quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Meher Baba - A busca por Deus


A maioria das pessoas nem sequer suspeita da real existência de Deus, e naturalmente não são muito entusiasmadas com relação a Deus. Há outros que, através da influência da tradição, pertencem a alguma fé ou outra e adquirem do meio que as cerca a crença na existência de Deus. Sua fé é apenas forte o suficiente para mantê-los vinculados a determinados rituais, cerimônias ou crenças, e isso raramente contém aquela vitalidade que é necessária para trazer uma mudança radical em toda sua atitude perante a vida. Há ainda outros que têm uma mente com inclinação filosófica e têm uma inclinação para acreditar na existência de Deus, seja por causa de suas próprias especulações ou por causa das afirmações dos outros. Para eles, no melhor dos casos, Deus é uma hipótese ou uma idéia intelectual. Essa crença morna em si nunca pode ser um incentivo suficiente para lançar a pessoa numa busca séria por Deus. Tais pessoas não sabem a respeito Deus a partir de conhecimento pessoal e para elas Deus não é um objeto de desejo intenso ou para o qual valha seu esforço.
Um verdadeiro aspirante não se contenta apenas com o conhecimento das realidades espirituais com base em boatos, nem fica satisfeito com o conhecimento puramente inferencial. Para ele, as realidades espirituais não são objeto de pensamento ocioso, e a aceitação ou rejeição dessas realidades é repleta de implicações importantes para a sua vida interior. Dessa forma, ele naturalmente insiste em obter conhecimento direto sobre elas.
Isso pode ser ilustrado por um fato ocorrido na vida de um grande sábio. Um dia ele estava discutindo temas espirituais com um amigo que estava muito avançado no caminho. Enquanto eles estavam envolvidos neste debate, sua atenção foi desviada para um corpo morto que estava sendo carregado onde eles estavam. "Este é o fim do corpo, mas não da alma", comentou o amigo. "Você viu a alma?" perguntou o sábio. "Não", respondeu o amigo. E o sábio manteve-se cético a respeito da alma, pois ele insistia em conhecimento pessoal.
Embora o aspirante não possa contentar-se com conhecimento de segunda mão ou com meras suposições, ele não fecha sua mente para a possibilidade de que podem haver realidades espirituais que não surgiram dentro de sua experiência. Em outras palavras, ele está consciente das limitações da sua própria experiência individual e se abstém de fazer dela a medida de todas as possibilidades. Ele tem uma mente aberta para todas as coisas que estão além do escopo de sua experiência. Ao mesmo tempo que ele não as aceita só por ter ouvido dizer, ele também não se apressa em negá-las. A limitação da experiência muitas vezes tende a restringir o alcance da imaginação, e assim, a pessoa passa a acreditar que não existem outras realidades além daquelas que possam ter vindo dentro do alcance de sua experiência passada. Mas, geralmente, alguns incidentes ou acontecimentos em sua própria vida, o levarão a sair de sua clausura dogmática e a tornar-se realmente de mente aberta.
Essa fase de transição também pode ser ilustrada por uma história da vida do mesmo sábio, que passou a ser um príncipe. Alguns dias após o incidente mencionado acima, enquanto ele andava a cavalo, deparou-se com um pedestre avançando em sua direção. Sendo que o caminho do cavalo foi bloqueado pela presença do pedestre, o sábio arrogantemente ordenou o homem que saísse do caminho. O pedestre recusou-se, então o sábio desceu do cavalo e a seguinte conversa ocorreu: "Quem é você?" perguntou o pedestre. "Eu sou o príncipe", respondeu o sábio. "Mas eu não conheço você como sendo o príncipe", disse o pedestre, e continuou: "Vou aceitá-lo como príncipe somente quando eu souber que você é um príncipe e não o contrário." Esse encontro despertou o sábio para o fato de que Deus pode existir mesmo que ele não O conheça por experiência pessoal; assim como ele era na verdade um príncipe, mesmo que o pedestre não soubesse disso por sua própria experiência pessoal. Agora que sua mente estava aberta para a possível existência de Deus, ele assumiu a tarefa de resolver essa questão de maneira séria e sincera.
Deus ou existe ou não existe. Se Ele existe, a busca por Ele é amplamente justificada. E se Ele não existe, não há nada a perder com a busca Dele. No entanto, o homem não volta-se para uma busca real por Deus como uma questão de uma empreitada voluntaria e alegre. Ele tem de ser levado a essa busca através de desilusões com as coisas mundanas que o fascinam e das quais ele não consegue desviar sua mente.
Uma pessoa comum está completamente absorta em suas atividades no mundo grosseiro. Ela vive através de suas múltiplas experiências de alegrias e tristezas, sem sequer suspeitar da existência da Realidade mais profunda. Ela tenta da melhor maneira que pode ter prazeres dos sentidos e evitar os diferentes tipos de sofrimento. "Comer, beber e alegrar-se" é a filosofia do indivíduo ordinário. Mas, apesar de sua incessante busca por prazer, ele não pode evitar totalmente o sofrimento, e mesmo quando consegue ter os prazeres dos sentidos, ele muitas vezes é saciado por eles. Enquanto ele diariamente passa dessa maneira por uma série de experiências variadas, muitas vezes surge alguma ocasião quando ele começa a se perguntar: "Qual é o ponto de tudo isso?" Tal pensamento pode surgir a partir de algum acontecimento desagradável para o qual a pessoa não está mentalmente preparada. Pode ser a frustração de alguma expectativa confiante, ou pode ser uma importante mudança em sua situação que exija um reajuste radical e um abandono das formas estabelecidas de pensamento e de conduta.
Geralmente, tal ocasião surge da frustração de algum desejo profundo. Se acontece de um desejo profundo enfrentar um impasse fazendo com que não haja a menor chance dele jamais ser atendido, a psique recebe um choque tão grande que já não pode aceitar o tipo de vida que vinha sendo aceito até agora sem questionamentos.
Sob tais circunstâncias uma pessoa pode ser conduzida ao desespero total. E se o tremendo poder gerado por essa perturbação da psique continua descontrolado e sem direção, pode até mesmo levar a uma perturbação mental grave ou à tentativa de cometer suicídio. Tal catástrofe vem sobre aqueles nos quais o desespero é aliado à negligência, pois eles permitem que os impulsos tenham domínio livre e pleno. O poder desenfreado do desespero só pode ocasionar destruição. O desespero de uma pessoa prudente em circunstâncias semelhantes, tem resultados completamente diferentes, porque a energia que ele libera é aproveitada de forma inteligente e é direcionada para um objetivo. No momento da tal desespero divino, uma pessoa toma a decisão importante de descobrir e realizar o objetivo da vida. Dessa forma, portanto, passa a existir uma verdadeira busca por valores duradouros. Daí em diante, a questão ardente que se recusa a ser silenciada é: "Isso tudo leva aonde?"
Quando a energia mental de um indivíduo fica, dessa maneira, centrada em descobrir o objetivo da vida, ele usa o poder do estado de desespero criativamente. Ele não pode mais se contentar com as coisas passageiras desta vida, e fica totalmente cético quanto aos valores comuns que ele até então aceitava sem questionar. Seu único desejo é descobrir a Verdade a qualquer custo, ele não se contenta com qualquer coisa aquém da Verdade.
Esse estado de desespero divino é o começo do despertar espiritual, pois dá origem à aspiração pela Realização de Deus. No momento do desespero divino, quando tudo parece desabar, a pessoa decide assumir qualquer risco para verificar que significado há para sua vida por detrás do véu.
Todos os confortos habituais têm lhe falhado, mas ao mesmo tempo, sua voz interior se recusa a reconciliar-se completamente com a posição de que a vida é desprovida de qualquer sentido. Se ele não descobrir alguma realidade oculta que até agora ele não conheceu, então não há absolutamente nada pelo que valha a pena viver. Para ele, existem apenas duas alternativas: ou existe uma Realidade espiritual oculta, a Qual os profetas descreveram como Deus, ou tudo é sem sentido. A segunda alternativa é absolutamente inaceitável para toda a personalidade do homem, então ele deve tentar a primeira alternativa.
Deste modo, o indivíduo se volta para Deus quando ele está a uma certa distância dos assuntos mundanos.
No entanto, como não há acesso direto a esta realidade escondida que ele busca, ele inspeciona as suas experiências usuais para encontrar possíveis caminhos que levem a um além significativo. Assim, ele volta às suas experiências de costume, com o objectivo de obter alguma luz no caminho. Isso consiste em olhar tudo de um ângulo novo e implica numa reinterpretação de cada experiência. Ele agora não só tem experiências, mas tenta entender o seu significado espiritual. Ele não se preocupa apenas com aquilo que é, mas com o que aquilo significa na marcha em direção a esse objetivo oculto da existência.
Como resultado de toda essa cuidadosa reavaliação das experiências, ele adquire um insight que não podia vir a ele antes que começasse sua nova busca. A reavaliação de uma experiência resulta numa nova porção de sabedoria e cada adição de sabedoria espiritual necessariamente traz uma modificação da atitude geral da pessoa para com a vida. Assim, a busca puramente intelectual por Deus, ou a Realidade espiritual oculta, tem suas reverberações na vida prática de uma pessoa. Sua vida agora se torna um real experimento com os valores espirituais percebidos.
Quanto mais ele leva a cabo essa experimentação inteligente e proposital com sua própria vida, mais profunda torna-se a sua compreensão do verdadeiro sentido da vida. Até que finalmente ele descobre que, conforme ele está passando por uma transformação completa de seu ser, está chegando a uma verdadeira percepção do real significado da vida como ela é. Com uma visão clara e tranquila da real natureza e valor da vida, ele percebe que Deus, a Quem ele estava tão desesperadamente à procura, não é uma entidade estranha, nem oculta ou externa. Ele é a própria Realidade e não uma hipótese. Ele é a Realidade vista com um visão não obscurecida, aquela própria Realidade da Qual ele é uma parte e na Qual ele tem tido todo o seu ser e com o Qual ele é de fato idêntico.
Assim, embora comece buscando algo totalmente novo, ele realmente chega a uma nova compreensão de algo antigo. A jornada espiritual não consiste em chegar a um novo destino, onde uma pessoa ganha o que não possuía ou se torna o que não era. Consiste na dissipação de sua ignorância a respeito de si mesma e da vida, e no crescimento gradual daquela compreensão que se inicia com o despertar espiritual. A descoberta de Deus é uma vinda ao seu próprio Ser.