terça-feira, 29 de junho de 2010

Meher Baba - O Ego e sua Aniquilação



Parte 1


O Ego como o Centro de Conflito



Na fase pré-humana a consciência tem experiências mas essas experiências não são explicitamente tomadas em relação a um 'eu' central. Por exemplo, um cão pode ficar irritado, mas ele não continua a sentir depois "eu estou com raiva." Mesmo nesse caso achamos que o cão aprende através de algumas experiências e dessa forma baseia a ação de uma experiência em outra, mas essa ação é o resultado de uma tensão semi-mecânica de impressões conectadas, ou Sanskaras. É diferente da síntese inteligente de experiências que o desenvolvimento da consciência 'eu' torna possível. O primeiro passo no processo de submeter o trabalho das impressões isoladas à regulação inteligente, consiste em colocá-las todas em relação ao centro da consciência, que aparece como o ego limitado explícito. A consolidação da consciência-ego é mais clara e definida a partir do início da consciência humana.
A consciência humana não seria nada mais do que um repositório de impressões acumuladas de experiências variadas, se não contivesse o princípio de integração centrado no ego que se manifesta na tentativa de organizar e compreender a experiência. O processo de compreensão da experiência implica na capacidade de tomar em conjunto diferentes pedaços de experiências como partes de uma unidade e na capacidade de avaliá-los ao trazê-los em relações mútuas. A integração dos opostos da experiência é uma condição para a emancipação da consciência do cativeiro das diversas compulsões e repulsões, que tendem a dominar a consciência, independentemente da avaliação. As primeiras tentativas para assegurar essa integração são feitas através da formação do ego como base e centro.
O ego surge como um acompanhamento explícito e infalível a todos os acontecimentos da vida mental, a fim de satisfazer uma determinada necessidade. O papel desempenhado pelo ego na vida humana pode ser comparado com a função de um lastro num navio. O lastro de um navio evita que ele oscile demasiadamente. Sem ele, o navio fica suscetível a ser muito leve e instável e correria perigo de ser derrubado pelos ventos e ondas desgovernados. Dessa forma, a energia mental ficaria presa indefinidamente nos múltiplos labirintos da experiência dual e seria toda desperdiçada e dissipada se não houvesse um núcleo provisório. O ego faz um balanço de toda a experiência adquirida e une as tendências ativas nascidas dos instintos relativamente independentes e indefinidos herdados da consciência animal. A formação do ego tem a finalidade de dar uma certa estabilidade aos processos conscientes e também garante um equilíbrio de trabalho, que contribui para uma vida planejada e organizada.
Seria um erro, portanto, imaginar que o surgimento do ego é sem qualquer finalidade. Embora ele surja apenas para desaparecer no final, ele temporariamente cumpre uma necessidade que não poderia ter sido ignorada na longa jornada da alma. O ego não é para ser uma deficiência permanente, uma vez que pode ser transcendido e superado através do esforço espiritual. Mas a fase de formação do ego, no entanto, deve ser encarada como um mal necessário, que tem de vir a existir por hora.
O ego, portanto, marca e cumpre uma certa necessidade no progresso ulterior da consciência. No entanto, uma vez que o ego se refugia na falsa idéia de ser o corpo, ele é uma fonte de muitas ilusões que viciam a experiência. É da essência do ego que ele deva sentir-se separado do resto da vida, contrastando-se com outras formas de vida. Assim, embora interiormente tentando completar e integrar a experiência individual, o ego também cria uma divisão artificial entre a vida interna e externa na própria tentativa de sentir e assegurar a sua própria existência. Essa divisão na totalidade da vida não pode deixar de ter suas reverberações na vida interior individual sobre a qual o ego preside como um gênio orientador.
Enquanto sempre se esforça para estabelecer unidade e integração nas experiências, o ego não poderá nunca concretizar esse objetivo. Embora ele estabeleça um certo tipo de equilíbrio, esse equilíbrio é apenas provisório e temporário.
A incompleição de suas realizações fica evidente no conflito interno que nunca está ausente enquanto uma experiência estiver sendo enfrentada a partir do ponto de vista do ego. De momento a momento a mente do homem passa por uma série de conflitos. As mentes das pessoas grandiosas e distintas, bem como as mentes das pessoas comuns, são assediadas por desejos e tendências conflitantes. Às vezes, o conflito que a mente enfrenta é tão agudo que a pessoa cede às pressões, ocorrendo assim um desarranjo parcial ou total da mente. Não há realmente nenhuma diferença vital entre o indivíduo normal e o chamado anormal. Ambos têm de enfrentar os mesmos problemas, mas um pode ter êxito mais ou menos em resolver os seus problemas e o outro não pode resolvê-los.
O ego tenta resolver os seus conflitos internos através de falsas avaliações e escolhas erradas. É característico do ego que ele considere tudo o que não é importante como importante e tudo o que é importante como sem importância. Assim, embora poder, fama, riqueza, habilidade e outras realizações e feitos mundanos sejam realmente insignificantes, o ego se deleita nessas propriedades e se apega a elas como "minhas". Por outro lado, a verdadeira espiritualidade é totalmente importante para o alma, mas o ego olha para ela como sendo sem importância.


Por exemplo, se uma pessoa experimenta algum desconforto corporal ou mental enquanto faz um trabalho de importância espiritual, o ego toma a frente para assegurar o conforto corporal ou mental que não tem importância, mesmo às custas de abandonar o trabalho espiritual muito importante. Conforto corporal e mental, bem como outros feitos e realizações mundanas, são muitas vezes necessários, mas eles não são, por isso, importantes. Há um mundo de diferença entre necessidade e importância. Muitas coisas vêm para o ego como sendo necessárias, mas elas não são importantes em si. A espiritualidade, que vem para o ego como sendo desnecessária, é muito importante para a alma. O ego representa, portanto, um princípio fundamental e profundo de ignorância, que é exibido no sempre preferir o que é sem importância em detrimento do que é importante.
A mente raramente funciona de forma harmônica, pois é principalmente guiada e regida por forças no subconsciente. Poucas pessoas se dão ao trabalho de conseguir dominar essas forças ocultas que dirigem o curso da vida mental. A eliminação do conflito só é possível através do controle consciente das forças no subconsciente. Esse controle pode ser permanentemente alcançado apenas através do exercício repetido de uma apreciação de valores verdadeira em todos os casos de conflito apresentados à mente.


Se a pessoa quer livrar a mente do conflito, ela deve sempre fazer a escolha certa e infalivelmente preferir o que é verdadeiramente importante ao invés do que é sem importância. A escolha tem de ser inteligente e firme em todos os casos de conflitos - importantes e também sem importância. Tem de ser inteligente, porque só através da busca de valores verdadeiros e permanentes é possível atingir um equilíbrio que não seja prejudicial ao fluxo dinâmico e criativo da vida mental. Uma escolha inteligente, se for firme, pode temporariamente superar o conflito, mas está fadada, a longo prazo, a reduzir o âmbito da vida ou a dificultar a realização de toda a personalidade. Além disso, os conflitos certamente irão reaparecer de alguma outra forma se não tiverem sido resolvidos de forma inteligente. Uma solução inteligente, por outro lado, exige uma compreensão dos valores verdadeiros, que devem ser dissociados dos falsos valores. O problema do conflito de desejos, dessa forma, vem a se tornar o problema de valores conflitantes, e a solução do conflito mental requer, portanto, uma busca profunda pelo significado real da vida. É somente através da sabedoria que a mente pode ser libertada do conflito.


Tendo uma vez sabido qual é a escolha certa, o próximo passo é ater-se a ela de maneira firme. Embora as tendências competitivas na mente possam ser acalmadas ao escolhermos um determinado curso em vez de outras alternativas, elas continuam a funcionar como obstáculos para fazermos a escolha plenamente eficaz e prática. Às vezes há o perigo de uma decisão ser subvertida através da intensificação dessas forças concorrentes no subconsciente. Para evitar a derrota, a mente tem de se apegar tenazmente aos valores corretos que ela tenha percebido. Assim, a solução do conflito mental exige não apenas a percepção dos valores corretos mas também uma fidelidade inabalável a eles.
Uma escolha inteligente e firme, no entanto, tem de ser repetidamente exercitada em todas as questões - pequenas ou grandes. Pois as preocupações comuns da vida não são de forma alguma menos importantes do que os graves problemas com os quais a mente é confrontada em tempos de crise. As raízes do conflito mental não podem desaparecer completamente enquanto houver apenas o exercício intermitente da escolha inteligente e firme. A vida dos verdadeiros valores somente pode ser espontânea quando a mente tiver desenvolvido o hábito ininterrupto de escolher os valores corretos. Três quartos da nossa vida são constituídos de coisas simples e, embora o conflito em relação a coisas comuns não possa causar muita agonia mental, ainda assim, deixa na mente uma sensação de desconforto de que algo está errado. Os conflitos que giram em cima de coisas ordinárias raramente são até mesmo trazidos à superfície da consciência. Ao invés disso, eles lançam uma sombra sobre o sentimento geral que a pessoa tem em relação à vida, como se por trás de uma tela. Tais conflitos têm de ser trazidos à superfície da consciência e francamente enfrentados antes que possam ser adequadamente resolvidos.
Entretanto, o processo de trazer conflito para a superfície da consciência não deveria degenerar em um processo de imaginar conflito onde não há nenhum. O sinal certo de um conflito oculto real é a sensação de que todo o seu coração não está no pensamento ou na ação que vem a ser dominante no momento. Há um sentimento vago de um estreitamento ou uma restrição radical da vida. Em tais ocasiões, deveria ser feita uma tentativa de analisar o seu estado mental através de uma profunda introspecção, pois tal análise traz à luz os conflitos ocultos sobre a questão.


Quando os conflitos são, desse modo, trazidos à luz, é possível resolvê-los através de escolhas inteligentes e firmes. O requisito mais importante para a resolução satisfatória do conflito é a força motriz ou a inspiração, que só pode vir de um desejo ardente de um ideal compreensivo. A análise, por si só, pode auxiliar a escolha, mas a escolha continuará a ser uma preferência intelectual estéril e ineficaz se não for vitalizada pelo zelo de alguns ideais atraentes para os estratos mais profundos e mais significativos da personalidade humana. A psicologia moderna tem feito muito para revelar as fontes de conflito, mas ainda tem de descobrir métodos de despertar a inspiração ou fornecer para a mente algo que faça a vida valer a pena. Esta é certamente a tarefa criativa com a qual se defrontam os salvadores da humanidade.
Estabelecer um verdadeiro ideal é o início da correta avaliação. Avaliação correta por sua vez é a destruição das construções do ego, que prospera na avaliação falsa. Qualquer ação que expresse os valores autênticos da vida contribui para a desintegração do ego, o qual é um produto de eras de ação ignorante. A vida não pode ser permanentemente aprisionada dentro da jaula do ego. Ela deve em algum momento se esforçar em direção à Verdade. Na maturação da evolução vem a descoberta importante de que a vida não pode ser compreendida e vivida plenamente enquanto ela for feita para se mover em torno do eixo do ego. O homem é então conduzido pela lógica da sua própria experiência a encontrar o verdadeiro centro de experiências e de reorganizar sua vida na Verdade. Isso implica o desgaste do ego e sua substituição pela Consciência-Verdade. A desintegração do ego culmina na realização da Verdade. O falso núcleo de Sanskaras consolidados deve desaparecer para que possa haver uma verdadeira integração e realização da vida.









Parte 2




O Ego como uma Afirmação de Separatividade


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O ego é uma afirmação de separatividade. Ele assume muitas formas. Pode assumir a forma de uma contínua memória autoconsciente que se expressa em lembranças como: "eu fiz isso e eu fiz aquilo", "eu senti isso e eu senti aquilo", "eu pensei isso e eu pensei aquilo." Ele também assume a forma de esperanças ego-centradas para o futuro que se expressam através de planos do tipo: "vou fazer isso e vou fazer aquilo", "vou sentir isso e vou sentir aquilo", "vou pensar isso e vou pensar aquilo”. Ou ainda no presente, o ego manifesta-se na forma de um forte sentimento de ser alguém em particular e afirma a sua distinção e separação de todos os outros centros de consciência. Embora provisoriamente sirva a um propósito útil como um centro de consciência, o ego, como uma afirmação de separação, constitui o obstáculo principal para a emancipação espiritual e para a iluminação da consciência.


O ego afirma a sua separatividade através de desejo, ódio, raiva, medo ou ciúme. Quando uma pessoa deseja a companhia de outras pessoas, ela tem plena consciência de estar separada delas e, assim, sente intensamente a sua própria existência separada. O sentimento de separação dos outros é mais grave onde existe um grande e intenso desejo. No ódio e na raiva também, a outra pessoa é, por assim dizer, expulsa do próprio ser da pessoa e é considerada não só como uma forasteira mas como definitivamente hostil à prosperidade do ego dela. O medo também é uma forma sutil de se afirmar a separação e ele existe onde a consciência da dualidade é inabalável. O medo age como uma espessa cortina entre o "eu" e o "você". E não só nutre uma profunda desconfiança em relação aos outros, mas, inevitavelmente, traz uma diminuição e retratação da consciência, de modo a excluir o ser do outro do contexto da vida da pessoa. Portanto, não só as outras almas, como também Deus deveriam ser amados e não temidos. Temer a Deus ou às Suas manifestações é reforçar a dualidade e amar a Deus e Sua manifestação é enfraquecê-la.
O sentimento de separatividade encontra a sua expressão mais pungente no ciúme. Há uma necessidade profunda e imprescindível na alma humana de amar e de se identificar com outras almas. Essa necessidade não é atendida em nenhuma instância onde haja desejo ou ódio, raiva ou medo. No ciúme, além da não realização dessa necessidade profunda e imprescindível de identificação com outras pessoas, há uma crença de que alguma outra alma conseguiu se identificar com a pessoa a quem ela solicitava. Isso cria um protesto permanente e implacável contra ambos indivíduos por terem desenvolvido uma relação que a pessoa na realidade desejava reservar para si mesma. Todos os sentimentos exclusivos como o desejo, o ódio, o medo ou o ciúme provocam um estreitamento da vida e contribuem para a limitação e a restrição da consciência. Tornam-se diretamente instrumentais na afirmação da separatividade do ego.
Cada pensamento, sentimento ou ação que nasce da idéia da existência exclusiva ou separada, limita. Todas as experiências (pequenas ou grandes) e todas as aspirações (boas ou más) criam uma carga de impressões e nutrem o sentido de "eu". A única experiência que contribui para o enfraquecimeno do ego é a experiência do amor e a única aspiração que contribui para a redução da separação é o desejo de tornar-se um com o Amado. Desejo, ódio, raiva, medo e ciúme são atitudes exclusivas que criam um abismo entre a pessoa e o resto da vida. Só o amor é uma atitude inclusiva, aquele que ajuda a ultrapassar esse abismo artificial e autocriado tendendo a romper a barreira de separação da falsa imaginação. No amor verdadeiro, o amante também anseia, mas anseia pela união com o Amado. Ao procurar ou experimentar a união com o Amado, o sentimento do "eu" torna-se fraco. No amor, o "eu" não pensa em autopreservação, assim como a mariposa não tem medo de se queimar na chama. O ego é a afirmação de estar separado do outro, enquanto que o amor é a afirmação de ser um com o outro. Assim, o ego só pode ser dissolvido pelo amor real.


O ego é constituído por desejos de variados tipos. A impossibilidade de satisfação dos desejos é um fracasso do ego. O sucesso em alcançar os objetos desejados é um sucesso do ego. Através de desejos realizados, bem como através dos não atendidos, o ego é acentuado. O ego pode alimentar-se até mesmo de uma comparativa calmaria no surgimento de desejos e afirmar a sua tendência de separação por meio do sentimento de que ele não tem desejos. Quando há uma real cessação de todos os desejos, porém, há uma cessação do desejo de afirmar a separatividade sob qualquer forma. Por conseguinte, a liberdade real de todos os desejos traz o fim do ego. O ego é feito de desejos variados e a destruição desses desejos equivale à destruição do ego.
No entanto, o problema de apagar o ego da consciência é muito complicado, porque as raízes do ego estão todas na mente subconsciente na forma de tendências latentes, e essas tendências latentes nem sempre são acessíveis à consciência explícita. O ego limitado da consciência explícita é apenas um pequeno fragmento do ego total. O ego é como um iceberg flutuando no mar. Cerca de um sétimo do iceberg permanece acima da superfície da água e é visível para o espectador, mas a maior parte continua submersa e invisível. Da mesma forma, apenas uma pequena parte do ego real se manifesta na consciência sob a forma de um 'eu' explícito, a parte principal do ego real permanece submersa nos santuários escuros e inarticulados da mente subconsciente.
O ego explícito, que encontra a sua manifestação na consciência, não é de forma alguma um todo harmonioso, ele pode e deve se tornar uma arena para uma multidão de conflitos entre as tendências opostas. Ele tem uma capacidade limitada, entretanto, de permitir a emergência simultânea de tendências contraditórias. Duas pessoas de estar pelo menos se falando se quiserem entrar em discussões articuladas. Se não estão se falando, elas não podem se pôr a discutir sobre um terreno comum. Da mesma forma, duas tendências que podem entrar em conflito consciente devem ter alguns pontos em comum. Se são muito diferentes, elas não conseguem encontrar admissão na arena da consciência, mesmo que como tendências conflitantes, mas têm de permanecer submersas no subconsciente até que ambas sejam modificadas através de tensões exercidas pelas diversas atividades relacionadas com a mente consciente.
Apesar de todo o ego ser essencialmente heterogêneo em sua constituição, o ego explícito na consciência é menos heterogêneo do que o ego implícito da mente subconsciente. O ego explícito opera como um todo formidável em comparação com as tendências subconscientes isoladas que buscam emergir na consciência. O ego organizado da consciência explícita se torna, portanto, uma barreira repressiva que impede indefinidamente vários componentes do ego implícito de acessarem a consciência. Todos os problemas do ego podem ser combatidos apenas através da ação inteligente e consciente. Portanto, a aniquilação completa do ego só é possível quando todos os componentes do ego passarem pelo fogo da consciência inteligente.
A ação da consciência inteligente nos componentes do ego explícito é importante, mas por si só não é suficiente para obter os resultados desejados. Os componentes do ego implícito da mente subconsciente têm de ser trazidos à superfície da consciência de alguma forma e se tornarem partes do ego explícito, e, em seguida, serem submetidos à ação da consciência inteligente. Para que isso seja alcançado, tem de haver um enfraquecimento do ego explícito de maneira a permitir o aparecimento na consciência daqueles desejos e tendências que até então não podiam encontrar acesso na arena da consciência. Essa libertação das tendências inibidas gera, naturalmente, confusão e conflito no ego explícito. Portanto, o desaparecimento do ego é muitas vezes acompanhado por conflitos intensificados na arena da mente consciente e não por um alívio deles. No entanto, ao final da luta aguda e intransigente, repousa o estado de equilíbrio verdadeiro e de incontestável harmonia que vem após o derretimento do iceberg inteiro do ego.
Escavar as raízes enterradas do ego das camadas mais profundas do subconsciente e trazê-las à luz da consciência é uma parte importante do processo de aniquilar o ego. A outra parte importante consiste na manipulação inteligente dos desejos depois de eles ganharem entrada na arena da consciência. O processo de lidar com os componentes da consciência explícita não é de maneira nenhuma claro e simples, pois o ego explícito tem uma tendência de viver através de qualquer um dos opostos da experiência. Se for expulso de um oposto pela operação intensiva de consciência inteligente, ele tem a tendência de passar para o outro extremo e viver através dele. Com repetidas alternâncias entre os opostos da experiência, o ego escapa do ataque da consciência inteligente e busca perpetuar-se.
O ego é como a cabeça de Hidra e se expressa de inúmeras maneiras. Ele vive sob qualquer tipo de ignorância. O orgulho é o sentimento específico através do qual se manifesta o egoísmo. Uma pessoa pode se orgulhar das coisas mais tolas e sem importância. Há casos conhecidos, por exemplo, de pessoas que deixam suas unhas com um comprimento anormal e as preservam a despeito disso causar enorme transtorno para elas, por nenhuma outra razão além de afirmar sua separação dos outros. O ego tem que ampliar suas conquistas de forma grotesca, de modo a viver nelas. A afirmação direta do ego através de autoexibição na sociedade é muito comum, mas se tal afirmação direta for proibida pelas regras de conduta, o ego tem uma tendência de buscar o mesmo resultado ao levantar calúnias sobre os outros. Retratar os outros como maus é glorificar-se ao sugerir uma comparação - uma comparação que o ego de boa vontade desenvolveu, embora ele muitas vezes restrinja a si mesmo ao fazê-lo.
O ego é ativado pelo princípio da autoperpetuação e tem uma tendência a viver e crescer por todos e quaisquer meios que não estiverem fechados para ele. Se o ego enfrenta restrições em uma direção, ele procura compensar a expansão numa outra. Se ele for dominado por uma inundação de noções e ações espirituais, ele até mesmo tende a apoderar-se dessa própria força, e que foi originalmente posta em jogo para expulsar o ego. Se uma pessoa tentar cultivar a humildade a fim de aliviar-se do peso monstruoso do ego e conseguir fazê-lo, o ego pode, com uma rapidez surpreendente, transferir-se para esse atributo da humildade. Ele se alimenta através de repetidas afirmações como: "eu sou espiritual", assim como nas fases primárias ele alcançava o mesmo objetivo através de afirmações como: "eu não sou interessado em espiritualidade." Assim, surge o que poderia ser chamado de um ego espiritual ou um ego que sente a sua separação através da realização de coisas consideradas boas e altamente espirituais. Do ponto de vista verdadeiramente espiritual, esse tipo de ego é tão limitador quanto o ego primário e grosseiro, que não tem tais pretensões.
De fato, nos estágios mais avançados do caminho, o ego não busca manter-se através de métodos abertos, mas refugia-se nas próprias coisas que são exercidas para enfraquecê-lo. Essas táticas do ego são muito parecidas com as de uma guerrilha e são mais difíceis de contra atacar. Destituir o ego da consciência é necessariamente um processo complexo, não pode ser alcançado através do exercício de uma abordagem constantemente uniforme. Uma vez que a natureza do ego é muito complicada, um tratamento igualmente complicado é necessário para livrar-se dele. Sendo que o ego tem possibilidades quase infinitas para tornar a sua existência segura e criar auto ilusão, o aspirante descobre ser impossível competir com o infindável surgimento de novas formas do ego. Ele pode esperar ter êxito em lidar com os truques enganosos do ego somente com a ajuda e graça de um Mestre Perfeito.
Na maioria dos casos é apenas quando o aspirante é conduzido a perceber a futilidade de todos os seus esforços que ele se aproxima de um Mestre. Por si mesmo, ele não pode avançar em direção ao objetivo, o qual ele mal visualiza e procura. A persistência obstinada do ego o exaspera, e nessa percepção clara de desamparo ele se rende ao Mestre como seu último e único recurso. A auto entrega constitui uma admissão aberta de que o aspirante agora abandonou toda a esperança de resolver os problemas do ego por si próprio e que ele depende exclusivamente do Mestre. É como dizer: "eu sou incapaz de acabar com a existência miserável desse ego. Por isso, busco você para intervir e matá-lo." Essa etapa, por fim, acaba por ser mais proveitosa do que todas as outras medidas que poderiam ter sido tentadas em prol do enfraquecimento e subsequente aniquilação do ego. Quando pela graça do Mestre, a ignorância que constitui o ego é dissipada, ocorre o alvorecer da Verdade, que é a meta de toda a criação.









Parte 3


As Formas do Ego e Sua Dissolução


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O ego subsiste acerca de posses mundanas como poder, fama, riqueza, capacidades, conquistas e realizações. Ele cria e reconhece o “seu” a fim de sentir o que é distintamente "meu". No entanto, apesar de todas as coisas mundanas que ele afirma como "minhas", ele constantemente sente-se vazio e incompleto. Para compensar essa inquietação profunda em seu próprio ser, o ego procura fortalecer-se através de novas aquisições. Ele traz a ostentação de todas as suas variadas posses em relevo ao comparar-se com outros que possam ser inferiores, em qualquer um dos itens carimbados como "meus". E muitas vezes ele usa essas posses para se mostrar gratuita e desnecessariamente, a despeito da desvantagem dos outros. O ego é insatisfeito, apesar de suas posses mundanas, mas em vez de cultivar o desapego a elas, ele busca obter satisfação de um sentimento mais intenso ainda de posse em oposição ao outro. O ego como uma afirmação da separação vive através da idéia de "meu".


O ego quer se sentir separado e único, e procura auto expressão quer no papel de alguém que é decididamente melhor do que outros, ou no papel de alguém que é decididamente inferior. Enquanto houver ego, há um implícito pano de fundo de dualidade e enquanto houver o pano de fundo da dualidade, as operações mentais de comparação e contraste não podem ser eficazmente silenciadas por muito tempo. Portanto, mesmo quando a pessoa parece ter uma sensação de igualdade com o outro, esse sentimento não é seguramente estabelecido. Ele marca um ponto de transição entre as duas atitudes do ego e não de liberdade permanente da distinção entre o "eu" e o "você".


Esse pseudo sentimento de igualdade, quando existe, pode ser postulado na fórmula: "eu não sou em nada inferior ou superior aos outros." À primeira vista, isso será visto como uma afirmação negativa do ego. O equilíbrio entre o "eu" e o "você" é constantemente perturbado pela predominância de um complexo de superioridade ou de inferioridade. A idéia da igualdade surge para restabelecer o equilíbrio perdido. A afirmação negativa do ego sob a forma de igualdade, no entanto, é totalmente diferente do sentimento de unidade que é característico da vida da liberdade espiritual. Embora o senso de igualdade seja tomado como base de muitos ideais políticos e sociais, as reais condições de uma rica vida cooperativa são cumpridas apenas quando a mera idéia de igualdade é substituída pelo dar-se conta da unidade de toda a vida.


Os sentimentos de superioridade e inferioridade são reações um para o outro, e o sentimento artificialmente induzido de igualdade pode ser considerado como uma reação a ambos. Em todos esses três modos o ego consegue afirmar a sua separatividade. Os complexos de superioridade e de inferioridade, na maior parte permanecem desconectados um do outro. Ambos buscam expressão separada e alternada através de objetos apropriados, assim como quando uma pessoa domina aqueles a quem ela considera ser seus inferiores e submete-se àqueles a quem vê como seus superiores. Mas essa expressão alternada através de um comportamento contrastante só acentua esses complexos opostos em vez de conduzir à sua dissolução.
O complexo de superioridade é estimulado quando uma pessoa encontra alguém que esteja de alguma forma notavelmente numa posição inferior com relação às posses mundanas. Apesar de suas muitas posses, o ego é constantemente confrontado com o cenário de seu vazio intrínseco. Por isso, ele agarra-se à ilusão reconfortante de seu caráter valoroso demonstrando a grandeza dos seus bens. Esse contraste não se limita à comparação teórica, mas muitas vezes apresenta-se como um conflito real com os outros. Assim, a agressividade é um resultado natural da necessidade de compensar a pobreza da vida egocêntrica.


O complexo de inferioridade é avivado quando uma pessoa encontra alguém que esteja de alguma forma notavelmente numa posição superior em relação aos bens mundanos. Mas a sua submissão ao outro está enraizada ou no medo ou no egoísmo. Ela nunca pode ser sincera ou espontânea porque há um ciúme escondido e até mesmo um ódio pelo outro por possuir algo que ela gostaria de ter para si. Toda submissão forçada e exterior é meramente o efeito de um complexo de inferioridade e pode apenas fortalecer o ego numa de suas piores formas. O ego atribui seu sentimento de vazio aos bens aparentemente inferiores que ele pode clamar como "meus", ao invés de atribuí-lo ao seu vício profundamente arraigado em busca de satisfação através de posses. Estar ciente de sua inferioridade de bens se torna apenas um estímulo adicional para fazer esforços desesperados para adicionar mais aos seus bens através dos meios que estiverem disponíveis para ele. Dessa forma, enquanto perpetuam a pobreza interior da alma, o complexo de inferioridade, bem como o complexo de superioridade, constituem um agente para o egoísmo e o caos social e para o acúmulo desse tipo de ignorância que caracteriza o ego.
Quando uma pessoa entra em contato com um Mestre Perfeito e reconhece-o como tendo o estado de Perfeição sem ego, ela voluntariamente se rende ao Mestre. O discípulo percebe o ego como sendo uma fonte de perpétua ignorância, agitação e conflito; e também reconhece sua própria incapacidade de acabar com ele. Mas essa autorendição deve ser cuidadosamente distinguida do complexo de inferioridade porque é acompanhada pela consciência de que o Mestre é o ideal e, como tal, tem uma unidade básica com o discípulo. Essa auto entrega não é de modo algum uma expressão de perda de confiança. Pelo contrário, é uma expressão de confiança na superação final de todos os obstáculos com a ajuda do Mestre. A apreciação da divindade do Mestre é a maneira pela qual o Ser Superior do discípulo expressa o seu sentido de dignidade.


A fim de provocar uma rápida dissolução das duas principais formas do ego, o Mestre pode deliberadamente aguçar ambos complexos em alternância. Se o discípulo está a ponto de desanimar e desistir da busca, ele pode despertar nele profunda autoconfiança. Se ele está a ponto de tornar-se egoísta, ele pode romper essa barreira criando novas situações em que o discípulo tenha de aceitar e reconhecer a sua própria incapacidade ou futilidade. Assim, o mestre exerce sua influência sobre o discípulo para agilizar as etapas que o ego, em processo de derretimento, passa antes de seu desaparecimento final.


Os complexos de superioridade e de inferioridade têm de ser postos em uma relação inteligente um com o outro para que combatam um ao outro. Isso requer uma situação em que ambos sejam permitidos atuar ao mesmo tempo, sem exigir a repressão de um para poder expressar o outro. Quando a alma entra numa relação dinâmica e vital com o Mestre, os complexos relacionados com os sentimentos de inferioridade e de superioridade são colocados em jogo, e eles estão tão ardilosa e inteligentemente acomodados que neutralizam um ao outro. O discípulo então sente que ele não é nada em si mesmo, mas dentro e através do Mestre ele é avivado pela perspectiva de ser Tudo.
Assim, com um só golpe os dois complexos são levados a uma tensão mútua e tendem a aniquilar um ao outro na tentativa que o discípulo faz para ajustar-se ao Mestre. Com a dissolução desses complexos opostos, surge uma quebra das barreiras de separação do ego em todas as suas formas. Com a quebra das barreiras da separação surge o amor divino. Com o surgimento do amor divino, o sentimento separado de "eu", como distinto do "você", é engolido no sentido de sua unidade.


Para um carro mover-se em direção ao seu destino é necessário haver um motorista. No entanto, o motorista pode estar suscetível a fortes atrações pelas coisas que ele encontra no caminho e ele pode não somente parar em locais proibidos por um tempo indeterminado, mas também pode se perder pelo caminho em busca de coisas que têm encanto apenas temporário. Dessa maneira ele pode manter o veículo em movimento o tempo todo mas sem chegar mais perto do objetivo, e ele pode até mesmo ficar mais longe dele. Algo semelhante acontece quando o ego assume o controle da consciência humana. O ego pode ser comparado a um motorista que tem um certo grau de controle sobre um carro e uma certa capacidade para dirigi-lo, mas que está na escuridão total no que diz respeito ao seu destino final.


Para um carro chegar ao seu destino final, não basta apenas ter alguém que possa dirigir o carro. É igualmente necessário que esse condutor deva ser capaz de dirigir o carro em direção ao destino. Enquanto o movimento da consciência estiver sob o domínio completo e exclusivo do ego, o avanço espiritual da pessoa estará comprometido pela tendência natural do ego de reforçar as barreiras de separação da falsa imaginação. Então, por causa das atividades ego-centradas, a consciência permanece cercada pelos muros de sua própria criação e se move dentro dos limites desta prisão de maya.


Para a consciência ser emancipada de suas limitações e tornar-se adequada para servir o propósito original pelo qual ela veio a existir, ela deve extrair o seu dinamismo direcionador não do ego, mas de algum outro princípio. Em outras palavras, o motorista que é ignorante do destino final deve ser trocado por outro motorista que estiver livre de todo o fascínio das coisas acidentais encontradas no caminho, e que concentre a sua atenção não nas estações de descanso ou nas atrações paralelas, mas sim no objetivo final. O deslocamento do centro de interesse de coisas sem importância para valores verdadeiramente importantes é comparável à transferência de poder do motorista ignorante para o motorista que conhece o destino. Juntamente com essa mudança gradual do centro de interesse, há uma dissolução progressiva do ego e o movimento em direção à Verdade.
Se o ego não fosse nada além do que um meio para a integração da experiência humana, seria possível para uma pessoa estabelecer-se na Verdade final apenas desempenhando as atividades do ego. Porém, embora desempenhe um papel específico na evolução da consciência, o ego também representa um princípio ativo de ignorância que impede um desenvolvimento espiritual ulterior. O ego tenta a integração da experiência, mas faz isso em torno da falsa idéia de separação. Tendo tomado uma ilusão como a fundação para a construção do seu edifício, ele nunca consegue nada além da construção de ilusões uma após outra. A função do ego realmente atrapalha em vez de ajudar a chegar à Verdade. O processo de chegar à Verdade apenas pode ser frutífero se a integração presidida pelo ego for levada adiante sem trazer consigo a ignorância básica da separação.
Enquanto a experiência humana residir dentro da limitação da dualidade, a integração da experiência é uma condição essencial para uma vida racional e significativa. Mas o ego como um núcleo de integração tem de ser renunciado por causa de sua inevitável aliança com as forças da ignorância. Surge, então, uma necessidade imperativa de um novo centro de integração que levará embora a ignorância básica da separação e deixará margem livre para a incorporação de todos os valores anteriormente inacessíveis ao ego-centro. Este novo centro é fornecido pelo Mestre, o qual expressa tudo o que tem valor real e que representa a Verdade absoluta. A mudança de interesse por coisas sem importância para valores importantes é facilitada pela fidelidade e autorendição ao mestre, o qual se torna o novo núcleo para a integração.
O Mestre, quando verdadeiramente compreendido, é uma afirmação permanente da unidade de toda a vida. A fidelidade ao Mestre, portanto, traz uma dissociação gradual do núcleo do ego que afirma a separação. Após essa crise importante na vida de um indivíduo, toda a atividade mental tem um novo quadro de referência. E o seu significado deve ser considerado à luz de sua relação com o Mestre como a manifestação da Verdade infinita, e não à luz de qualquer relação com o ego-centro como um “eu” limitado. A partir daí, a pessoa descobre que todos os atos que fluem dela já não são mais iniciados a partir do “eu” limitado, mas são todos inspirados pela Verdade através do Mestre. Ele também não mais fica interessado no bem-estar do ser limitado, mas só está interessado no Mestre como a representação da vida universal e indivisível. Ele oferece todas as suas experiências e desejos para o Mestre, não conservando nem o bem nem o mal para o "eu" limitado, tirando o ego de toda a superfície.
Esta falência do ego que está em progresso, não interfere com o processo de integração, porque a função é executada agora em torno do novo centro - do Mestre representando a Verdade. Quando o ego-núcleo ficar completamente falido e desprovido de qualquer poder ou ser, o Mestre, como a Verdade, será firmemente estabelecido na consciência como seu gênio orientador e como princípio animador. Isso constitui tanto a obtenção da união com o Mestre quanto a realização da Verdade infinita.
Conforme o ego gradualmente ajusta-se às exigências espirituais da vida através do cultivo da humanidade, da abnegação e do amor, entregando-se incondicionalmente e oferecendo-se ao Mestre, como a Verdade, ele sofre uma drástica redução. Ele não apenas oferece cada vez menos resistência ao desenvolvimento espiritual, mas também sofre uma transformação radical. Essa, eventualmente, torna-se tão grande que ao final, o ego, como uma afirmação de separatividade, desaparece completamente e é substituído pela Verdade que não conhece separação.
As etapas intermediárias de enfraquecer o ego e suavizar sua natureza, são comparáveis à limpeza e à poda dos galhos de uma árvore selvagem e frondosa, enquanto que o último passo da aniquilação do ego, significaria desenterrar totalmente a árvore. Quando o ego desaparece totalmente, surge o conhecimento do verdadeiro Ser. Assim, a longa jornada da alma consiste em desenvolver a partir da consciência animal a consciência de si mesmo explícita como um "eu" limitado, em seguida, em transcender o estado do “eu” limitado da consciência humana, por intermédio do Mestre. Nessa fase, a alma é iniciada na consciência do Ser supremo e real como um eterno e infinito "Eu Sou" no qual não há separação e o qual inclui toda a existência.