segunda-feira, 5 de abril de 2010

Farid ud-Din Attar - O Vale do Amor



“Depois do primeiro vale”, continuou a poupa, “encontra-se o vale do amor. Para entrar nele deve-se mergulhar inteiramente no fogo; o que digo!?, deve-se ser o próprio fogo, pois de outra forma não se poderia viver ali. O verdadeiro amante deve de fato parecer-se com o fogo; é necessário que ele tenha o rosto inflamado, que seja ardente e impetuoso como o fogo. Para amar não se deve ter segundas intenções; deve-se estar disposto a atirar prazerosamente cem mundos ao fogo; não há de conhecer nem a fé nem a infidelidade, não é preciso nem dúvida nem certeza. Neste caminho não há diferença entre o bem e o mal.


Ó tu que vives na despreocupação! Este discurso não poderia tocar-te; tu o rejeitas, teus dentes não podem mordê-lo. Aquele que age com lealdade aposta dinheiro de verdade, arrisca sua cabeça para unir-se ao Amigo. Os demais contentam-se com a promessa que se lhes faça para amanhã; porém somente o amante recebe o prêmio de verdadeiro valor. Se aquele que se engaja na via espiritual não consome a si mesmo por completo, como poderá ser libertado da tristeza que o oprime? Enquanto toda a essência não for radicalmente consumida, poderás fazer de teu coração um mostruário de rubis e vendê-lo? O falcão é presa do fogo da agitação enquanto não atinge seu objetivo. Se o peixe cai do oceano para a praia, ele se agita até retornar à água.


Neste vale o amor é representado pelo fogo e sua fumaça é a razão. Quando o amor vem, a razão foge o mais rapidamente possível. A razão não pode coabitar com a loucura do amor; o amor não tem nada a ver com a razão humana. Se adquirisses uma visão realmente clara do mundo invisível, só então poderias conhecer a fonte do amor misterioso que te anuncio. A existência do amor é, folha por folha, completamente destruída pela própria embriaguez do amor. Se possuísses a visão espiritual, os átomos do mundo visível também te seriam desvelados; mas se olhas com o olho da inteligência humana, jamais compreenderás o amor assim como ele é. Somente um homem experiente e livre pode sentir esse amor espiritual. Pois bem, és tu que não tens a experiência requerida, e ademais, não estás verdadeiramente enamorado. Tu estás morto! Como estarias pronto para o amor? Seria necessário para aquele que se compromete nessa via possuir milhares de corações vivos, a fim de poder sacrificá-los às centenas a cada instante.”




O Hodja Enamorado




O amor levou um hodja pelos caminhos da miséria; ele errava sem lugar e sem família, desgraçado por causa do amor que experimentava por um jovem vendedor de cerveja. O excesso desse amor transformou-se em loucura, e a infâmia que disso resultou teve ressonâncias. Todos os objetos, imóveis e escravos que possuía, ele os vendeu para comprar cerveja daquele moço. Quando mais nada restava a esse homem que havia perdido seu coração e caído na indigência, seu amor cresceu ainda cem vezes mais. Mesmo quando lhe davam todo o pão que queria ele ainda continuava faminto, porém contente da vida, porque cada bocado que recebia trocava por cerveja; permanecia faminto, a fim de beber em um instante cem copos de cerveja. Um dia alguém lhe perguntou: “Tu, cujo estado é desolador, o que é o amor? Desvela-me esse segredo.” O hodja respondeu: “O amor é tal que deves vender a mercadoria de cem mundos para comprar cerveja.”


Enquanto o homem não agir dessa maneira, conhecerá o verdadeiro sentido do amor?



Outra história sobre Majnun



Os pais de Laila jamais permitiram que Majnun entrasse em sua tribo; porém Majnun, ébrio de amor, pediu emprestada a pele de um cordeiro a um pastor que estava no deserto onde a tribo de Laila levantava suas tendas. Ele curvou então sua cabeça, cobriu-a com essa pele e tomou assim a aparência de um cordeiro. Depois Majnun disse ao pastor: “Eu te suplico, em nome de Deus! Deixa-me entre tuas ovelhas. Leva teu rebanho para perto de Laila para que eu possa sentir o perfume daquela que amo, e, escondido de minha amiga sob esta pele, possa desfrutar de sua presença.”


Se pudesses sentir tal amor por um instante, tu serias digno de pertencer à humanidade até a raiz de cada um de teus cabelos. Ai! Tu não sentes a dor amorosa dos homens espirituais, ignoras a boa sorte das pessoas do jardim espiritual.


Majnum foi sob essa pele ao encontro de sua amiga, escondido entre as ovelhas. Ao ver Laila, foi invadido por tal alegria que acabou por desmaiar. Quando o amor produziu esse efeito sobre ele e a água (a honra) deixou seu rosto, o pastor tomou-o nos braços e levou-o para a sombra da planície; lançou água sobre a face desse jovem tão profundamente embriagado de amor, para que essa água acalmasse um pouco aquele fogo.


Dias depois, quando Majnun, ainda ébrio de amor, estava sentado com algumas pessoas no deserto, um dos membros dessa reunião lhe disse: “ Ó tu, que és bem nascido! Como podes estar sem roupas? Se desejares, eu te trarei agora mesmo a vestimenta que preferires.” - “Nenhuma vestimenta é digna de minha amiga”, respondeu Majnun, “assim, não há para mim roupa mais conveniente que a pele do cordeiro; ela serviu-me de ispand para afastar o mau olhado. Majnun vestiria com prazer ricas vestes de brocado tecido em ouro, porém agrada-lhe essa pele por meio da qual ele pode agradar Laila. Se é graças a essa pele que posso ver minha amiga, como poderia desejar outra vestimenta? É sob essa pele que meu coração tem notícias do amor; e, como não posso alcançar sua essência, essa pele permite-me ter ao menos uma idéia dela.”


É preciso que o amor te arranque da sabedoria, é necessário que ele transforme tuas inclinações. A menor coisa no aniquilamento dessas inclinações é dar tua vida e abandonar os prazeres vulgares. Se tens os elevados sentimentos de que falo, põe o pé neste caminho, pois não é um jogo jogar assim a própria vida.



O Árabe na Pérsia



Um árabe foi à Pérsia e admirou-se dos costumes que ali encontrou. Quando visitava o país, esse ignorante passou por acaso diante de uma casa de calândares e viu um punhado de gente turbada que havia abandonado os dois mundos e não dizia palavra. Todos sem mulher, sem dinheiro, mas de coração puro; todos isentos de mancha, um mais que o outro. Se pareciam com ladrões sujos, e eram no entanto mais limpos que qualquer um que o mundo pudesse enxergar, e apesar de parecerem mergulhados na embriaguês, o êxtase que conheciam não é de se beber. Cada um deles tinha nas mãos uma garrafa de vinho turvo, que havia tido o cuidado de encher antes de sentar-se. Logo que o árabe viu essas pessoas sentiu-se inclinado por elas: seu espírito e seu coração detiveram-se no grande caminho de sua vida. Quando os calândares viram-no assim destituído de honra, de razão e de espírito, disseram-lhe todos: “Entra, ó ninguém!” Ele então entrou, por bem ou por mal. Assim foi, e eis tudo. Tornou-se libertino como os outros. Embriagado pelo efeito de um só copo de vinho ele apagou-se, renunciou a si mesmo e seu vigor foi aniquilado. Esse homem tinha muitos objetos de valor, muito ouro e prata, que um dos calândares tomou-lhe num instante. Um outro deu-lhe ainda mais vinho e depois jogaram-no para fora daquela casa inteiramente nu. Então o árabe viu-se obrigado a vagar, tonto, pobre, com a alma transtornada e os lábios secos, até chegar a seu país. Os árabes lhe disseram: “O que se passou contigo?” Onde está teu ouro e tua prata? Talvez tenhas adormecido e fostes roubado. Tinhas dinheiro e agora estás pobre e na agitação; fizeste mal em ir à Pérsia, não dizes palavra e pareces tão diferente. Explica o que te aconteceu, para que conheçamos a situação em que te encontras.” - “Enquanto vagava cheio de orgulho pelo caminho”, ele respondeu, “ encontrei-me de repente entre calândares. De nada sei além disso, a não ser que meu ouro e minha prata se foram e que perdi tudo.” Sua mente estava em outro lugar e tudo que ouvia parecia-lhe tagarelice inútil e absurda. Pediram-lhe que descrevesse aquela gente, e ele contou: “ Eles disseram simplesmente: Entra.”