terça-feira, 31 de agosto de 2010

Bhagavan Ramana Maharshi - Abhyasa (Prática)


Pergunta: Qual é o método da prática?
Bhagavan: Uma vez que o Ser de uma pessoa que tenta alcançar a Realização do Ser (a autorealização) não é diferente dela mesma, e como não existe nada além ou que seja superior a ele para ser atingido por ela, sendo a Realização do Ser somente a realização da sua própria natureza, aquele que busca a Liberação realiza, sem dúvidas ou enganos, a sua natureza real distinguindo o eterno do transitório e nunca se desvia do seu estado natural. Isto é conhecido como a prática do conhecimento. Esta é a inquirição que leva à Realização do Ser.
P: Este caminho da auto-investigação (da investigação do Ser) pode ser seguido por todos os aspirantes?
B: Ele é adequado apenas para as almas maduras. As outras pessoas deveriam seguir métodos diferentes de acordo com o estado de suas mentes.
P: Quais são os outros métodos?
B: Eles são: (i) stuti, (ii) japa, (iii) dhyana, (iv) yoga, (v) jnana, etc
(i) stuti é cantar os louvores ao Senhor com um grande sentimento de devoção.
(ii) japa é expressar os nomes dos deuses ou os mantras sagrados como o Om, seja mentalmente ou
verbalmente. (Ao seguir os métodos de stuti e japa, às vezes a mente estará concentrada (fechada) e às vezes difusa (aberta). Os caprichos da mente não são evidentes para aqueles que seguem esses métodos).
(iii) dhyana denota a repetição dos nomes, etc, mentalmente (japa), com sentimentos de devoção. Neste método, o estado da mente será compreendido facilmente. Pois a mente não se tornará concentrada e difusa simultaneamente. Quando a pessoa está em dhyana ela não contacta os objetos dos sentidos, e quando está em contato com os objetos ela não está em dhyana. Portanto, aqueles que estão neste estado podem observar os meandros da mente aqui e ali ao fazer a mente parar de pensar em outros pensamentos, fixam-na em dhyana. Perfeição em dhyana é o estado de estar permanentemente no Ser (permanecendo na forma "Dele" tadakaranilai).
Como a meditação funciona de uma forma extremamente sutil, na origem da mente não é difícil perceber a sua elevação e subsidência.
(iv) yoga - a fonte da respiração é a mesma que a da mente, portanto, o apaziguamento de qualquer uma delas naturalmente leva a outra à mesma coisa. A prática de acalmar a mente através do controle da respiração (pranayama) é chamada de yoga.
Ao fixar suas mentes nos centros psíquicos como o Sahasrara (o lótus de mil pétalas) os yogis permanecem qualquer período de tempo sem a consciência de seus corpos. Enquanto esse estado continua eles parecem estar imersos em algum tipo de alegria. Mas quando a mente que havia se tornado tranquila emerge (tornando-se ativa novamente), ele retoma seus pensamentos mundanos. Por conseguinte, é necessário treiná-la com a ajuda de práticas como dhyana, sempre que ela se tornar externalizada. Ela atingirá então um estado no qual não há nem abrandamento e nem agitação.
(V) jnana é a aniquilação da mente, onde ela é feita assumir a forma do Ser através da prática constante de dhyana ou investigação (vichara). A extinção da mente é o estado em que há uma cessação de todos os esforços. Aqueles que estão estabilizados neste estado nunca desviam-se de seu verdadeiro estado. Os termos 'silêncio' (mouna) e inação referem-se a nesse estado apenas.
P: O estado de "estar quieto" é um estado que envolve esforço ou é sem esforço?
B: Não é um estado de indolência sem esforço. Todas as atividades mundanas que normalmente são chamadas de esforços são realizados com o auxílio de uma parte da mente e contêm pausas frequentes. Mas o ato de comunhão com o Ser (atma vyavahara) ou de permanecer quieto internamente é uma intensa atividade que é realizada com toda a mente e sem interrupção.
Maya (ilusão ou ignorância), que não pode ser destruída por qualquer outro ato, é completamente destruída por esta atividade intensa que é chamada de 'silêncio' (mouna).
P: Qual é a natureza de Maya?
B: Maya é o que nos leva a considerar como inexistente o Ser, a Realidade, que está sempre e em toda parte presente, permeando todas as coisas e auto-iluminado, e considerar como existente a alma individual (jiva), o mundo (jagat) e Deus (para) que foram provados conclusivamente serem inexistentes em todos os tempos e lugares.
P: Uma vez que o Ser brilha inteiramente por conta própria, porque não é geralmente reconhecido por todas as pessoas como são os outros objetos do mundo?
B: Sempre que objetos particulares são conhecidos, isso significa que o Ser que conheceu a Si mesmo na forma daqueles objetos. Pois o que é conhecido como conhecimento ou consciência é apenas a permeabilidade do Ser (atma sakti). O Ser é o único objeto senciente. Não há nada aparte do Ser. Se tais objetos existissem seriam todos insensíveis e, portanto, não poderiam nem conhecer a si mesmos e nem conhecer se conhecer mutuamente. É porque o Ser não conhece a sua verdadeira natureza desta forma que ele parece estar imerso e lutando no oceano do nascimento e da morte sob a forma de alma individual.
P: Embora o Senhor seja onipresente, a partir de passagens como "adorne-o através de Sua Graça", parece que Ele pode ser conhecido somente através de Sua graça. Como pode então a alma individual, por seus próprios esforços, alcançar a Autorealização na ausência da Graça do Senhor?
B: Como o Senhor representa o Ser e como Graça significa a presença ou a revelação do Senhor, não existe um momento em que o Senhor permaneça desconhecido. Se a luz do sol é invisível para a coruja, a culpa é somente desse pássaro e não do sol. Da mesma forma, pode a falta de consciência das pessoas ignorantes do Ser, que é sempre a natureza da consciência, ser outra coisa senão culpa delas mesmas? Como pode ser culpa do Ser? É apenas porque a Graça é da própria natureza do Senhor que Ele é conhecido como "a Graça abençoada". Portanto, o Senhor, cuja própria natureza em si é Graça, não tem de conceder Sua graça. Também não há nenhum momento em particular para outorgar a Sua graça.
P: Qual parte do corpo é a morada do Ser?
B: O coração no lado direito do tórax é geralmente indicado. Isto acontece porque costumamos apontar para o lado direito do peito quando nos referimos a nós mesmos. Alguns dizem que o Sahasrara (o lótus de mil pétalas) é a morada do Ser. Mas se isso fosse verdade a cabeça não deveria cair quando vamos dormir ou quando desmaiamos.
P: Qual é a natureza do coração?
B: Os textos sagrados que o descrevem dizem:
Entre os dois mamilos, abaixo do peito e acima do abdômen, há seis órgãos do cores diferentes (que não são os mesmos que os Chakras). Um deles, parecido com o broto de uma flor de água que está situado a dois dedos à direita é o coração. É invertido e dentro dele há um orifício minúsculo que é a sede das densas trevas (ignorância) cheias de desejos. Todos os nervos psíquicos (nadis) dependem dele. Ele é a morada das forças vitais, da mente e da luz (da consciência).
Mas, apesar de ser descrito assim, o significado da palavra coração (Hrdayam) é o Ser (atman). Sendo que ele é representado pelos termos existência, consciência, graça, eternas e plenas (Sat, Chit, anandam, nityam, purnam) ele não tem diferenças como exterior e interior ou acima e abaixo. Esse estado tranquilo em que todos os pensamentos chegam ao fim é chamado de 'o estado do Ser'. Quando ele é realizado como é, não há espaço para discussões sobre sua localização dentro ou fora do corpo.
P: Por que os pensamentos de muitos objetos surgem na mente, mesmo quando não há contato com objetos externos?
B: Todos esses pensamentos devem-se às tendências latentes (purva samskaras). Eles só aparecem para a consciência individual (jiva), que se esqueceu de sua natureza real e externalizou-se. Sempre que as coisas particulares são percebidas, a pergunta: "Quem é esse que as vê?” deveria ser feita, dessa forma elas vão desaparecer de imediato.
P: Como os fatores triplos (ou seja, o conhecedor, o conhecido e o conhecimento), que estão ausentes no sono profundo, no samadhi, etc, se manifestam no Ser (nos estados de vigília e de sonho)?
B: Do Ser surgem em sucessão: (I) Chidabhasa (a consciência refletida), que é uma espécie de luminosidade. (II) Jiva (a consciência individual) o vedor ou o primeiro conceito. (III) os fenômenos, que representam o mundo.
P: Uma vez que o Ser é livre das noções de conhecimento e de ignorância, como pode ser dito que ele permeia todo o corpo na forma de senciência ou de transmitir senciência aos sentidos?
B: Os sábios dizem que há uma conexão entre a fonte dos vários nervos psíquicos e o Ser, que este é o nó do coração, que a conexão entre o senciente e o inanimado existirá até que ela seja cortada em pedaços com a ajuda do verdadeiro conhecimento. Assim como a força sutil e invisível da eletricidade viaja através de fios e faz tantas coisas maravilhosas, também a força do Ser percorre os nervos psíquicos e penetra o corpo inteiro, conferindo senciência aos sentidos, e, caso esse nó seja cortado, o Ser continuará como sempre é, sem qualquer atributo.
P: Como pode haver uma conexão entre o Ser que é conhecimento puro e os fatores triplos que são conhecimento relativo?
B: De certa forma, isso é como o funcionamento de um cinema demonstrado abaixo:


1- O CINEMA
2- O SER
1- A lâmpada no interior do aparelho / 2- O Ser
1- A lente na frente da lâmpada / 2- A mente pura (sattivica) próxima ao Ser
1- O filme que é uma longa série de fotos separadas / 2- O fluxo de tendências latentes que consiste em pensamentos sutis
1- A lente, a luz que passa através dela e a lâmpada que juntas formam a luz focada / 2- A mente, a iluminação dela e do Ser, que juntos formam o vedor ou o Jiva
1- A luz que passa através da lente e incide na tela /
2- A luz do Ser emergindo da mente através dos sentidos e projetando-se sobre o mundo
1- As várias imagens que aparecem na luz da tela / 2- As diversas formas e nomes que aparecem como objetos percebidos na luz do mundo
1- O mecanismo que põe o filme em movimento /
2- A lei divina que manifesta as tendências latentes da mente


Assim como as imagens aparecem na tela enquanto o filme joga as sombras através da lente, o mundo dos fenômenos continuará a aparecer para o indivíduo nos estados de vigília e de sonho, enquanto houverem impressões mentais latentes. Assim como a lente aumenta as pequenas manchas sobre o filme a um tamanho enorme e como uma série de imagens são mostradas em um segundo, também a mente amplia as tendências que existem semeadas em árvores de pensamentos e mostra em um segundo mundos inumeráveis. Novamente, assim como existe apenas a luz da lâmpada visível quando não há nenhum filme, também apenas o Ser brilha sem os fatores triplos quando os conceitos mentais sob a forma de tendências estão ausentes nos estados de sono profundo, desmaio e samadhi. Assim como a luz ilumina a lente, etc, mantendo-se inalterada, o Ser ilumina o ego (chidabhasa), etc, mantendo-se inalterado.
P: Quais são as regras de conduta que um aspirante (sadhaka) deve seguir?
B: Moderação na alimentação, moderação no sono e moderação na fala.
P: Quanto tempo deve-se praticar?
B: Até que a mente alcance sem esforço o seu estado natural de liberdade de conceitos, isto é, até que o sentido de 'eu' e 'meu' não exista mais.
P: Qual é o significado de viver em solidão (Ekanta vasa)?
B: Como o Ser é onipresente, não há um lugar particular para a solidão. O estado de estar livre de conceitos mentais é chamado de "viver em solidão".
P: Qual é o sínal da sabedoria (viveka)?
B: Sua beleza reside em manter-se livre da ilusão depois de uma vez ter percebido a verdade . Existe medo apenas para aquele que vê mesmo que uma pequena diferença em Brahman Supremo. Enquanto houver a idéia de que o corpo é o Ser não é possível ser um realizador de verdade, seja quem for a pessoa.
P: Se tudo acontece de acordo com o karma (prarabdha: o resultado de nossos atos no passado) como podemos superar os obstáculos para a meditação (dhyana)?
B: Prarabdha diz respeito apenas à mente voltada para fora, não à mente voltada para dentro. Aquele que procura o seu verdadeiro Ser não terá medo de nenhum obstáculo.
P: O ascetismo (sanyasa) é um dos requisitos essenciais para uma pessoa se estabelecer no Ser (atma Nista)?
B: O esforço que é feito para se livrar do apego ao corpo é realmente para conseguirmos permanecer no Ser.
Apenas a maturidade dos pensamento e da investigação pode remover o apego ao corpo, e não as estações da vida (asramas), como a do aluno (brahmachari), etc. Pois o apego está na mente, enquanto que as estações pertencem ao corpo. Como podem as estações corporais removerem o apego na mente? Como a maturidade do pensamento e da investigação dizem respeito à mente, apenas isso pode, através da investigação por parte da mesma mente, remover os apegos que penetraram nela por falta de atenção e zelo. Mas, como a disciplina do ascetismo (sanyasasrama) é um meio para atingir o desapego (vairagya), e como o desapego é um meio para a investigação, aderir à uma ordem de ascetas pode ser considerado, de certa forma, como um meio de investigação através do desapego. Porém, em vez de desperdiçar sua vida entrando na ordem dos ascetas antes de estar apto a isso, é melhor viver a vida de um chefe de família. A fim de fixar a mente no Ser, o qual é sua verdadeira natureza, é necessário separá-lo das fantasias (samkalpas) e dúvidas (vikalpas) relacionadas à família, isto é, renunciar à família (samsara) mentalmente. Esse é o ascetismo real.
P: É uma regra estabelecida que enquanto houver a menor idéia de eu-sou-o-fazedor, o Autoconhecimento não poderá ser alcançado, mas é possível que um aspirante que é um chefe de família desempenhe suas funções corretamente sem esse sentido de ser o fazedor?
B: Como não é uma regra que a ação deva depender de um sentido de ser o executor, não é necessário duvidar se alguma ação será realizada sem um agente ou um ato de fazer. Embora o gestor do tesouro público possa parecer aos olhos dos outros estar fazendo o seu dever com muita atenção e responsabilidade durante todo o dia, ele pode estar cumprindo suas funções sem apego, pensando: "Não tenho nenhuma ligação real com todo esse dinheiro” e estar sem um senso de envolvimento em sua mente. Do mesmo modo, um chefe de família sábio pode cumprir sem apego as várias tarefas domésticas que lhe são atribuídas de acordo com seu karma passado, como uma ferramenta nas mãos de alguém. Ação e conhecimento não são obstáculos um para o outro.
P: De que serve para sua família um pai que é despreocupado com seu conforto físico e de que serve sua família para ele?
B: Embora ele seja totalmente negligente com os confortos do corpo dele, se, devido ao seu karma passado, sua família tem de subsistir por seus esforços, ele pode ser considerado como estar fazendo um serviço. Se for perguntado se o homem sábio recebe algum benefício ao exercer as tarefas domésticas, pode ser respondido que, como ele já atingiu o estado de completa satisfação, que é a soma de todos os benefícios e o maior bem de todos, ele não têm a ganhar mais nada ao desempenhar os deveres familiares.
P: Como pode a cessação de atividade (nivritti) e a paz da mente serem atingidas em meio às tarefas domésticas que têm por natureza uma atividade constante?
B: Como as atividades do homem sábio só existem aos olhos dos outros e não em si mesmas, embora imensas tarefas possam ser realizadas, ele realmente não faz nada. Por isso, suas atividades não são impedimentos para a inação e a paz de espírito. Porque ele sabe a verdade de que todas as atividades ocorrem em sua mera presença e que ele não faz nada. Portanto ele vai permanecer como a testemunha silenciosa de todas as atividades que estiverem ocorrendo.
P: Assim como karma passado do Sabio é a causa de suas atividades atuais, as impressões (vasanas) causadas por suas atividades atuais não irão acompanhá-lo no futuro?
B: Só quem é livre de todas as tendências latentes (vasanas) é um sábio. Sendo assim, como podem as tendências do karma afetar aquele que é totalmente independente das atividades?