente da outra.
Sr. O: Isso não pode ocorrer em se tratando da consciência moral. Será a mesma coisa. A pessoa não aprende o que é a verdade. Ela apenas a vê se a consciência moral começa a despertar. Mas é preciso começar a remover amortecedores reais.
P: O despertar de consciência moral é acompanhado da aprendizagem do objetivo real?
Sr. O: Como se pode aprendê-lo sem isso? O método não é inventado.
P: É uma questão de sensibilidade?

Sr. O: Talvez muita sensibilidade sem os amortecedores.
P: Quando você diz que a consciência moral é a compreensão emocional da verdade, a verdade é uma abstração?
Sr. O: Não, é um fato, não uma abstração.
P: Sobre uma questão específica de um determinado momento?
Sr. O: Sim, caso específico, relação específica, sempre específico.
P: Se sentimos a consciência moral, pode haver amortecedores ao mesmo tempo?
Sr. O: Ou é um ou o outro, não ambos ao mesmo tempo.
P: Podemos saber por nós mesmos que estamos mentindo para nós mesmos?
Sr. O: Você sempre sabe. Mas isso não impede que aconteça.
P: Por que não podemos parar de mentir para nós mesmos? É preguiça?
Sr. O: Simplesmente é agradável.
P: O que é um amortecedor? A convicção religiosa é um amortecedor?
Sr. O: Nós nunca falamos sobre coisas religiosas. Não, é uma espécie de auto-proteção do próprio homem para evitar a verdade.
P: Os amortecedores não significam falta de compreensão?
Sr. O: Não, geralmente a pessoa sabe do que ela está se protegendo.
P: Significa o desejo de não compreender?
Sr. O: Isso mesmo. Às vez dou exemplos. Muito tempo atrás havia um homem em Moscou que estava sempre atrasado. Seu amortecedor era que ele nunca se atrasava. Ele estava tão certo disso, que depois de ter criado o amortecedor ele podia se atrasar quantas vezes quisesse.
P: Uma pessoa mecânica pode desenvolver o equivalente de amortecedores que a tornem incapaz de desenvolver a consciência?
Sr. O: As coisas mecânicas se desenvolvem mecanicamente. Mas as coisas opostas só podem ser desenvolvidas de forma consciente.
P: A consciência moral é principalmente a percepção de que estamos dormindo?
Sr. O: Não, não, você deve começar com a consciência. Nós não podemos nos lembrar de nós mesmo. Não estamos cientes de nós mesmos. A pessoa precisa ter êxito nos seus esforços de estar mais consciente de maneira consistente. Quanto tempo podemos estar conscientes de nós mesmos? Um segundo é melhor que nada. Mas você não pode fazer muito com isso. Você não pode aprender chinês aprendendo uma palavra por dia.
P: A consciência moral entra em jogo apenas em relação a outras pessoas?
Sr. O: Lampejos são possíveis. Muito antes de termos o controle da consciência podemos ter vislumbres de consciência moral.
P: O conteúdo da consciência moral muda continuamente?
Sr. O: A direção sim, o conteúdo não. Um dia você encontra uma aplicação, outro dia, outra. A consciência lhe morde.

P: Qual é a natureza da verdade que a nossa consciência reconhece?

Sr. O: A consciência percebe verdades simples em relação às pessoas, ao que elas dizem e fazem.
P: Existem graus de consciência moral?
Sr. O: É igual à consciência (consciousness). Quanto tempo você pode se lembrar a si mesmo? Um minuto, dois minutos? É o mesmo com a consciência moral (conscience).
P: O que é especialmente importante fazermos a fim de despertar a consciência moral?
Sr. O: Falamos sobre muitas coisas. É útil pensar: o que a lembrança de si é? por que não podemos nos lembrar? Você não pode viver de uma coisa apenas. Há muitas coisas que ajudam o despertar da consciência. O estudo dos amortecedores, por exemplo.
P: Nós nos iludimos sobre o despertar da consciência quando não fazemos nada a respeito?
Sr. O: Correto. É necessário sacudi-la um pouco.
P: Como é que começamos a estudar os amortecedores?
Sr. O: Tente entender primeiro o que são os amortecedores.

P: Temos que parar de mentir para nós mesmos em primeiro lugar?
Sr. O: É muito útil. Comece com isso e num período relativamente curto você chegará a isso.
P: Podemos pensar nos amortecedores como contradições em nóNegritos mesmos?
Sr. O: Não, as contradições são o resultado dos amortecedores.
P: O objetivo deste trabalho é nos ajudar a chegar ao despertar pleno da consciência moral?
Sr. O: Não se pode colocar especificamente assim. No caminho para ter consciência (consciousness) você tem que despertar a consciência moral (conscience). Caso contrário, você vai tropeçar em alguma coisa. Você pode descrever o propósito do trabalho como o despertar da consciência (consciousness).
P: Os amortecedores são uma forma de mentir para nós mesmos?
Sr. O: Como pode um amortecedor existir sem isso? Nem o próprio homem, nem os outros percebem que é uma mentira.

P: Como é que um amortecedor começa a se desenvolver?
Sr. O: Uma criança pode cair e isso pode criar um amortecedor, ela pode dizer: "eu nunca caio".


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Sr. Ouspensky: Podemos entender o que a mecanicidade é e todo o horror da mecanicidade, apenas quando fazemos algo horrível e percebemos plenamente que foi a mecanicidade em nós que nos fez fazer aquilo. Se tentarmos encobrir isso, encontrarmos desculpas e explicações, nunca iremos percebê-la. É preciso ser muito sincero consigo mesmo para poder vê-la. Isso pode machucar muito, mas temos de aguentar e tentar entender que somente ao confessarmos inteiramente primeiro a nós mesmos e talvez, em seguida, às outras pessoas, se formos instruídos a fazê-lo, é que poderemos evitar de repetir aquilo de novo e de novo. Nós podemos até mesmo mudar os resultados através da compreensão total e completa e ao não tentar esconder. Essa é a única maneira possível. Se ficamos com medo disso, se ficamos negativos e ressentidos quando somos informados sobre o assunto e quando nos pedem para sermos sinceros a esse respeito, jamais haverá alguma chance e alguma possibilidade para nós de escaparmos dos tentáculos da mecanicidade. Somos escravos dela mas podemos diminuir a sua força através de grande sofrimento. Se tentarmos evitar o sofrimento, se tentarmos convencer-nos de que nada realmente aconteceu e de que as coisas podem seguir assim como vinham acontecendo antes, não apenas nunca escaparemos, mas ficaremos cada vez mais mecânicos, e muito em breve chegaremos a um estado tal que não haverá nenhuma possibilidade para nós e nenhuma chance. Na vida é sempre assim. Mas no trabalho sobre si há uma chance. Somente a sinceridade e o reconhecimento completo do fato e de seus resultados inevitáveis, pode nos ajudar a encontrar e destruir os amortecedores com a ajuda dos quais enganamos a nós mesmos. Os amortecedores, nesse caso, são sempre relacionados com a auto-justificação e com a auto-desculpa. Às vezes a auto-piedade é adicionada a eles, às vezes o ressentimento com as outras pessoas, às vezes acusações e maus sentimentos. "Eles me fizeram fazer isso", "não tínhamos a intenção de fazê-lo”. Ou, podemos dizer e repetir para nós mesmos que, afinal, isso não é importante (o que também é uma expressão de amortecedor). As pessoas podem fazer coisas realmente terríveis, tendo convencido a si mesmas de que aquilo não é importante.

Pergunta: O que são os amortecedores?
Sr. O: Falaremos disso um pouco mais tarde. Entretanto, só posso dizer isso: os amortecedores estão conectados com a consciência moral. Consciência é uma palavra que usamos em geral no sentido convencional, querendo dizer uma espécie de hábito emocional educado. Realmente, a consciência moral é uma capacidade especial que todos possuem mas que ninguém pode usar no estado de sono desperto. Mesmo se sentirmos a consciência moral por um momento, acidentalmente, isso será uma experiência muito dolorosa, tão dolorosa que imediatamente queremos nos livrar dela. Pessoas que têm lampejos dela ocasionalmente, inventam todos os tipos de métodos para se livrarem desse sentimento. É a capacidade de sentir, ao mesmo tempo, tudo o que sentimos em momentos diferentes. Tente entender que todos esses diferentes "eus" têm sentimentos diferentes. Um 'eu' sente que gosta de algo, enquanto outro odeia aquilo e um terceiro 'eu' é indiferente. Mas nós nunca sentimos eles ao mesmo tempo porque entre eles existem essas coisas chamadas de amortecedores. Por causa deles nós não podemos usar a consciência moral, não podemos sentir ao mesmo tempo duas coisas contraditórias que sentimos em momentos diferentes. Se acontecer de um homem sentir isso, ele sofrerá. Então, os amortecedores em nosso estado atual são até mesmo coisas necessárias, sem as quais um homem ficaria louco. Se ele entende-los e preparar-se, depois de algum tempo poderá começar a destruir as contradições e destruir os amortecedores.
P: Qual é a natureza dos amortecedores?

Sr. O: É difícil descrever. Quando aprender a observar os amortecedores você vai conhecer a sua natureza. Mas posso dar alguns exemplos. Às vezes, os amortecedores são convicções muito profundas através das quais o homem não pode ver a si mesmo.
P: Um amortecedor que separa duas personalidades opostas sempre consiste de duas idéias, uma correspondente a cada personalidade?
Sr. O: Os amortecedores não são idéias. São apenas amortecedores. Algo que não pode ser descrito, é uma questão para sua observação sobre si mesmo e sobre as outras pessoas. Eles podem ter uma frase que torne impossível ver de uma personalidade para outra, mas não são as idéias.
P: Por que usamos o termo "amortecedor" e não, por exemplo, a palavra "desculpas"?
Sr. O: Porque não é desculpa. É apenas um amortecedor. Há uma grande diferença entre dar desculpas e um amortecedor. As desculpas podem ser diferentes a cada vez. Se a desculpa é sempre a mesma, então torna-se um amortecedor. Você tem de pensar sobre as desculpas, encontrá-las. O amortecedor está sempre lá.
P: Os amortecedores seriam os meios de despertar a consciência moral, em caso afirmativo, de que tipo?
Sr. O: Não, esta é uma troca que a mente mecânica pensa. Os amortecedores ajudam a manter a consciência moral adormecida, portanto, não podem ser considerados como ajuda.
P: O que você quis dizer quando disse que muitas coisas desagradáveis podem acontecer se a consciência moral não estiver pronta para despertar?
Sr. O: Isso é o que eu quis dizer. O resto, quando acontecer você vai saber.
P: Para despertar a consciência moral não temos de eliminar os amortecedores?
Sr. O: Quando os amortecedores são apenas sacudidos, a consciência desperta.
P: Como podemos descobrir quais são os nossos amortecedores?
Sr. O: Às vezes é possível. Se a pessoa tiver a idéia correta sobre os amortecedores, ela poderá encontrar os seus.

P: Existe alguma coisa permanente em nós?

Sr. O: Há duas coisas, os amortecedores e as fraquezas que às vezes são chamadas de traços, são realmente fraquezas, todo mundo tem uma, duas ou três fraquezas particulares e todos têm certos amortecedores em si mesmos, estão cheios de amortecedores, mas alguns são particularmente importantes, eles entram em todas as suas decisões e todos os seus entendimentos e assim por diante. Isso é tudo que é permanente em nós, e é sorte para nós que não haja mais nada permanente, pois essas coisas podem ser mudadas. Os amortecedores são artificiais, eles não são orgânicos, são adquiridos principalmente por imitação; as crianças começam a imitar os adultos e criam amortecedores e alguns são criados pela educação despercebidamente; os traços, as fraquezas, podem ser descobertos às vezes, e se a pessoa conhece seu traço e se começa a mantê-lo em mente e lembrar-se dele, então poderá encontrar um determinado momento em que possa não agir a partir do traço. Os traços são muito interessantes, essas fraquezas, pois às vezes elas têm formas simples como por exemplo a preguiça, mas em alguns casos assumem formas tão bem dissimuladas que não existem palavras comuns para descrevê-los, têm de ser descritos por algum tipo de diagrama ou desenho, ou coisas desse tipo. Podemos falar em algum momento, mas vai ser em um grupo menor, quando será mais fácil falar sobre os traços, mas essas são as únicas coisas permanentes em nós, e essa é a nossa sorte, porque se houvesse algo mais de permanente seria impossível mudarmos.

P: Como podemos confiar em nosso próprio julgamento sobre os traços?
Sr. O: Você não pode, isso tem de ser falado para você e então você não vai acreditar no que lhe falaram, você vai dizer: 'tudo menos isso!' Mesmo se aceitar e não argumentar, você não vai ver a importância disso, pois, os traços são coisas muito engraçadas, todo mundo tem muitos traços, mas todos têm dois ou três que são particularmente importantes, pois eles entram em todas as decisões, todas as definição, cada coisa subjetivamente importante - tudo passa por eles, todas as percepções e todas as reações, mas é muito difícil perceber o que isso significa porque você está tão acostumado a eles que não os percebe, mesmo que sejam desenhados num quadro-negro.
P: Podemos encontrá-los através de observação?
Sr. O: A improbabilidade é muito grande, estamos demasiadamente dentro deles, não temos perspectiva o bastante. Mas o trabalho real, o trabalho sério, começa apenas a partir do traço. Isso não significa que seja absolutamente necessário, em muitos casos o traço não pode ser definido, será uma definição tão complicada que não terá nenhum valor prático. Nesse caso, é suficiente fazer a divisão geral "Eu e Ouspensky”, é necessário apenas entender o que é “eu” e o que é “Ouspensky”, qual deles é mentira e qual é sou eu mesmo. Mesmo se você admitir essa possibilidade de divisão, você vai colocar o que você gosta e o que não gosta, se gostar, você vai dizer que é o 'eu' e se não gostar vai dizer que não é. É um trabalho longo, não pode ser encontrado de uma vez, devem haver algumas indicações que possam ajudar a encontrar, por exemplo, se você formulou a sua meta em relação a este trabalho, se você disser "quero ser livre', essa é uma definição muito boa, mas o que é necessário? É necessário ter os resultados e compreender primeiro de tudo que você não é livre. Se você entender até que extensão você não é livre e se formular seu desejo de ser livre, então você vai ver em si mesmo que parte de si mesmo quer ser livre e que parte não quer ser livre, esse é o começo.
P: O traço principal deve necessariamente ser ruim?
Sr. O: Ele é a fraqueza principal, infelizmente não podemos pensar que o nosso traço principal seria um poder principal porque não temos poderes.
P: Como pode ser uma fraqueza, se não há a não-fraqueza?

Sr. O: Significa mecanicidade, somos mecânicos em todas as coisas, mas nessa coisa em especial somos particularmente mecânicos e particularmente cegos, é por isso que é a fraqueza principal, outras coisas que não são fraquezas nós podemos ver. Quando você começar a dividir-se você vai ver o que é mecânico, os gostos e desgostos. Podemos ver isso em torno de nós, pode ser através de algum tipo de torção psicológica que produz esse efeito como quando um relógio está funcionando mais lento, mas não é uma necessidade mecânica para o relógio ir devagar.
P: Se não há as não-fraquezas, como você pode comparar?
Sr O: Eu não entendo, mas suponha que haja uma fraqueza que podemos observar, ela se manifesta, mas se ela desaparecer a manifestação desaparecerá. Suponha que a pessoa tem um mau hábito, então, se o hábito desaparecer a manifestação desaparecerá.
P: O que você chamaria de fraqueza - os padrões éticos?
Sr. O: Não, a coisa em que você é mais mecânico, certamente se você não pode ver onde você está absolutamente impotente, você está mais adormecido, mais cego, porque você sabe que há graus em tudo e em todas as qualidades ou manifestações em nós, todas têm diferentes graus, se não houvessem graus em nós mesmos seria muito difícil de estudar. Nós podemos nos estudar apenas porque tudo em nós existe em diferentes graus. Mesmo o traço não é sempre o mesmo, é quase sempre o mesmo, porque é mecânico, mas às vezes é mais definitivamente expressado, às vezes, em casos muito raros, é mostrado muito pouco, só assim ele pode ser encontrado. Mas essa é uma dificuldade sobre os traços; considere a mecanicidade, sim, você é mecânico, mas em alguns casos, às vezes somos mais mecânicos, às vezes menos mecânicos, se estamos doentes, por exemplo, tornamo-nos mais mecânicos de imediato, não podemos resistir ao mundo externo e às coisas do mundo externo, nem mesmo como podemos resistir normalmente.
P: O desejo de ser livre certamente não é uma fraqueza.
Sr. O: Há desejos e desejos. Suponha que uma pessoa percebe que ela deseja livrar-se de uma fraqueza, ao mesmo tempo ela não deseja aprender métodos de como se livrar das fraquezas, ela acha que pode fazer isso por si mesma, nesse caso essa será uma segunda fraqueza para ajudar a primeira fraqueza, então não haverá nenhum resultado.
P: Mas se alguém fizer um esforço constante?
Sr. O: Novamente isso pertencerá a outro lado de você, do que você chama de 'você'. Isso não significa que é poder ou força, é apenas a combinação de certos desejos, desejos de se livrar de algo. Se você perceber que algo está errado e você formular o desejo de se livrar disso, e se mantiver isso em mente um tempo suficientemente longo, então torna-se um determinado plano de ação, e se essa linha de ação for suficientemente prolongada, poderá alcançar resultados, apenas é necessário adicionar novamente que várias linhas diferentes de ação são necessárias para atingir os resultados, não apenas uma. Temos de trabalhar ao mesmo tempo sobre isso e sobre aquilo e aquilo mais, se trabalharmos apenas em uma linha é impossível ir a qualquer lugar.

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Sr. O: Eu quero explicar melhor sobre o traço principal, pois acho que às vezes esse termo não é usado no sentido correto. Como eu disse antes, é necessário pensar sobre a falsa personalidade e, em alguns casos, você pode ver definitivamente um tipo de traço principal que entra em tudo, como o eixo em torno do qual todo resto gira. Ele pode ser mostrado, mas a pessoa vai dizer: “absurdo, qualquer coisa mas isso não!" Ou, às vezes é tão óbvio que é impossível negar, mas com a ajuda dos amortecedores a pessoa pode esquecê-lo novamente. Eu conheço pessoas que deram um nome ao seu traço principal várias vezes e durante algum tempo lembraram dele. Então encontrei-as novamente e elas tinham esquecido, ou quando lembravam tinham uma cara, e quando tinham esquecido tinham uma outra cara e começavam a falar como se nunca tivessem falado sobre isso. Você deve aproximar-se disso por si mesmo. Quando sentir por si mesmo, então você saberá. Se for dito a você apenas, você sempre poderá esquecer.
P: É o mesmo que a falha principal?
Sr. O: Sim, é o traço principal da falsa personalidade.
P: Como chegamos a conhecer esse traço principal?
Sr. O: Ao estudar a falsa personalidade. Quando você encontrar muitas manifestações dela você poderá encontrar o traço.

P: Há alguma vantagem concreta em nos tornarmos mais conscientes e menos mecânicos?

Sr. O: Você deve decidir por si mesmo. Encontrar razões para isso. Primeiro entenda o que significa ser mais consciente e menos mecânico. Em seguida decida. Somente então, isso terá peso real. Se eu responder, será apenas a minha opinião. Há coisas que a pessoa deve decidir por si mesma, só então elas adquirem um significado real e mostram compreensão real.

P: Através de qual o centro funciona a consciência moral? Eu fiz uma coisa e me senti desconfortável. . . .
Sr. O: Depende do que você fez. Pode ser simplesmente um hábito mecânico, bom ou ruim, de destruir o que é desconfortável. Isso está baseado principalmente em hábitos de pensar mecânicos fornecidos pela educação, pelas regras de conduta ou regras morais. Na maioria dos casos nunca experimentamos a consciência moral. É uma sensação muito desagradável. Temos muitos amortecedores. Os amortecedores são partições entre as nossas atitudes emocionais. Consciência moral significa que você vê uma centena de coisas ao mesmo tempo; as partições desaparecem e você vê todas as contradições internas ao mesmo tempo. É muito desagradável.
P: Às vezes nós voluntariamente nos colocamos em algumas partições?
Sr. O: Não voluntariamente. Isso acontece. O princípio comum da vida é evitar sensações e percepções desagradáveis. Nós fugimos delas. Deste modo, criamos amortecedores internos. Se você vê as contradições uma em seguida da outra, elas não parecem contraditórias.
P: Alguém atinge esse estado de consciência?
Sr. O: Sim, se a pessoa chega à consciência moral. São manifestações diferentes da mesma coisa. É um processo longo. É sorte que seja longo, caso contrário, seria muito difícil para nós.