sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Philokalia - Nikitas Stithatos - Sobre o Conhecimento Espiritual (parte 2)

Ainda antes da criação de todas as coisas a partir do nada, o Criador possuía em Si mesmo o conhecimento, os princípios intrínsecos e as essências de tudo aquilo que Ele trouxe à existência, pois Ele é soberano sobre as eras e tem presciência de todas elas. De maneira correspondente, quando à Sua própria imagem Ele moldou o homem como o soberano da criação, Ele dotou-lhe com o conhecimento, os princípios intrínsecos e as essências de todas as coisas criadas. Dessa forma, através de sua criação o homem possui as qualidades secas e frias dos fluídos gástricos vindas da terra, as qualidades quentes e úmidas do sangue vindas do ar e do fogo, as qualidade úmidas e frias da fleuma vindas da água, o poder de crescimento das plantas, o poder de nutrição dos zoófitos, seu aspecto passivo proveniente dos animais, seu aspecto espiritual e místico preveniente dos anjos e, finalmente, para poder existir e viver, sua respiração imaterial – sua alma incorpórea e imortal, entendida como intelecto, consciência e o poder do Espírito Santo – vinda de Deus.

Deus criou-nos à Sua imagem e semelhança (Gen.1,26). Nós somos Sua semelhança se possuímos virtude e compreensão, pois 'Sua virtude cobre os céus e a terra está cheia de Sua compreensão' (Hab. 3,3). A virtude de Deus é Sua justiça, Sua santidade e verdade: como diz Davi: 'Tu és justo, Ó Senhor, e Tua verdade está ao redor de Ti' (Sal. 89,8), e novamente: 'O Senhor é justo e sagrado' (Sal.145,17). Nós também estamos na semelhança de Deus se possuirmos retidão e bondade, pois 'bom e direito é o Senhor' (Sal. 25,8); ou se estivermos conscientes da sabedoria e do conhecimento espiritual, pois esses estão dentro Dele e Ele é chamado de Sabedoria e de Logos; ou se possuirmos santidade e perfeição, uma vez que Ele mesmo disse: 'Deveis ser perfeitos como vosso Pai celeste é perfeito' (Mat. 5,48), e: 'Deveis tornar-vos santos, pois eu sou santo' (Lev.11,44); ou se formos gentis e humildes no coração, pois está escrito: 'Aprendei de mim, pois sou gentil e humilde de coração, e encontrareis descanso para vossas almas' (Mat.11,29).

Uma vez que nosso intelecto é uma imagem de Deus, ele é verdadeiro consigo mesmo quando permanece entre as coisas que são propriamente dele mesmo e não divaga de sua própria dignidade e natureza. Sendo que ele ama permanecer dentre as coisas próximas a Deus e busca unir-se a Ele, no Qual ele tem sua origem, por Quem ele é ativado e na direção do Qual ele ascende por meio de suas capacidades naturais, desejando imitá-Lo em Sua compaixão e simplicidade.

Aquele que adere dedicadamente àquelas atividades do intelecto que estão de acordo com sua natureza e afirma a dignidade da inteligência, é mantido imaculado pelas preocupações materiais, está envolvido com a gentileza, a humildade, amor e compaixão e é iluminado pelo Espírito Santo. Sua atenção está focada nas esferas superiores da atividade contemplativa, ele é iniciado nos mistérios ocultos de Deus, através de suas palavras de sabedoria ele amorosamente ensina àqueles que são capazes de aprender a respeito dessas coisas. Dessa forma ele não usa seu talento apenas para seu próprio benefício, mas também compartilha sua bênção com seus companheiros.

Exalte o Um sobre a dualidade – o singular sobre o dual – e liberte a nobreza dele de todo o comércio com o dualismo e você irá imaterialmente consorciar-se com espíritos imateriais, pois você próprio terá se tornado um espírito místico, mesmo que pareça viver fisicamente entre os outros homens.

Uma vez que você houver trazido a limitação da dualidade para a subordinação da dignidade e natureza do Um, você terá subordinado toda a criação a Deus, pois terá trazido para a unidade o que estava dividido e terá reconciliado todas as coisas.

Enquanto a natureza dos poderes dentro de nós está num estado de discórdia interior e dispersa entre muitas coisas contrárias, nós não participamos dos dons supranaturais de Deus. E se nós não participarmos nesses dons, também estaremos longe da eucaristia mística do santuário celeste, celebrada pelo intelecto através de sua atividade espiritual. Quando através de assíduos labores ascéticos tivermos expurgado a nós mesmos da crueldade do mal e tivermos reconciliado nossa discórdia interior através do poder do Espírito, desse modo participaremos das inefáveis bênçãos de Deus e dignamente concelebraremos os mistérios divinos da eucaristia mística do intelecto cm Deus, o Logos e Seu santuário espiritual e supra-celestial, pois tornamo-nos iniciados e eclesiásticos de Seus mistérios imortais.

Nosso ser caído deseja de uma maneira que opõe nosso ser espiritual e nosso ser espiritual deseja de uma maneira que opõe nosso ser caído; e nessa batalha implacável entre os dois cada um almeja pela vitória e pelo controle sobre o outro. Essa contrariedade dentro de nós também é chamada de 'discórdia', 'ponto de inflexão', 'equilíbrio' e 'luta dupla'; e se o intelecto pende a balança para um ato da paixão humana a alma é dividida.

Enquanto formos assolados pela perturbação dos nossos pensamentos e enquanto formos governados e aprisionados por nosso ser caído, seremos auto-fragmentados e cortados da Mónada* divina, uma vez que não tornamos nossa as riquezas de sua unidade. Mas quando nossa mortalidade for engolida pelo poder unificador da Mónada e adquirirmos um desapego supranatural, quando o intelecto tornar-se mestre de si mesmo, iluminado por suas intelecções engendradoras de sabedoria, então a alma, num abraço sagrado com o Um, será libertada da discórdia tornando-se uma unidade: envolvida na Mónada divina, ela é unificada numa simplicidade sublime. Assim é a natureza da restauração da alma a seu estado original e assim é nossa renovação num estado ainda mais exaltado.

Simples e unificada, a presença da luz divina reúne dentro de si mesma as almas que participam dela convertendo-as em si mesma, unindo-as com sua própria unidade e aperfeiçoando-as com sua própria perfeição. Leva-as a descobrir as profundezas de Deus, de modo que elas contemplem os grandes mistérios e tornem-se iniciadas e guias dos mistérios religiosos. Aspire, portanto, ficar completamente purificado através de labor ascético e você verá esses mistérios estimados por Deus – dos quais eu falei- de fato operando dentro de você.

Os raios da Luz Primordial que iluminam as almas purificadas com o conhecimento espiritual não apenas preenchem-nas de bênção e luminosidade, eles também, por meio da contemplação das essências internas das coisas criadas, conduzem-nas para os céus místicos. Os efeitos da energia divina, entretanto, não páram aqui; eles continuam através da sabedoria e através do conhecimento das coisas indescritíveis até que unam as almas purificadas com o Um, tirando-as do estado de multiplicidade para o estado de unidade Nele.

*União perfeita do espírito e da matéria constitutiva de Deus