terça-feira, 31 de agosto de 2010

Bhagavan Ramana Maharshi - Abhyasa (Prática)


Pergunta: Qual é o método da prática?
Bhagavan: Uma vez que o Ser de uma pessoa que tenta alcançar a Realização do Ser (a autorealização) não é diferente dela mesma, e como não existe nada além ou que seja superior a ele para ser atingido por ela, sendo a Realização do Ser somente a realização da sua própria natureza, aquele que busca a Liberação realiza, sem dúvidas ou enganos, a sua natureza real distinguindo o eterno do transitório e nunca se desvia do seu estado natural. Isto é conhecido como a prática do conhecimento. Esta é a inquirição que leva à Realização do Ser.
P: Este caminho da auto-investigação (da investigação do Ser) pode ser seguido por todos os aspirantes?
B: Ele é adequado apenas para as almas maduras. As outras pessoas deveriam seguir métodos diferentes de acordo com o estado de suas mentes.
P: Quais são os outros métodos?
B: Eles são: (i) stuti, (ii) japa, (iii) dhyana, (iv) yoga, (v) jnana, etc
(i) stuti é cantar os louvores ao Senhor com um grande sentimento de devoção.
(ii) japa é expressar os nomes dos deuses ou os mantras sagrados como o Om, seja mentalmente ou
verbalmente. (Ao seguir os métodos de stuti e japa, às vezes a mente estará concentrada (fechada) e às vezes difusa (aberta). Os caprichos da mente não são evidentes para aqueles que seguem esses métodos).
(iii) dhyana denota a repetição dos nomes, etc, mentalmente (japa), com sentimentos de devoção. Neste método, o estado da mente será compreendido facilmente. Pois a mente não se tornará concentrada e difusa simultaneamente. Quando a pessoa está em dhyana ela não contacta os objetos dos sentidos, e quando está em contato com os objetos ela não está em dhyana. Portanto, aqueles que estão neste estado podem observar os meandros da mente aqui e ali ao fazer a mente parar de pensar em outros pensamentos, fixam-na em dhyana. Perfeição em dhyana é o estado de estar permanentemente no Ser (permanecendo na forma "Dele" tadakaranilai).
Como a meditação funciona de uma forma extremamente sutil, na origem da mente não é difícil perceber a sua elevação e subsidência.
(iv) yoga - a fonte da respiração é a mesma que a da mente, portanto, o apaziguamento de qualquer uma delas naturalmente leva a outra à mesma coisa. A prática de acalmar a mente através do controle da respiração (pranayama) é chamada de yoga.
Ao fixar suas mentes nos centros psíquicos como o Sahasrara (o lótus de mil pétalas) os yogis permanecem qualquer período de tempo sem a consciência de seus corpos. Enquanto esse estado continua eles parecem estar imersos em algum tipo de alegria. Mas quando a mente que havia se tornado tranquila emerge (tornando-se ativa novamente), ele retoma seus pensamentos mundanos. Por conseguinte, é necessário treiná-la com a ajuda de práticas como dhyana, sempre que ela se tornar externalizada. Ela atingirá então um estado no qual não há nem abrandamento e nem agitação.
(V) jnana é a aniquilação da mente, onde ela é feita assumir a forma do Ser através da prática constante de dhyana ou investigação (vichara). A extinção da mente é o estado em que há uma cessação de todos os esforços. Aqueles que estão estabilizados neste estado nunca desviam-se de seu verdadeiro estado. Os termos 'silêncio' (mouna) e inação referem-se a nesse estado apenas.
P: O estado de "estar quieto" é um estado que envolve esforço ou é sem esforço?
B: Não é um estado de indolência sem esforço. Todas as atividades mundanas que normalmente são chamadas de esforços são realizados com o auxílio de uma parte da mente e contêm pausas frequentes. Mas o ato de comunhão com o Ser (atma vyavahara) ou de permanecer quieto internamente é uma intensa atividade que é realizada com toda a mente e sem interrupção.
Maya (ilusão ou ignorância), que não pode ser destruída por qualquer outro ato, é completamente destruída por esta atividade intensa que é chamada de 'silêncio' (mouna).
P: Qual é a natureza de Maya?
B: Maya é o que nos leva a considerar como inexistente o Ser, a Realidade, que está sempre e em toda parte presente, permeando todas as coisas e auto-iluminado, e considerar como existente a alma individual (jiva), o mundo (jagat) e Deus (para) que foram provados conclusivamente serem inexistentes em todos os tempos e lugares.
P: Uma vez que o Ser brilha inteiramente por conta própria, porque não é geralmente reconhecido por todas as pessoas como são os outros objetos do mundo?
B: Sempre que objetos particulares são conhecidos, isso significa que o Ser que conheceu a Si mesmo na forma daqueles objetos. Pois o que é conhecido como conhecimento ou consciência é apenas a permeabilidade do Ser (atma sakti). O Ser é o único objeto senciente. Não há nada aparte do Ser. Se tais objetos existissem seriam todos insensíveis e, portanto, não poderiam nem conhecer a si mesmos e nem conhecer se conhecer mutuamente. É porque o Ser não conhece a sua verdadeira natureza desta forma que ele parece estar imerso e lutando no oceano do nascimento e da morte sob a forma de alma individual.
P: Embora o Senhor seja onipresente, a partir de passagens como "adorne-o através de Sua Graça", parece que Ele pode ser conhecido somente através de Sua graça. Como pode então a alma individual, por seus próprios esforços, alcançar a Autorealização na ausência da Graça do Senhor?
B: Como o Senhor representa o Ser e como Graça significa a presença ou a revelação do Senhor, não existe um momento em que o Senhor permaneça desconhecido. Se a luz do sol é invisível para a coruja, a culpa é somente desse pássaro e não do sol. Da mesma forma, pode a falta de consciência das pessoas ignorantes do Ser, que é sempre a natureza da consciência, ser outra coisa senão culpa delas mesmas? Como pode ser culpa do Ser? É apenas porque a Graça é da própria natureza do Senhor que Ele é conhecido como "a Graça abençoada". Portanto, o Senhor, cuja própria natureza em si é Graça, não tem de conceder Sua graça. Também não há nenhum momento em particular para outorgar a Sua graça.
P: Qual parte do corpo é a morada do Ser?
B: O coração no lado direito do tórax é geralmente indicado. Isto acontece porque costumamos apontar para o lado direito do peito quando nos referimos a nós mesmos. Alguns dizem que o Sahasrara (o lótus de mil pétalas) é a morada do Ser. Mas se isso fosse verdade a cabeça não deveria cair quando vamos dormir ou quando desmaiamos.
P: Qual é a natureza do coração?
B: Os textos sagrados que o descrevem dizem:
Entre os dois mamilos, abaixo do peito e acima do abdômen, há seis órgãos do cores diferentes (que não são os mesmos que os Chakras). Um deles, parecido com o broto de uma flor de água que está situado a dois dedos à direita é o coração. É invertido e dentro dele há um orifício minúsculo que é a sede das densas trevas (ignorância) cheias de desejos. Todos os nervos psíquicos (nadis) dependem dele. Ele é a morada das forças vitais, da mente e da luz (da consciência).
Mas, apesar de ser descrito assim, o significado da palavra coração (Hrdayam) é o Ser (atman). Sendo que ele é representado pelos termos existência, consciência, graça, eternas e plenas (Sat, Chit, anandam, nityam, purnam) ele não tem diferenças como exterior e interior ou acima e abaixo. Esse estado tranquilo em que todos os pensamentos chegam ao fim é chamado de 'o estado do Ser'. Quando ele é realizado como é, não há espaço para discussões sobre sua localização dentro ou fora do corpo.
P: Por que os pensamentos de muitos objetos surgem na mente, mesmo quando não há contato com objetos externos?
B: Todos esses pensamentos devem-se às tendências latentes (purva samskaras). Eles só aparecem para a consciência individual (jiva), que se esqueceu de sua natureza real e externalizou-se. Sempre que as coisas particulares são percebidas, a pergunta: "Quem é esse que as vê?” deveria ser feita, dessa forma elas vão desaparecer de imediato.
P: Como os fatores triplos (ou seja, o conhecedor, o conhecido e o conhecimento), que estão ausentes no sono profundo, no samadhi, etc, se manifestam no Ser (nos estados de vigília e de sonho)?
B: Do Ser surgem em sucessão: (I) Chidabhasa (a consciência refletida), que é uma espécie de luminosidade. (II) Jiva (a consciência individual) o vedor ou o primeiro conceito. (III) os fenômenos, que representam o mundo.
P: Uma vez que o Ser é livre das noções de conhecimento e de ignorância, como pode ser dito que ele permeia todo o corpo na forma de senciência ou de transmitir senciência aos sentidos?
B: Os sábios dizem que há uma conexão entre a fonte dos vários nervos psíquicos e o Ser, que este é o nó do coração, que a conexão entre o senciente e o inanimado existirá até que ela seja cortada em pedaços com a ajuda do verdadeiro conhecimento. Assim como a força sutil e invisível da eletricidade viaja através de fios e faz tantas coisas maravilhosas, também a força do Ser percorre os nervos psíquicos e penetra o corpo inteiro, conferindo senciência aos sentidos, e, caso esse nó seja cortado, o Ser continuará como sempre é, sem qualquer atributo.
P: Como pode haver uma conexão entre o Ser que é conhecimento puro e os fatores triplos que são conhecimento relativo?
B: De certa forma, isso é como o funcionamento de um cinema demonstrado abaixo:


1- O CINEMA
2- O SER
1- A lâmpada no interior do aparelho / 2- O Ser
1- A lente na frente da lâmpada / 2- A mente pura (sattivica) próxima ao Ser
1- O filme que é uma longa série de fotos separadas / 2- O fluxo de tendências latentes que consiste em pensamentos sutis
1- A lente, a luz que passa através dela e a lâmpada que juntas formam a luz focada / 2- A mente, a iluminação dela e do Ser, que juntos formam o vedor ou o Jiva
1- A luz que passa através da lente e incide na tela /
2- A luz do Ser emergindo da mente através dos sentidos e projetando-se sobre o mundo
1- As várias imagens que aparecem na luz da tela / 2- As diversas formas e nomes que aparecem como objetos percebidos na luz do mundo
1- O mecanismo que põe o filme em movimento /
2- A lei divina que manifesta as tendências latentes da mente


Assim como as imagens aparecem na tela enquanto o filme joga as sombras através da lente, o mundo dos fenômenos continuará a aparecer para o indivíduo nos estados de vigília e de sonho, enquanto houverem impressões mentais latentes. Assim como a lente aumenta as pequenas manchas sobre o filme a um tamanho enorme e como uma série de imagens são mostradas em um segundo, também a mente amplia as tendências que existem semeadas em árvores de pensamentos e mostra em um segundo mundos inumeráveis. Novamente, assim como existe apenas a luz da lâmpada visível quando não há nenhum filme, também apenas o Ser brilha sem os fatores triplos quando os conceitos mentais sob a forma de tendências estão ausentes nos estados de sono profundo, desmaio e samadhi. Assim como a luz ilumina a lente, etc, mantendo-se inalterada, o Ser ilumina o ego (chidabhasa), etc, mantendo-se inalterado.
P: Quais são as regras de conduta que um aspirante (sadhaka) deve seguir?
B: Moderação na alimentação, moderação no sono e moderação na fala.
P: Quanto tempo deve-se praticar?
B: Até que a mente alcance sem esforço o seu estado natural de liberdade de conceitos, isto é, até que o sentido de 'eu' e 'meu' não exista mais.
P: Qual é o significado de viver em solidão (Ekanta vasa)?
B: Como o Ser é onipresente, não há um lugar particular para a solidão. O estado de estar livre de conceitos mentais é chamado de "viver em solidão".
P: Qual é o sínal da sabedoria (viveka)?
B: Sua beleza reside em manter-se livre da ilusão depois de uma vez ter percebido a verdade . Existe medo apenas para aquele que vê mesmo que uma pequena diferença em Brahman Supremo. Enquanto houver a idéia de que o corpo é o Ser não é possível ser um realizador de verdade, seja quem for a pessoa.
P: Se tudo acontece de acordo com o karma (prarabdha: o resultado de nossos atos no passado) como podemos superar os obstáculos para a meditação (dhyana)?
B: Prarabdha diz respeito apenas à mente voltada para fora, não à mente voltada para dentro. Aquele que procura o seu verdadeiro Ser não terá medo de nenhum obstáculo.
P: O ascetismo (sanyasa) é um dos requisitos essenciais para uma pessoa se estabelecer no Ser (atma Nista)?
B: O esforço que é feito para se livrar do apego ao corpo é realmente para conseguirmos permanecer no Ser.
Apenas a maturidade dos pensamento e da investigação pode remover o apego ao corpo, e não as estações da vida (asramas), como a do aluno (brahmachari), etc. Pois o apego está na mente, enquanto que as estações pertencem ao corpo. Como podem as estações corporais removerem o apego na mente? Como a maturidade do pensamento e da investigação dizem respeito à mente, apenas isso pode, através da investigação por parte da mesma mente, remover os apegos que penetraram nela por falta de atenção e zelo. Mas, como a disciplina do ascetismo (sanyasasrama) é um meio para atingir o desapego (vairagya), e como o desapego é um meio para a investigação, aderir à uma ordem de ascetas pode ser considerado, de certa forma, como um meio de investigação através do desapego. Porém, em vez de desperdiçar sua vida entrando na ordem dos ascetas antes de estar apto a isso, é melhor viver a vida de um chefe de família. A fim de fixar a mente no Ser, o qual é sua verdadeira natureza, é necessário separá-lo das fantasias (samkalpas) e dúvidas (vikalpas) relacionadas à família, isto é, renunciar à família (samsara) mentalmente. Esse é o ascetismo real.
P: É uma regra estabelecida que enquanto houver a menor idéia de eu-sou-o-fazedor, o Autoconhecimento não poderá ser alcançado, mas é possível que um aspirante que é um chefe de família desempenhe suas funções corretamente sem esse sentido de ser o fazedor?
B: Como não é uma regra que a ação deva depender de um sentido de ser o executor, não é necessário duvidar se alguma ação será realizada sem um agente ou um ato de fazer. Embora o gestor do tesouro público possa parecer aos olhos dos outros estar fazendo o seu dever com muita atenção e responsabilidade durante todo o dia, ele pode estar cumprindo suas funções sem apego, pensando: "Não tenho nenhuma ligação real com todo esse dinheiro” e estar sem um senso de envolvimento em sua mente. Do mesmo modo, um chefe de família sábio pode cumprir sem apego as várias tarefas domésticas que lhe são atribuídas de acordo com seu karma passado, como uma ferramenta nas mãos de alguém. Ação e conhecimento não são obstáculos um para o outro.
P: De que serve para sua família um pai que é despreocupado com seu conforto físico e de que serve sua família para ele?
B: Embora ele seja totalmente negligente com os confortos do corpo dele, se, devido ao seu karma passado, sua família tem de subsistir por seus esforços, ele pode ser considerado como estar fazendo um serviço. Se for perguntado se o homem sábio recebe algum benefício ao exercer as tarefas domésticas, pode ser respondido que, como ele já atingiu o estado de completa satisfação, que é a soma de todos os benefícios e o maior bem de todos, ele não têm a ganhar mais nada ao desempenhar os deveres familiares.
P: Como pode a cessação de atividade (nivritti) e a paz da mente serem atingidas em meio às tarefas domésticas que têm por natureza uma atividade constante?
B: Como as atividades do homem sábio só existem aos olhos dos outros e não em si mesmas, embora imensas tarefas possam ser realizadas, ele realmente não faz nada. Por isso, suas atividades não são impedimentos para a inação e a paz de espírito. Porque ele sabe a verdade de que todas as atividades ocorrem em sua mera presença e que ele não faz nada. Portanto ele vai permanecer como a testemunha silenciosa de todas as atividades que estiverem ocorrendo.
P: Assim como karma passado do Sabio é a causa de suas atividades atuais, as impressões (vasanas) causadas por suas atividades atuais não irão acompanhá-lo no futuro?
B: Só quem é livre de todas as tendências latentes (vasanas) é um sábio. Sendo assim, como podem as tendências do karma afetar aquele que é totalmente independente das atividades?

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Jetsun Milarepa - Encontro e Partida

Os patronos do Nya Non queriam que Milarepa ficasse com eles permanentemente. Milarepa respondeu: "Eu não posso ficar aqui por muito tempo, mas vou conceder a bênção da vida longa e boa saúde a todos vocês. Também vou fazer um pedido para que nos encontremos novamente em circunstâncias auspiciosas propícias ao Dharma." Em seguida, ele cantou:



No imenso céu azul acima
Deslizam o sol e a lua.
Seus cursos marcam a mudança do tempo.
Céu azul, desejo-lhe saúde e fortuna,
Pois eu, a lua e o sol, por deleite estou partindo
Para visitar os Quatro Continentes.

No pico da montanha há uma grande rocha
Ao redor da qual muitas vezes o rei dos pássaros,
O abutre, dá voltas.
Seu encontro e sua partida marcam a mudança do tempo.
Querida pedra, fique bem e saudável, pois eu,
O abutre, por deleite voarei agora para longe
Para dentro do vasto espaço.
Que os relâmpagos nunca lhe atinjam,
Que eu não seja pego por armadilhas.
Inspirados pelo Dharma,
Que possamos nos encontrar novamente em breve,
Prósperos e abençoados.

Abaixo, no rio Tsang,
Nada o peixe com olhos de ouro;
O encontro do peixe com o rio e sua separação
Marcam a mudança do tempo.
Caro córrego, fique bem e saudável, pois eu,
O peixe, estou indo para o Ganges por diversão.
Que os irrigadores nunca o drenem,
Que os pescadores jamais passem sua rede em mim.
Inspirados pelo Dharma,
Que possamos nos encontrar novamente em breve,
Prósperos e abençoados.

No lindo jardim floresce a flor Halo;
Dando voltas em torno dela está a abelha persa.
Seu encontro e a sua partida,
Marcam a mudança do tempo.
Cara flor, fique bem e saudável, pois por deleite
Eu vou ver as flores do Ganges.
Que o granizo não bata em cima de você,
Que os ventos não me soprem para longe.
Inspirados pelo Dharma,
Que possamos nos encontrar novamente em breve
Prósperos e abençoados.

Girando em torno do Yogi Milarepa
Estão os fiéis patronos de Nya Nom;
Seu encontro e sua partida
Marcam a mudança do tempo.
Fiquem bem e saudáveis, queridos patronos, pois eu
Parto para as montanhas distantes por diversão.
Possa eu, o Yogi, fazer um bom progresso,
E vocês, meus patronos, tenham vida longa.
Inspirados pelo Dharma,
Que possamos nos encontrar novamente em breve
Prósperos e abençoados!

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Shri Siddharameshwar Maharaj - Amrut Laya - Discursos sobre o Dasbodh


"Se você tentar conceber a natureza da Verdade, por natureza, essa Verdade está além de todos os conceitos. O máximo que pode ser dito sobre Ela é que é um vazio" (Samartha Ramdas Maharaj - Dasabodh, capítulo 7, seção 7, versículo 1).


O Ser (Atman) está além de todos os conceitos (Nirvikalpa) e, portanto, o Ser é algo em que a nossa imaginação fracassa. Como o Ser não pode ser encontrado pelos pensamentos, não podemos pensar sobre Ele. O Ser não é visível, não pode ser sentido, não tem forma, não tem cor. Como, então, conhecer aquilo que não tem qualidade?
Se você cultiva um hábito, você o adquire. Se formar o hábito de pensar: "O Ser conhece tudo, mas nada conhece o Ser”, então você atingirá a Verdade. Se a pessoa não pratica a discriminação ela permanece ignorante, portanto, pense. Procure a companhia dos sábios. Neste mundo dos cinco elementos viva com consciência (awareness). Os cinco elementos (espaço, ar, fogo, água e terra) governam você. Portanto, você deveria lentamente separar de você esse mundo dos elementos usando o conhecimento. Isso significa que o mundo deveria ser posto de lado. Uma vez que eu não sou o corpo, como pode ser meu este mundo dos elementos?
Você pode ter ou Deus ou o mundo. Antes da guerra do Mahabharata, o Senhor Krishna disse para Kauravas: "Eu estou de um lado e meu exército está do outro, escolha qual quiser." Kauravas escolheu o exército, o que significa que escolheu o mundo, e Pandavas escolheu a Deus. O Senhor Krishna disse: "Eu sou sem qualidade, sem forma, não terei nenhuma arma em minhas mãos."
Devemos renunciar o mundo dos elementos com a ajuda do conhecimento. 'Aham', o 'ego', deveria ser enfraquecido – ainda assim ele não retrocede. Aqueles para os quais nenhum bem surge mesmo continuamente ouvindo o Jnani, devem ser chamados de "caídos".
Se apesar de ter entendido que o corpo é de uma casta baixa, a pessoa ainda continua querendo a limitada consciência-corpo, então saiba que ela é um corpo morto, um cadáver. Se depois de ouvir palavras de sabedoria, ela não sente nenhuma devoção, considere-a como "caída". O ego deveria desaparecer, mas não desaparece, essa condição é chamada de o estado do Jiva (ignorância caída). O sentimento de 'e
u' e de 'meu' são a razão pela qual eu tornei-me Jiva (ignorante). Eles devem ser eliminados. A Realidade Final é o que é, o sentimento de "eu" deve desaparecer. No entanto, ele não desaparece. 'Aham' (‘eu’) está na forma de um sentimento de ignorância. As escrituras enunciaram muitos métodos para eliminar o ego. 'Aham' (‘eu’) é a mais torta das letras do sânscrito. Aquele que viu a morte de seu próprio ego é muito afortunado.
"Vi a morte com os meus próprios olhos. Sem dúvida, esse é um ritual incomparável", disse São Tukaram.
O esforço do Jiva é sempre direcionado em aumentar o ego, "eu sou um aspirante, eu sou uma pessoa realizada, eu sou isso, eu sou aquilo". Com seus esforços, você alimenta aquele que deveria ser morto. Estou dizendo como se alimenta o ego. Se conseguir apagar o ego, você se tornará a Realidade.

Todo o mundo manifesto é perecível e não é verdadeiro. Vemos porque ele é perecível. Se não fosse perecível, não teria havido um observador. Por haver um observador há o observado. Tudo que é feito neste mundo é o trabalho da mente, do intelecto, etc. Tudo que você vê ou fala, você o faz porque existe a mente e o intelecto, etc. Portanto, enquanto o "você" é, o ego é capaz de elogiar e insultar. Qualquer ação que for feita, tem de ser feita pelos sentidos. O que quer que seja feito pelos sentidos é feito pelo ego. Você deveria render-se completamente ao Sadguru dizendo: "Minha mente não funciona em absoluto." Quanto maior for o uso que você faz do seu intelecto, mais ele vai crescer. Se você agir de acordo com o intelecto do Guru, o seu apego a este mundo acabará. Só então o "ego" será destruído e a pessoa compreenderá a sua própria morte.
"Refugie-se em mim abandonando todos os seus deveres e responsabilidades", disse o Senhor Krishna. Só assim o seu ego deixará você. Se você se refugiar em seu Sadguru (Mestre), você é Parabrahman. Para isso, você deve abandonar seus velhos hábitos. Aquele que quer Realizar, tem de destruir esse ego.

Se você disser: "Eu sou Brahman”, observe que você está chamando de Brahman este "eu". Assim, não pode haver compreensão por meio da meditação, da concentração, de mantras ou penitências. Só pode haver Realização através da companhia daquele que é Realizado, dos bhajans (orações), da devoção ao Ser e da compreensão dos conhecimentos transmitidos pelos Santos (os Mestres). Essa convicção é importante, porém, a devoção do São Tukaram fez-lhe compreender que o Ser natural existe tanto sem atributos como com atributos. Ele disse: "Canta o nome de Deus com fervor. Você não pode confiar neste corpo, e a morte vem num piscar de olhos."


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Existem dois estados da mente neste mundo: um é o de ausência de desejos e o outro é o de apego aos objetos dos sentidos. Apego implica em dar mais valor ou ter mais atração pelos objetos dos sentidos do que pela vida espiritual. Aquele que dá mais valor para a vida espiritual não tem gosto pelos objetos dos sentidos. O desejo não está presente. A pessoa deveria escolher se quer se entregar aos prazeres sensuais ou seguir o caminho espiritual. Aquele que é ardente na direção da espiritualidade, faz qualquer esforço necessário para alcançar seu objetivo e torna-se unido com ele. A vida da pessoa pode ir em uma dessas direções, a do estado de ausência de desejos ou essa do apego aos objetos dos sentidos. Quando você sabe que os objetos dos sentidos são irreais, então a ausência dos desejos aumenta. Já onde o desejo aumenta, o orgulho do corpo físico e dos objetos dos sentidos tornam-se mais importantes. Dessa forma a pessoa fica mais iludida.
Ás vezes a pessoa irá até criar obstáculos para o caminho da AutoRealização ao colocar o argumento: “Alguém pode se tornar livre em apenas uma vida?” E falando assim, ela também ensina igualmente para os outros. Seu estado de ausência de desejos se vai e ela cai. Entretanto, aquele que é avesso aos desfrutes sensoriais se rendeu totalmente ao Guru. Ele permanece fiel. Ele é a jóia dos homem, digno de receber Conhecimento Espiritual e Autoridade. O homem sem desejos torna-se totalmente unido com seu objetivo.
A mente tem uma tendência de ser atraída pelas coisas que ela gosta e que são similares a ela. É por isso que um homem faz amizades com pessoa de natureza semelhante. O ator gosta de atores, o revolucionário gosta de outro revolucionário e o Santo gosta de outro Santo. Eles têm amizade entre si. Somente aqueles que são Conhecedores e Espiritualmente Iluminados são os verdadeiros Brahmins, os “Conhecedores de Brahman”. Eles têm amor uns pelos outros. Aquele que rendeu-se ao Guru olha com igualdade para todos os seres, sabendo que todos são essencialmente Brahman.

Todos têm Atman, a Alma, presente em si mesmos. Portanto, todos deveriam ser tratados com respeito e dignidade. Os ensinamentos dos mestres tem de ser colocados em prática. Dessa forma obtemos repouso. Não há escapatória a menos que você separe o corpo do Ser. Se houver dor, fique em silêncio, sabendo que essa é a natureza do corpo. Mantenha a consciência de que você é além do corpo. Se isso não é colocado em prática então é danoso. 'Suchitpane dushchita' significa que mesmo que você entenda que isso está perfeitamente correto, esse entendimento não transforma-se em prática.

Portanto, seja generoso. Tente trazer o Ser interior que está distraído (duschita) para a consciência (suchita). Viva com consciência (awareness) e comece a fazer um bom uso deste nascimento.
O homem morre apenas uma vez. Seja sempre corajoso. O homem se tornou um escravo de tudo devido ao medo. Temos que alcançar o estado de ausência de medo. Confrontados tanto com a felicidade quanto com a tristeza, por que não pensarmos que o que se apresenta é para algum bem?
Mantenha sua fé no Não-Visto, Adrishta. Adrishta (invisível) significa aquilo que está além do reino da razão. Os Jnanis, os Conhecedores, entendem isso e seguem seu próprio caminho. Onde quer que Deus tenha lhe colocado, viva feliz nesse lugar. Deveríamos seguir o caminho da virtude. O sinal do Saddhu (santo) é que ele não age de acordo com o que vem à sua mente. Se alguém estiver lhe perturbando, suporte isso considerando que a pessoa está falando com a mente. Um aspirante deveria tonar sua vida significativa dessa forma.
Se o conhecimento da Realidade (Brahmavidya) é embebido, ele dá um resultado duplo. Isso significa, nós entendemos melhor o conhecimento. Pense em tudo o que você faz após levantar-se de manhã. Abandone os pensamentos mundanos e tente cultivar pensamentos elevados. Sempre durma depois de ter ficado livre de toda dúvida e acorde da mesma maneira. Não cultive pensamentos ruins a respeito de ninguém, quem quer que seja, sempre considere sua melhor natureza. Não preste atenção no que é ruim. Todos esses conselhos são para sua satisfação. Esses conselhos são para serem colocados em prática incansavelmente, como fez Arjuna, o discípulo de Krishna. Não deixe que a mensagem da Realidade pare nos portões do ouvido, como aconteceu com Karna (palavra que significa ouvido) o arqui-rival de Arjuna.

terça-feira, 17 de agosto de 2010

Nisargadatta Maharaj - O Pensamento-Sentimento "Eu Sou"

Questão: Eu gostaria de entrar novamente na questão do prazer e da dor, do desejo e do medo. Compreendo o medo que é memória e antecipação da dor. É essencial para a preservação do organismo e seu padrão de vida. As necessidades, quando sentidas, são dolorosas e sua antecipação é cheia de medo, estamos justamente com medo de não sermos capazes de satisfazer as nossas necessidades básicas. O alívio experimentado quando uma necessidade é satisfeita, ou uma ansiedade dissipada deve-se inteiramente ao fim da dor. Podemos dar nomes positivos a isso, como prazer, alegria ou felicidade, mas essencialmente é o alívio da dor. É este medo da dor que une nossas instituições sociais, econômicas e políticas.
O que me intriga é que temos prazer em coisas e estados de espírito que nada têm a ver com a sobrevivência. Pelo contrário, os nossos prazeres geralmente são destrutivos. Eles danificam ou destroem o objeto, o instrumento e também o sujeito do prazer. Caso contrário, o prazer e a busca do prazer não seria nenhum problema. Isto me conduz ao centro da minha pergunta: porque o prazer é destrutivo? Por que, apesar de sua destrutividade, ele é desejado?
Posso acrescentar que não tenho em mente o padrão dor-prazer pelo qual a natureza nos obriga a seguir o seu caminho. Refiro-me aos prazeres artificiais, tanto sensoriais quanto sutis, que vão desde os mais grosseiros, como comer demasiadamente, até os mais refinados. A dependência de prazer, custe o que custar, é tão universal que deve haver algo significativo na raiz dela.
Claro que nem todas as atividades do homem devem ser utilitárias, projetadas para atender uma necessidade. Brincar, por exemplo, é natural e o homem é o animal mais lúdico na existência. Brincar preenche a necessidade de autodescoberta e autodesenvolvimento. Mas mesmo em suas bricadeiras e jogos o homem se torna destrutivo, com relação à natureza, aos outros e a si mesmo.
Maharaj: Em suma, você não objetiva o prazer, mas apenas o seu preço - dor e tristeza.
Q: Se a própria realidade é bem-aventurança, então o prazer de alguma forma deve estar relacionado a ela.
M: Não vamos prosseguir pela lógica verbal. A bem-aventurança da realidade não exclui o sofrimento. Além disso, você conhece somente o prazer, não a bem-aventurança do puro ser. Então, vamos examinar o prazer no próprio nível dele.
Se olhar para si mesmo em seus momentos de prazer ou de dor, invariavelmente você vai descobrir que não é a coisa em si que é agradável ou dolorosa mas a situação da qual ela é uma parte. O prazer reside na relação entre o apreciador e o apreciado. E a essência disso é a aceitação. Qualquer que seja a situação, se for aceitável, ela é agradável. Se não for aceitável, é dolorosa. O que a torna aceitável
não é importante, a causa pode ser física, psicológica ou indetectável, a aceitação é o fator decisivo. Inversamente, o sofrimento é devido à não aceitação.
Q: A dor não é aceitável.
M: Por que não? Você já tentou? Tente e você vai encontrar na dor uma alegria que o prazer não pode produzir, pela simples razão de que a aceitação da dor leva você muito mais profundo do que o prazer leva. O ser pessoal por sua própria natureza está constantemente buscando o prazer e evitando a dor. O fim desse padrão é o fim do ser. O fim do ser com seus desejos e medos lhe permite retornar à sua verdadeira natureza, que é a fonte de toda felicidade e paz. O desejo perene por prazer é o reflexo da harmonia atemporal que há internamente. É um fato observável que uma pessoa se torna autoconsciente somente quando é capturada no conflito entre o prazer e a dor, o que requer escolha e decisão. É esse embate entre o desejo e o medo que provoca a raiva, que é a grande destruidora da sanidade na vida. Quando a dor é aceita pelo que ela é: uma lição e um aviso, e quando é profundamente analisada e atendida, a separação entre a dor e o prazer se rompe, ambos tornam-se experiência - dolorosa quando resistida, alegre quando aceita.
Q: Você aconselha evitar o prazer e buscar a dor?
M: Não, e nem perseguir o prazer e fugir da dor. Aceite a ambos como vierem, desfrute de ambos enquanto durarem, deixe-os ir como tiverem de ir.
Q: Como eu poderia de alguma maneira apreciar a dor? A dor física pede por ação.
M: Claro que sim. E assim também a mental. A felicidade está no estado de estar ciente disso, em não se apequenar ou de qualquer forma se afastar dela. Toda a felicidade vem da consciência (awareness). Quanto mais estamos conscientes, mais profunda a alegria. A aceitação da dor, a não-resistência, a coragem e a persistência - abrem fontes profundas e perenes de felicidade real, de graça verdadeira.
Q: Por que deveria a dor ser mais eficaz do que o prazer?
M: O prazer é prontamente aceito, enquanto que todos os poderes do ser rejeitam a dor. Como a aceitação da dor é a negação do ser e o ser fica no caminho da verdadeira felicidade, a aceitação incondicional da dor libera as fontes da felicidade.
Q: A aceitação do sofrimento age da mesma maneira?
M: O fato da dor é facilmente trazido para dentro do foco da consciência. Com o sofrimento não é tão simples. Focar o sofrimento não é suficiente, pois a vida mental, como a conhecemos, é um fluxo contínuo de sofrimento. Para atingir as camadas mais profundas do sofrimento você tem que ir nas suas raízes e desenterrar a sua vasta rede subterrânea, onde o medo e o desejo estão intimamente interligados e as correntes de energia vital se opõe, obstruem e destroem umas as outras.
Q: Como posso definir direito um emaranhado que está inteiramente abaixo do nível de minha consciência?
M: Ao estar com você mesmo, o "eu sou", ao observar-se em sua vida diária com um interesse alerta, com a intenção de compreender em vez de julgar, numa aceitação plena de tudo o que possa surgir, ao estar ali, você incentiva as profundezas a virem para a superfície e enriquecerem a sua vida e sua consciência com suas energias aprisionadas. Esse é o grande trabalho da consciência (awareness), que remove os obstáculos e libera energias através da compreensão da natureza da vida e da mente. A inteligência é a porta para a liberdade e a atenção alerta é a mãe da inteligência.
Q: Mais uma pergunta. Por que o prazer termina em dor?
M: Tudo tem um começo e um fim e o prazer também. Não antecipe e não lamente e não haverá dor. É a memória e a imaginação que causam sofrimento.
Claro que a dor depois do prazer pode dever-se à má utilização do corpo ou da mente. O corpo conhece a sua medida, mas a mente não. Seus apetites são inúmeros e ilimitados. Assista a sua mente com grande diligência, pois aí reside o seu cativeiro e também a chave para a liberdade.
Q: Minha pergunta ainda não foi totalmente respondida: Por que os prazeres do homem são destrutivos? Por que ele encontra tanto prazer na destruição? A preocupação da vida reside na proteção, perpetuação e expansão de si mesma. Nesse sentido ela é guiada pela dor e prazer. Em que ponto eles se tornam destrutivos?
M: Quando a mente toma conta, lembra e antecipa, ela exagera, distorce, negligencia. O passado é projetado no futuro e o futuro trai as expectativas. Os órgãos de sensação e ação são estimulados além da capacidade e inevitavelmente ficam avariados. Os objetos de prazer não podem render o que se espera deles e ficam desgastados ou são destruídos por uso indevido. Isso resulta em um excesso de dor onde o prazer era procurado.
Q: Nós destruímos não só a nós mesmos mas os outros também!
M: Claro, o egoísmo é sempre destrutivo. O desejo e o medo são estados centrados no ego. Entre o desejo e o medo surge a raiva, com a raiva o ódio, com ódio as paixões pela destruição. A guerra é o ódio em ação, organizado e equipado com todos os instrumentos da morte.
Q: Existe uma maneira de acabar com esses horrores?
M: Quando mais pessoas vierem a conhecer sua verdadeira natureza, a influência delas, por mais que sutil, vai prevalecer e a atmosfera emocional do mundo será adoçada. As pessoas seguem seus líderes e, quando entre os líderes aparecerem alguns, que forem grandes no coração e na mente e absolutamente livres de egoísmo, o seu impacto será o suficiente para tornar as crueldades e crimes da era atual impossíveis. A nova era de ouro pode vir e durar por um tempo e depois sucumbir à sua própria perfeição. Pois, a vazante começa quando a maré está em seu máximo.
Q: Não há tal coisa como a perfeição permanente?
M: Sim, existe, mas ela inclui todas as imperfeições. É a perfeição de nossa própria natureza que torna tudo possível, perceptível, interessante. Ela não conhece sofrimento, pois ela nem gosta nem desgosta, nem aceita nem rejeita. A criação e a destruição são os dois pólos entre os quais ela tece o seu padrão sempre em mudança. Seja livre de predileções e preferências e a mente com sua carga de pesares deixará de existir.
Q: Mas eu não sou o único a sofrer. Há outros.
M: Quando você vai até eles com seus desejos e medos, você apenas aumenta o sofrimento deles. Em primeiro lugar livre-se a si mesmo do sofrimento e apenas depois tenha esperança de ajudar os outros. Você não precisa nem mesmo ter esperança - a sua própria existência será a maior ajuda que um homem pode dar o seu próximo.


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Questão: Eu encontrei muitas pessoas Realizadas, mas nunca um homem liberado. Você já se deparou com um homem liberado? Ou a liberação significa, entre outras coisas, também o abandono do corpo?
Maharaj: O que você quer dizer com realização e liberação?
Q: Por Realização quero dizer uma experiência maravilhosa de paz, bondade e beleza, quando o mundo faz sentido e há uma unidade da substância e da essência permeando tudo. Embora essa experiência não dure, ela não pode ser esquecida. Ela brilha na mente, tanto como memória quanto como anseio. Eu sei o que estou falando, pois tive essas experiências.
Por liberação eu quero dizer estar permanentemente nesse estado maravilhoso. O que eu estou perguntando é se a liberação é compatível com a sobrevivência do corpo.
M: O que há de errado com o corpo?
Q: O corpo é tão fraco e de curta duração. Ele cria necessidades e desejos. Limita-nos gravemente.
M: Então o quê? Deixe as expressões físicas serem limitadas. Mas a liberação é a do ser de suas idéias falsas e auto-impostas, ele não está contido em alguma experiência particular, não importa o quão gloriosa.
Q: Ele dura para sempre?
M: Toda a experiência está limitada ao tempo. O que quer que tenha um início deve ter um fim.
Q: Então a liberação, no sentido que eu dou a palavra, não existe?
M: Ao contrário, você está sempre livre. Você está tanto consciente quanto livre para estar consciente. Ninguém pode tirar isso de você. Alguma vez você conhece a si mesmo não-existente ou inconsciente?
Q: Eu posso não lembrar mas isso não contradiz o meu ser por vezes fica inconsciente.
M: Por que não se voltar da experiência para o experimentador e perceber a total importância da única declaração verdadeira que você pode fazer: "eu sou"?
Q: Como isso é feito?
M: Não existe "como" aqui. Apenas mantenha em mente o sentimento "eu sou", funda-se nele, até que sua mente e seu sentimento tornem-se um. Através de repetidas tentativas você vai encontrar por acaso o equilíbrio da atenção e da afeição e sua mente ficará firmemente estabelecida no pensamento-sentimento "eu sou". Em qualquer coisa que você pensar, disser ou fizer, essa sensação de ser imutável e afetuosa permanecerá como o pano de fundo sempre presente da mente.
Q: E você chama isso de liberação?
M: Chamo isso de normal. O que há de errado com ser, saber e agir de maneira feliz e sem esforço? Por que considerar isso tão incomum como esperar a destruição imediata do corpo? O que há de errado com o corpo que faz com que ele devesse morrer? Corrija a sua atitude com o seu corpo e deixe-o para lá. Não mime, não torture. Apenas mantenha-o funcionando, na maior parte do tempo sob o limite da atenção consciente.
Q: A memória de minhas experiências maravilhosas me perseguem. Eu as quero de volta.
M: Porque você as quer de volta, não pode tê-las. O estado de ansiar por algo bloqueia qualquer experiência mais profunda. Nada de valor pode acontecer a uma mente que sabe exatamente o que quer. Pois nada que a mente possa visualizar e querer é de muito valor.
Q: Então o que vale a pena querer?
M: Deseje o melhor. A maior felicidade, a maior liberdade. A ausência de desejos é a graça mais elevada.
Q: A liberdade dos desejos não é a liberdade que quero. Eu quero a liberdade de atender aos meus anseios.
M: Você é livre para satisfazer seus desejos. Na verdade, você não está fazendo nada além disso.
Q: Eu tento, mas há obstáculos que me deixam frustrado.
M: Supere-os.
Q: Eu não posso, sou muito fraco.
M: O que lhe torna fraco? O que é fraqueza? Os outros satisfazem seus desejos, por que você não?
Q: Eu devo estar com falta de energia.
M: O que aconteceu com sua energia? Para onde ela foi? Você não tem dispersado sua energia sobre tantas buscas e desejos contraditórios? Você não tem uma reserva infinita de energia.
Q: Por que não?
M: Seus objetivos são pequenos e baixos. Eles não pedem mais. Somente a energia de Deus é infinita - porque Ele não quer nada para Si. Seja como Ele e todos os seus desejos serão cumpridos. Quanto maiores os seus objetivos e mais vastos os seus desejos, mais energia você terá para o cumprimento deles. Deseje o bem de todos e o universo irá trabalhar com você. Mas se você quer o seu próprio prazer, você deve ganhá-lo da maneira mais difícil. Antes de desejar, mereça.
Q: Eu estou engajado no estudo da filosofia, sociologia e educação. Acho que mais desenvolvimento mental é necessário antes que eu possa sonhar com a autorealização. Estou no caminho certo?
M: Para ganhar sustento na vida algum conhecimento especializado é necessário. Conhecimentos gerais desenvolvem a mente, sem dúvida. Mas se você passar sua vida acumulando conhecimento, você construirá um muro em volta de si mesmo. Para ir além da mente, uma mente bem mobilada não é necessária.
Q: Então o que é necessário?
M: Desconfie de sua mente e vá além.
Q: O que irei encontrar além da mente?
M: A experiência direta de ser, conhecer e amar.
Q: Como podemos ir além da mente?
M: Há muitos pontos de partida - todos eles levam ao mesmo objetivo. Você pode começar com o trabalho abnegado, abandonando os frutos das ações; você pode então abandonar os pensamentos e acabar por abandonar todos os desejos. Aqui, abandonar (tyaga) é o fator operacional. Ou, você pode não se preocupar com nada que você venha a querer, pensar ou fazer e apenas ficar junto do pensamento e sentimento "eu sou", focando o "eu sou" firmemente em sua mente. Todo tipo de experiência poderá vir a você - permaneça imóvel no conhecimento de que tudo que é perceptível é passageiro e apenas o "eu sou" dura.
Q: Eu não posso dar toda a minha vida a tais práticas. Tenho meus deveres para atender.
M: De qualquer maneira atenda seus deveres. Ação, na qual você não está emocionalmente envolvido e que é benéfica e não causa sofrimento, não irá aprisioná-lo. Você pode estar envolvido em várias direções e trabalhar com enorme entusiasmo, ainda assim permanecer interiormente livre e tranquilo, com uma mente como um espelho que reflete tudo sem ser afetada.
Q: Tal estado pode ser alcançado?
M: Eu não iria falar sobre isso se não fosse. Por que eu me ocuparia com fantasias?
Q: Todas as pessoas citam as escrituras.
M: Aqueles que conhecem apenas as escrituras não sabem nada. Saber é ser. Eu sei o que estou falando, isso não é proveniente de leitura ou heresia.
Q: Estou estudando sânscrito com um professor, mas realmente estou somente lendo as escrituras. Estou em busca da autorealização e vim para receber a orientação necessária. Por favor, diga-me o que devo fazer?
M: Sendo que você leu as escrituras, por que você vem perguntar para mim?

Q: As Escrituras mostram as direções gerais mas o indivíduo necessita de instruções pessoais.
M: Seu próprio Ser é o seu mestre derradeiro (sadguru). O professor externo (Guru) é apenas um marco. É apenas o seu mestre interior que vai levá-lo até o objetivo, pois ele é o objetivo.
Q: O mestre interior não é facilmente alcançado.
M: Sendo que ele está em você e com você, a dificuldade não pode ser séria. Olhe para dentro e você vai encontrá-lo.
Q: Quando eu olho para dentro, encontro sensações e percepções, pensamentos e sentimentos, desejos e medos, memórias e expectativas. Fico imerso nessa nuvem e não vejo mais nada.
M: Esse que vê de tudo isso e vê o nada também, é o mestre interior. Ele apenas é, tudo o mais apenas parece ser. Ele é o seu próprio Ser (Swarupa), é sua esperança e garantia de liberdade, encontre-o e agarre-se a ele e você será salvo e estará seguro.
Q: Eu acredito em você, mas quando se trata da própria descoberta desse ser interior, sinto que ele me escapa.
M: Essa idéia "ele me escapa”, aonde ela surge?
Q: Na mente.
M: E quem conhece a mente.
Q: A testemunha da mente conhece a mente.
M: Alguém veio até você e disse: "Eu sou testemunha da sua mente”?
Q: Claro que não. Isso teria sido apenas uma outra idéia na mente.
M: Então quem é a testemunha?
Q: Eu sou.
M: Portanto, você conhece a testemunha porque você é a testemunha. Você não precisa ver a testemunha na sua frente. Aqui, novamente, ser é conhecer.
Q: Sim, vejo que eu sou a testemunha, a própria consciência. Mas de que forma isso me beneficia?
M: Que pergunta! Que tipo de benefício você espera? Saber o que você é não é bom o suficiente?
Q: Quais são os usos do autoconhecimento?
M: Ele ajuda você a entender o que você não é e o mantém livre de idéias, desejos e ações falsos.
Q: Se sou apenas a testemunha, o que importa o certo e o errado?
M: O que ajuda-o a conhecer a si mesmo é certo, o que impede, é errado. Conhecer nosso verdadeiro ser é bem-aventurança, esquecer é tristeza.
Q: A consciência-testemunha é o Ser real?
M: É o reflexo do real na mente (buddhi). O real está além. A testemunha é a porta pela qual você pode passar além.
Q: Qual é o objetivo da meditação?
M: Ver o falso como falso é meditação. Isso deve prosseguir o tempo todo.
Q: Nós somos orientados a meditar regularmente.
M: O exercício deliberado diário em discriminar entre o verdadeiro e o falso e a renúncia do falso é meditação. Existem muitos tipos de meditação para se começar, mas todos eles finalmente fundem-se em um único.
Q: Por favor me diga qual é o caminho mais curto para a autorealização.
M: Nenhum caminho é curto ou longo, mas algumas pessoas são mais sérias e sinceras e outras são menos. Eu posso dizer sobre mim. Eu era um homem simples mas confiei no meu Guru. O que ele me disse para fazer, eu fiz. Ele me disse para concentrar-me no "eu sou" - e eu o fiz. Ele me disse que eu estou além de tudo que é perceptível e concebível - eu acreditei. Eu dei a ele meu coração e minha alma, toda minha atenção e todo o meu tempo livre (eu tinha que trabalhar para manter minha família viva). Como resultado da fé e da aplicação sincera, Realizei meu Ser (Swarupa) no prazo de três anos.
Você pode escolher qualquer caminho que lhe seja conveniente; sua seriedade e seriedade vão determinar o ritmo do progresso.
Q: Não há nenhuma dica para mim?
M: Estabeleça-se firmemente na consciência do "eu sou". Esse é o início e também o fim de todo o esforço.

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

G. I. Gurdjieff - Paris, 8 de outubro de 1943


Gurdjieff: Rapaz, eu notei você pouco tempo atrás e então você desapareceu. Estou muito interessado em saber como você passou as férias e o que você trouxe de volta para minha decepção ou para minha satisfação. Estou muito interessado em escutar seu depoimento. Todos que voltaram de férias deram seus depoimentos; conheço-os mais ou menos agora. Para que eu conheça você melhor no futuro, para suas relações futuras, eu gostaria de saber como você passou o seu tempo e ao mesmo tempo talvez as minhas respostas para você serão úteis para outras pessoas. Portanto, se você não quer fazer essas outras pessoas felizes, você pode se recusar a falar e nós dois juntos podemos falar a sós. Mas se você decidir que seu depoimento pode ser útil, faça-o.


Lebeau: Durante as férias meu trabalho consistiu em desempenhar todos os tipos de papéis. Tenho a impressão que estou um pouco mais livre no que diz respeito às outras pessoas comigo e dos resultados de minhas ações. Nos quatro dias desde que voltei a Paris, sinto em mim um tipo vago de medo, de reação de defesa. Parece-me que tudo que está a minha volta é feito para me comer, que eu estou mais dependente das coisas externas, do sucesso e da falha, como se uma nova força quisesse destruir algo em mim. E eu diria que isso quase me aterroriza, pois isso me parece ser algo essencial e eu gostaria de saber o que eu poderia fazer para lutar contra isso.


Gurdjieff: Você gostaria de ter primeiro uma explicação sobre isso e seguir depois ou você quer continuar agora?


Lebeau: Gostaria de dizer algo mais. Vários meses atrás você aconselhou-me a ser um bom egoísta. Agora em relação aos outros, sinto muitas atitudes em mim que me parecem ser o resultado do que eu fiz nas férias. Há o antigo: Dar, ter piedade, que num sentido está sempre ali. Há algo novo que faz eu considerar os outros como meios ou instrumentos e que eu posso dizer para mim mesmo que todos morram, que diferença isso faz para mim. Há uma terceira atitude que consiste em fugir deles. Ás vezes é uma, às vezes é outra, às vezes as três juntas. Eu não consigo conciliá-las e isso me dá um sentimento bizarro. E o que eu digo sobre os outros eu podeira dizer um pouco da mesma maneira sobre mim. Considerar a mim mesmo como um instrumento. Com as mesmas ações com relação aos outros. Isso produz um certo sentimento de desconforto que não consigo harmonizar. (uma longa pausa) Isso é tudo que eu tinha a dizer.


Gurdjieff: Há três preguntas e você entende que deveria ter três explicações minhas. Primeiro, lá onde você esteve durante um período especial você criou para si mesmo hábitos de vida muito diferentes dos usais, condições muito diferentes, outro tempo para suas funções: uma qualidade absolutamente diferente. E você volta aqui. Aqui é outra situação, outras condições que você experimentou, como você relatou. E agora se você continuar a ter medo, então acontecerá com você o mesmo que acontece com um monge num monastério. Num monastério ele trabalha muito bem sozinho. Mas na vida ele vai numa direção bem distinta assim que estabelece relações com as outras pessoas. O que você ganhou enquanto estava fora você deve usar – deve fixar isso na sua vida. Inicie uma tarefa muito difícil. Não se identifique. Fixe tudo o que você adquiriu. Se você não faz esforços para fixar isso em você, acontecerá com você exatamente o que acontece com um monge. Tudo será perdido.


Lebeau: Isso é um pouco como senti: a necessidade de fixar tudo isso.


Gurdjieff: Será um período muito duro de atenção. Não se identificar e continuar a atuar um novo papel aqui. Externamente agir igual você costumava a agir e internamente manter o seu estado e fixá-lo firmemente nas condições de sua vida presente. Dessa forma você terá o lucro de tudo o que você fez durante as férias. Se não, tudo irá se tornar uma miscelânea. Aqui estão minhas instruções: Não tenha piedade de si mesmo, não poupe a si mesmo e impiedosamente cristalize em você, mesmo nas novas condições de vida, as impressões e associações do verão.


Lebeau: O que torna o trabalho mais difícil é que durante as férias eu tinha a cada vez um papel exato para atuar, aqui devo achar algo diferente.


Gurdjieff: É por isso que é difícil e eu lhe disse para fazer um esforço. Você deve atuar seu antigo papel e fazer com que o seu estado interior seja a nova condição que você adquiriu. Em seguida você colocou uma segunda questão sobre o egoísmo. A esse respeito eu disse no geral que aquele que quer ser um altruísta real no futuro deveria ser no presente um egoísta absoluto. Mas nesse verão você achou que isso deveria incluir os seus próximos – seu pai e sua mãe. Mas com eles você não pode ser um egoísta, você não pode agir dessa maneira. Com eles, a natureza não permite isso. Com os outros você pode. É daí que vem o mal-entendo; eu não especifiquei o objeto do exercício e você considerou seu pai e sua mãe. Mas isso depende do objeto. Quando eu falei eu não falei do pai e da mãe, falei em geral. Você deveria externamente atuar um papel e internamente não se identificar. E você fez isso com sua mãe. Eu disse que você deveria ser um puro egoísta de modo a ter a possibilidade de ser um futuro altruísta verdadeiro. Mas você não poderia ser um egoísta verdadeiro com seu pai e sua mãe nesse verão. Essa é a razão do porquê foi difícil. Você tomou-os como objeto do exercício, mas você não podia ter feio isso, pois isso é contra a natureza.


Lebeau: Isso está correto. Mas mesmo com relação aos outros, a pena surgia. Quando eu estava atuando meu papel, havia pena. Não especialmente por cada um mas pela totalidade de tudo junto que estava ali daquela maneira.


Gurdjieff: Então era sempre quando você estava indo ver seu pai e sua mãe e isso continuava automaticamente pelo dado impulso. Você não ficava em paz após tê-los visto, mas você não tinha que ter pena. Você deveria ser egoísta. Os outros não existem para você; no futuro você vai estar apoiado sobre suas próprias pernas. Mas no presente você não tenha pena; essa é sua tarefa. É diferente quando você vai encontrar seu pai e sua mãe, a pena vem automaticamente e até mesmo o remorso de consciência. Você confundiu as coisas. Eu não lhe alertei quando expliquei o egoísmo e não disse nada em especial sobre isso no que se referia a seus pais. E agora a terceira questão: Eu lhe darei uma tarefa e se você quiser, até mesmo todo seu futuro dependerá da maneira como você passará seu tempo nos próximos meses. Disso depende todo o seu futuro. Nesse verão você adquiriu um bom material; fixe isso em você para a vida. É um trabalho muito duro. Lembre-se de si. O tempo todo. Fixe isso com o “eu sou”. Constantemente na vida tente, continue, de forma completamente egoísta. Sem pena. Não ajude ninguém e tenha uma consciência limpa. Quando você se fortalecer você verá cem vezes mais. Agora você não é forte, você não pode fazer nada. Esqueça tudo em prol do seu futuro. E o seu futuro depende de você continuar o exercício do egoísmo. Portanto continue isso. Como você pode fazer para não esquecer? “eu sou, eu posso ser, eu posso ser isso”. Para não ser um egoísta no futuro. Tente. Lembre-se de si o mais frequentemente possível. “Eu sou”. Tenha a sensação de você mesmo tanto quanto possível e quanto mais você puder lembrar de si internamente, melhor será o seu futuro.


Lebeau: Às vezes eu quase não queria deixar meu egoísmo livre, pois ficava surpreso de senti-lo dentro de mim como um animal faminto e ficava com medo dele.


Gurdjieff: Você foi viajar para nutrir-se e descansar. Você preparou material de modo que você pudesse trabalhar. Então mesmo se tivesse agido como um vampiro teria sido perdoável. Você tinha que ter nutrimento. A propósito, constatei que a maioria daqueles que retornaram das férias estão fora de equilíbrio. Isso é normal assim como era normal no momento antes de partirem. Todos esqueceram que o homem não consiste de uma pessoa mas de duas ou três pessoas. Eles se esqueceram disso enquanto estiveram fora. Eles agiram como se fossem uma pessoa. Mas não são uma pessoa. Eles desenvolveram uma parte e esqueceram as outras e hoje sentem uma desarmonia em si mesmos. Um, por exemplo, desenvolveu seu corpo muito bem e negligenciou sua individualidade. E todos sentem uma desarmonia. Eles não são apenas uma pessoa mas três pessoas diferentes. Todas as três devem ser desenvolvidas. Para cada uma das três, tempo e medidas devem ser tomados. Se, por exemplo, alguém desenvolveu sua mente bem e não desenvolveu seu corpo, ele é uma nulidade ainda mais do que antes. Se você quiser formular isso, poderia ser assim: Ele tem três pessoas em si, uma tem oito anos de idade, a outra quarenta, a outra cento e cinco anos. Represente isso para você. Três pessoas assim em uma sala. Elas não podem ter nada em comum umas com as outras nenhum acordo ou nenhum trabalho em comum. A pessoa que tem sessenta não pode agir como uma criança de oito e a criança de oito não pode entender o que a pessoa de sessenta pode.

Não se esqueça que o homem é feito de três pessoas. Para cada uma das três deve haver um exercício diferente. Todas as três devem trabalhar, e não apenas uma, apenas de um lado. Isso seria assimétrico. As três devem avançar juntas. Aquele que durante as férias desenvolveu seu centro do sentimento e se isso não corresponde bem com seu corpo, não será possível fazer progresso. Ele terá de descristalizar e destruir o trabalho que ele fez enquanto esteve fora para poder tornar-se apto a desenvolver a segunda parte. As férias foram muito boas para uma coisa . Elas lhe deram o gosto de compreender o que você deve compreender. Outro ano está começando para o trabalho. Uso os seus erros e suas observações para trabalhar agora seriamente e para ter bons resultados.

Mas você pode usar o que ganhou durante as férias se você reparar (compensar) o que você não fez: coloque de lado o que você desenvolveu, coloque sua atenção e trabalhe no lado que não foi desenvolvido. Quando as duas estiverem harmonizadas, elas serão unidas. Aquele que desenvolve-se apenas com sua mente é nada, se for apenas com o corpo, ele também é nada. Ambos são necessários. Agora você já possui o material que lhe dará uma boa chance em ter êxito em uma tarefa mais útil e muito mais lucrativa.

Comece novamente com um novo tipo de atenção e outra compreensão. Seu trabalho deve consistir de duas coisas: familiarize-se melhor com sua nulidade e lembre-se de si frequentemente, o quão frequentemente quanto possível, com a sensação de lembrar de si mesmo: “eu sou”, e de experimentar você mesmo. E cada vez que isso reverbera em sua presença geral você se lembra que você é. E todas as impressões, todas as associações das suas férias, faça-as reverberar na sua presença geral e lembre-se que você é. E quando você se lembrar disso, diga “eu sou” e sinta em todo o seu ser que você é. Senhor advogado, você entendeu o que eu disse? Como um exercício, você pode repetir o que eu disse ou pelo menos a última parte?


Jaques: Eu estava muito ocupado escrevendo para poder conseguir repetir isso dessa forma.


Gurdjieff: Bem, vamos fazer um acordo. Será o seu irmão que irá falar. Irmão, você está aí? Você repete?


[Alfred tenta]


Você não pode repetir nada. Isso prova que o que entra num ouvido sai pelo outro. Agora você está sentado numa galocha. Realmente há apenas uma pessoa aqui que pode nos ajudar. É nosso escritor profissional, meu colega.


[Luc fala lendo seu texto]


Escreva, Sr. Advogado. O que ele diz me interessa muito. É muito leve. O que eu disse era pesado. Obriado, pequeno. Você terminou?Por favor continue.


Luc: Foi o melhor que pude entender.


Gurdjieff: Você não quer tornar isso ainda mais compreensível? Eu disse outra coisa sobre lembrar-se de si mesmo. Senhorita Compreensão (Miss Understanding – trocadilho significando mal-entendido), talvez você tenha algo a dizer que tornará mais pesado o que ele disse?


Simone: Você disse que devemos usar o material que acumulamos durante as férias e que tudo que surgir em nós, que for uma ocasião para a lembrança de si, deveríamos usar para uma lembrança de si mais intensa, em toda a nossa presença geral, para cristalizar os resultados de nossas férias.


Gurdjief: Por que você usa minhas palavras? Cristalizar é uma palavra minha. Encontre outra palavra.


Madame de Salzmann: Cobrir, revestir, condensar, fixar.


Gurdjieff: Sim, revestir. Por que você não disse isso? Prossiga, prossiga, isso foi apenas uma observação.


[Simone fica em silêncio]


Bem, ela não consegue continuar, Sr. Advogado, eu lhe aconselho fazer uma expressão amável e requerer que a doutora repita o que eu disse.


[Jacques pede para a Dra. Abadi]


Dra.: Você disse que devemos lembrar de si com toda a nossa presença e que devemos tirar vantagem de todos os nossos erros e usar todos os nossos erros e tudo que notamos para torná-los fatores para a lembrança de si. Eu não anotei nada mais.


Luc: Pensei ter entendido que você nos falou para tirarmos vantagem de todas as vezes que estamos mais exaltados, mesmo tomados pela raiva e por emoções negativas, para nos beneficiarmos dessa corrente de força que corre através de nós, para usarmos isso. Tirar proveito de tudo o que aumenta a nossa temperatura.


Gurdjieff: Isso também. Eu também disse isso. Alguém tem mais algo a dizer?


Kahn: Você falou muitas vezes de sete aspectos, de diferentes aspectos de uma questão. Por um longo tempo eu não entendi. Depois entendi melhor, percebi que você estava vendo muitos aspectos em mim que estavam misturados para mim mas que você estava distinguindo, e eu gostaria de perguntar-lhe se nós também somos capazes de distinguir diferentes aspectos.


Gurdjieff: Por favor não diga “nós”. Diga “eu” quando você fala de si mesmo e não “nós”. Se você não conhece seus próprios aspectos, como você pode notar os aspectos de outras pessoas? Pergunte algo prático. A outra é apenas curiosidade.


Kahn: Não, não é de curiosidade.


Gurdjieff: Então formule diferente. Há três aspectos que você está apto a ver em diferentes amigos seus – onde encontra-se o seu centro de gravidade, sua individualidade. Dos seus três amigos, um tem seu centro de gravidade em sua mente, o outro é como uma vaca com o centro de gravidade no corpo dele, o terceiro é como uma mulher histérica, ele manipula por tudo. Existem três aspectos de individualidade. Estude isso, é um bom terreno. [Para Aboulker] Do que você está rindo?


Aboulker: Da mulher histérica.


Gurdjieff: Não há uma ilustração melhor para o centro emocional do que a mulher histérica. Ela sente tudo, mesmo o que não existe.


Kahn: Você me fez sentir que tenho muitos aspectos sem que eu esteja apto a conhecer ou mesmo distingui-los dos outros.


Gurdjieff: Através do seu trabalho, você deveria ter êxito em distingui-los. Separe-os. Você tem sete aspectos de densidade. Às vezes eu estou muito pesado, às vezes muito leve. Aprenda a distingui-los. Quando você ver alguém, verá que especto essa pessoa tem. Num outro momento poderemos falar sobre os aspectos fundamentais. Primeiro reconheça os outros, é inútil falar sobre o resto antes. A teoria deveria ir junto com a prática.


Lacaze: Sr. Gurdjieff …


Gurdjieff: Pai! Diga-me o que acontece com sua metade melhor. Não a vejo já faz tempo. Será que ela está preparando um novo resultadinho para você? (Sr. Gurdjieff às vezes usava as expressões 'metade melhor' e 'resultado' para se referir à esposa e aos filhos)


Lacaze: Não, não Sr. Gurdjieff. Há algo em mim que se opõe ao trabalho e ajuda minha inércia. No geral eu reconheço o fato que apenas a vida não pode me dar nada, e ainda assim a algo em mim que espera pela vida, não apenas algo exterior mas algo interior, que diz que seria preferível ter uma mudança de condições externas que me daria tudo que eu amo em geral. E mesmo quando eu estou certo intelectualmente que apenas o trabalho é importante para mim e que eu deveria colocar tudo no trabalho, sinto algo em mim que está convencido do contrário e que tenta ir nessa direção.


Gurdjieff: Que direção?


Lacaze: Longe do trabalho.


Gurdjieff: Você não conhece essa direção?


Lacaze: É a direção oposta ao trabalho.


Gurdjieff: Vejo uma pequena coisa. Se você ganhar cinco milhões na loteria nacional, tudo isso desaparecerá. É muito ruim que isso não dependa de mim. Agora pergunte exatamente o que você quer saber de mim.


Lacaze: Quero saber o que posso fazer a esse respeito. Não há algo que deveria estar satisfeito? Algo justo? Ou isso seria apenas uma justificativa para a inércia?


Gurdjieff: O que falta em você é o remorso de consciência. Você não pensa nisso. Você tem filhos?


Lacaze: Sim.


Gurdjieff: Quantos?


Lacaze: Três.


Gurdjieff: Três! Bem, se você tem três filhos você deveria saber que sua vida não existe mais para você mesmo, mas para seus filhos. É pelos seus filhos que você faz tudo ou para sua satisfação? Pergunte isso a você mesmo. Se você perguntou-se isso, posso lhe dizer que você não tem remorso de consciência com relação aos seus filhos. Isso pode servir como um fator de lembrança para fazer você trabalhar a fim de se tornar um homem real. Você não tem direito para suas próprias satisfações, isso terminou. Tudo é para seus filhos - tudo que você tem de possibilidades. É uma necessidade objetiva. Mas você não pensa nisso, você continua a agir como egoísta. Sua pergunta prova isso. Portanto tenha remorso de consciência para o futuro. Repare o passado em prol do futuro. Você é obrigado a trabalhar pelos seus filhos. Essa idéia sendo conservada em você pode fazer o papel de um fator, à vezes para lembrar de si, às vezes para lhe dar força para o futuro. E com isso você estará apto a reparar o passado. Você não gosta dessa verdade. Mas eu digo ela como um exemplo. Há mil outras coisas, esse é um exemplo. Mas você pode encontrar algo mais para fornecê-lo com um material capaz de fazê-lo encontrar remorso de consciência. Apenas esse remorso pode cristalizar os fatores que servirão na lembrança de si. O resto não pode. Apenas o remorso de consciência pode. É aqui que você fala, e depois na vida você esquece tudo. Na vida você tem seis dias, vinte e três horas e cinquenta minutos. Aqui, dez minutos. O que você faz e ganha aqui durante dez minutos, você perde na vida. Nunca há um fator de lembrança, apenas o remorso pode lhe dar isso.

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Bernard de Clairvaux - A Voz que se move através do deserto revelando segredos, sacudindo as almas, livrando-as da preguiça


Vocês vieram, eu acredito, para ouvir a Palavra de Deus. Não consigo ver outra razão pela qual vocês se aglomerariam aqui desta maneira. Eu aprovo esse desejo com todo meu coração e alegro-me com vocês em seu louvável zelo. Pois abençoados são aqueles que ouvem a Palavra de Deus – se, é claro, guardam-na. Abençoados são aqueles que observam as Suas leis, não esquecendo de obedecê-las (Sal.103:18). Tal pessoa tem as palavras da vida eterna de fato, e a hora chegará – poderia ser aqui e agora! - quando os mortos escutarão a Sua voz e aqueles que a escutarem viverão. Pois, “fazer a vontade Dele é viver” (Sal.30:5)

E se você quer saber qual é a vontade dele: É que deveríamos ser convertidos. Escute o que ele mesmo diz: “Não é minha vontade que os maus devam perecer, mas que eles se convertam de sua maldade e vivam. (Eze18:23)

A partir dessa passagem vemos claramente que nossa verdadeira vida é para ser encontrada apenas através da conversão e não há outra maneira de entrar nela. Como novamente diz o Senhor: “A menos que vos converterdes e tornardes como as crianças, não entrareis no reino dos céus.” (Mat.18:3) Verdadeiramente, apenas as criancinhas entrarão, pois é uma criancinha que as conduz, Aquela que nasceu e foi dada a nós para esse próprio fim. Busco, portanto, a voz que os mortos escutarão e, quando escutarem-na, viverão. Talvez seja até mesmo necessário pregar o evangelho aos mortos (1Ped 4:6).

E enquanto isso uma palavra vem à mente, breve mas cheia de significado, cuja boca do Senhor falou, como presta testemunho o profeta, ele clama indubitavelmente ao Senhor seu Deus: “Convertei-vos filhos do homem” (Isa 1:20, Sal. 90:3); é totalmente apropriado que a conversão seja o que é pedido do filho do homem; é absolutamente necessário para os pecadores. Aos espíritos celestiais é dito para louvar, como o mesmo profeta diz nos Salmos, “Louva teu Senhor, ó Sião” (Sal.147:12); isso é mais apropriado para os justos (Sal.33:1).

Assim como o lembrete do que ele diz, “Você disse” (Sal.90:3), não penso que seja algo para se passar descuidadosamente ou escutado sem se refletir a respeito. Pois quem ousa a comparar os dizeres dos homens com o que é dito que Deus falou? A Palavra de Deus é viva e efetiva. Sua voz é uma voz de magnificência e poder. “Ele falou e foram criados” (Sal.148:5). Ele disse: “Haja a luz, e houve a luz” (Gen.1:3). Disse: “Convertei-vos” (Sal.90:3), e os filhos do homem foram convertidos. Portanto, a conversão das almas é claramente o trabalho da voz divina, não de nenhuma voz humana. Mesmo Simeão, filho de João, chamado de um indicado pelo Senhor para ser um pescador de homens, labutará em vão toda a noite e não pegará nada até que jogue sua rede nas palavras do Senhor. Então ele poderá capturar uma vasta multidão (João 21:15, Mat.4:19).

Que nós também possamos jogar nossa rede nas palavras dele e experimentar o que está escrito, “Vede, ele dará a sua voz o som do poder” (Sal.68:33). Se minto, isso é culpa minha. Talvez seja julgado que é a minha própria voz e não a voz do Senhor se busco o que pertence a mim e não o que é de Jesus Cristo. Quanto ao resto, mesmo se eu falar da justeza de Deus e buscar Sua Glória, posso esperar que o que digo será efetivo apenas se ele assim o tornar. Devo pedir a Ele que torne esta minha voz uma voz de poder.

Advirto-lhe, portanto, a elevar os ouvidos de seu coração para ouvir essa voz interior, de modo que você lute para ouvir internamente o que é dito para o homem externo. Pois esta é a voz da magnificência e do poder, movendo-se através do deserto, revelando segredos, sacudindo as almas livrando-nas da preguiça (Sal.29).




Não há necessidade de fazer um esforço para escutar esta voz. O difícil é fechar os ouvidos para ela. A voz fala, ela se faz ser ouvida; ela não cessa de bater na porta de todos (Apoc.3:20). “Quarenta anos”, ele diz, “estive com esta geração, e eu disse: 'eles erram constantemente em seus corações'” (Sal.95:10). Ele ainda está conosco. Ele ainda fala, mesmo que ninguém escute. Ele ainda diz: “Eles erram em seus corações”; a Sabedoria ainda clama pelas ruas. “Cainham em si, ó infiéis” (Isa.46:8).

Esse é o começo da fala de Deus. E essa palavra, que é dirigida a todos que estão convertidos no coração, perece ter corrido na frente, é uma palavra que não apenas os chama de volta mas os conduz de volta colocando-os cara a cara consigo mesmos. Pois não é apenas uma voz de poder, é como um raio de luz falando para o homem sobre seus pecados e ao mesmo revelando as coisas escondidas na escuridão. Não há diferença entre essa voz interior e a luz, pois elas são um e o mesmo Filho de Deus e Palavra do Pai - resplandecência da glória. Dessa forma também a substância da alma pareceria ser espiritual e simples assim, sem nenhuma distinção dos sentidos; a alma toda parece ver e ouvir de pronto, se podemos falar disso dessa forma. Pois qual é o propósito do raio de luz ou da Palavra senão fazer o homem vir a conhecer a si mesmo? De fato, o livro da consciência está aberto, a passagem miserável pela vida até agora é lembrada à mente; a triste história é contada novamente, a razão é iluminada e o que está na memória é revelado como se colocado diante dos olhos do homem. Mas a razão e a memória não são tanto “da” alma quanto elas mesmas a alma, de modo que ela é tanto o contemplador quanto o que é contemplado, colocada cara a cara consigo mesma e subjugada pela força da realização do que ela está vendo. Ela julga a si mesma em sua própria corte. Quem pode suportar esse julgamento sem dor? “Minha alma está aborrecida comigo” (Sal.42:6), diz o profeta do Senhor, e você se admira que você não pode ser colocado a defrontar-se consigo mesmo sem estar ciente do pecado, sem perturbação, sem confusão?




Não espere ouvir de mim o que é que a razão captura em sua memória para censurar, o que ela julga, o que discerne. Escute a voz interior, use os olhos do seu coração e você aprenderá por experiência. “Quem, pois, entre os homens conhece o que é do homem, senão o espírito do homem que está nele?” (1cor.ii 11). Se o orgulho, a inveja, a arrogância, a ambição ou qualquer outro vício está escondido, dificilmente poderá escapar desse exame. Se houver fornicação, violação, crueldade, engano ou qualquer falta que seja, isso não irá se esconder desse juiz, que é ele mesmo a parte culpada, nem isso será negado em sua presença.

Pois não importa o quão rápido passou toda a lascívia do deleitar-se na iniquidade e o quão brevemente as seduções dos prazeres foram atrativos, a memória é deixada com uma impressão amarga e pegadas sujas permanecem. Para dentro daquele repositório flui toda a abominação e sujeira, como que para dentro de uma fossa. É um grande livro no qual tudo está escrito com a caneta da verdade. O estomago suporta aquele amargor agora (Apoc.10:9-10). Embora quando foi engolido deu um prazer passageiro ao paladar, isso foi logo esquecido. Eu aflijo por meu estomago. Por que não deveria me afligir pelo estomago da minha memória, que está tão congestionada com tais imundices?

Meus irmãos, qual de nós, se repentinamente notasse que as roupas que vestem está toda respigada de sujeira e de lama imunda, não ficaria violentamente enojado, tirando a roupa rapidamente e tirando-a de perto de si indignadamente? Mas a alma que encontra-se contaminada dessa maneira não pode atirar a si mesma para longe como um homem pode atirar suas roupas. Qual de nós é tão paciente e valente que se visse sua própria carne de repente ficando branca com lepra (como lemos que aconteceu com Maria a irmã de Moisés), suportaria calmamente e agradeceria seu Criador (Núm.12:10)? Mas o que é essa carne senão um traje corruptível com o qual estamos vestidos?

E como devemos pensar a respeito dessa lepra do corpo em todos eleitos senão como uma punição de correção paternal e uma purgação do coração? É uma grande tribulação e uma causa muito justa de pesar quando um homem que foi despertado do sono do prazer miserável começa a perceber sua lepra interior, tribulação que ele trouxe para si mesmo com muito zelo e esforço. Ninguém odeia sua própria carne, muito menos pode a alma odiar a si mesma.

sábado, 7 de agosto de 2010

Jalaluddin Rumi - Sete Discursos


Burhan Sayed al-Din estava ensinando, quando um tolo o interrompeu para dizer: "Precisamos de algumas palavras sem comparações ou semelhanças." O Sayed respondeu: "Quem não tiver semelhança venha ouvir palavras sem semelhança!"
Afinal, você é uma semelhança de si mesmo. Você não é este corpo. A existência aqui é apenas uma sombra de você. Se alguém morre, as pessoas dizem: "Fulano partiu." Se fossem apenas esse corpo, então, aonde teriam ido? Assim, sua forma externa é uma analogia de seu ser interno e a partir de sua forma externa os outros podem julgar sua realidade interna.
Tudo é visível por causa da densidade. Assim, a respiração no tempo quente não pode ser vista, mas quando está frio torna-se visível devido à densidade. Era o dever do Profeta manifestar o poder de Deus e pregar para despertar os outros.
Não era seu trabalho, no entanto, trazer as pessoas ao nível de estarem prontas para receber a verdade de Deus, isso é trabalho de Deus. Deus tem dois atributos: a ira e a bondade amorosa. Os profetas são teatros para ambos. Para os crentes eles são um teatro do amor de Deus e para os incrédulos eles se tornam um teatro para a ira de Deus.
Aqueles que reconhecem a verdade vêem a si mesmos no Profeta, escutam sua própria voz vindo dele, e sentem seu próprio perfume em sua presença. Ninguém nega a realidade de seu próprio ser. Por isso os profetas dizem para a comunidade: "Nós somos vocês e vocês somos nós, não há nenhuma estranheza entre nós." Alguém diz: "Esta é a minha mão." Ninguém lhe pede por uma prova, uma vez que sua mão é uma parte sua. Mas a pessoa diz: "Aquele é o meu filho", então uma prova é exigida, pois trata-se de algo separado dela mesma.


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Alguns dizem que o amor é a causa do serviço, mas isso não é verdade. Pelo contrário, o desejo do Amado é a verdadeira fonte do serviço. Se o Amado deseja que o amante ajude, então o amante fornece a ajuda. Se o Amado não quer, então o amante desiste disso. Abandonar o serviço não é abandonar o amor. Não, pelo contrário, mesmo se o amante não realizar nenhum serviço, o amor continua a operar através do coração do amante. Portanto, a raiz da questão é o amor e o serviço é o galho.
Quando a luva se move, isso ocorre porque a mão se move. Mas isso não significa que a luva segue sempre a mão. Por exemplo, uma pessoa tem um vestido tão grande que quando ela se move, o vestido não se move. Nós todos vimos isso. Mas o que não é possível é que o vestido se mova sem a pessoa se mover.
Algumas pessoas têm confundido o vestido com a pessoa, tem considerado a luva como mão e imaginado uma bota como pé. No entanto, essa mão e pé são a luva e a bota de outra mão e pé.
Eles dizem: "Fulano está sob os pés de Ciclano" e "Beltrano tem uma mão em muitas coisas." Certamente, quando falamos de tais mãos e pés não significa essa mão e pé.
Aquele Príncipe veio e nos reuniu e depois partiu. Da mesma forma, a abelha une a cera com o mel e, em seguida, voa para longe. Isso acontece porque nossa criação foi uma condição, mas, afinal, a eternidade de Deus não é uma condição. Nossos pais e mães são como abelhas, unindo o buscador com o buscado, e reunindo o amante e o amado. Então, de repente, um dia eles voam para longe. Deus fez-lhes como um meio de unir a cera e o mel e então eles voam para longe, enquanto que a cera e o mel permanecem. Mas eles não voam para fora do jardim. Este não é o tipo de jardim que é possível de abandonar. Em vez disso, eles vão de um canto do jardim para o outro. Nosso corpo é como uma colméia montada a partir da cera e do mel do amor de Deus. Embora as abelhas, nossos pais e mães, tenham unido esse mel e essa cera, ainda assim eles também são cuidados pelo jardineiro, e, portanto, também é o jardineiro que faz a colméia. Deus dá àquelas abelhas uma forma adequada para o trabalho que estão fazendo, mas quando elas partem para o outro mundo mudam de trajes, pois lá um trabalho diferente acontece. Ainda assim, essas pessoas são iguais ao que eram no primeiro lugar.

Por exemplo: um homem vai para a batalha, coloca seu uniforme, veda a armadura e coloca um capacete em sua cabeça para se preparar para o combate. Mas quando ele chega em casa para o banquete, retira os trajes uma vez que o alimento e a família são outro negócio. Ainda assim, ele é a mesma pessoa. Entretanto, se você o ver pela última vez com aqueles trajes, sempre que pensar nele, vai retratá-lo naquela forma e naquelas vestes, mesmo que ele tenha mudado de roupas uma centena de vezes.
Uma mulher perde um anel em um determinado lugar. Embora o anel tenha sido removido de lá, ainda assim ela fica rodeando aquele ponto, concluindo: "Foi aqui que eu o perdi." Da mesma forma, um homem de luto circula ao redor da sepultura, ignorante, rodeando o local e beijando a terra, o que implica: "Eu perdi esse anel aqui", mas como poderia ainda estar ali?
Deus faz tantas maravilhas para mostrar sua onipotência. É aqui, por causa da sabedoria divina, que Ele reúne o espírito e o corpo por um dia ou dois.

As pessoas têm medo da morte. Elas pensam que ao sentar com um cadáver em um túmulo, mesmo que por um momento, poderão enlouquecer. Por que, então, uma vez que são liberadas da armadilha da forma e do túmulo do corpo, continuariam por perto?
Deus designou a visão de um túmulo para causar medo em nossos corações como um símbolo para renovar o medo da morte repetidamente. Da mesma forma, quando uma caravana foi emboscada em um determinado lugar na estrada, duas ou três pedras são colocadas juntas ali para agir como um sinal no caminho, dizendo: "Aqui é um lugar de perigo". Os túmulos também são sinais visíveis no caminho mostrando um lugar de perigo. O medo deixa a sua marca em você, mesmo que nem sempre seja percebido. Por exemplo, se as pessoas lhe dizem, "Fulano tem medo de você", uma afeição manifesta imediatamente em direção a eles. Se, pelo contrário, disserem: "Ciclano não tem o mínimo medo de você", e "Eles não se preocupam de maneira nenhuma com você," simplesmente por causa dessas palavras um ira aparecerá em seu coração.

Esta correria na vida é o efeito do medo. Todo o mundo está correndo, mas cada ser corre de uma maneira diferente. Aquilo que o ser humano persegue ou do qual ele foge é de um tipo, a busca e as aversões de uma planta não são as mesmos, e assim também a corrida do espírito é totalmente diferente. Por exemplo, a corrida do espírito é sem passo ou sinal visível. Considere as uvas verdes, o quanto elas perseguem a doçura até atingirem a escuridão da uva madura. Essa corrida é invisível e imperceptível, mas quando a uva chega nesse estágio, ela percebe o que é que ela estava perseguindo há tanto tempo. Da mesma forma, alguém entra na água sem ser visto por ninguém, mas quando a cabeça da pessoa de repente sobressai no meio da água, então todos percebem o quanto a pessoa nadou para atingir aquele ponto.


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Entre o ser humano e Deus são apenas dois véus – a saúde e a riqueza - todos os outros véus vêm desses. Aqueles que são saudáveis não olham para Deus e não O vêm, mas logo que a dor os atinge eles clamam: "Ó Deus! Ó Deus!" chamado e se rendendo a Deus. Portanto, a saúde é o seu véu e Deus está escondido em sua dor. Enquanto as pessoas têm riqueza, elas satisfazem seus desejos e estão preocupadas dia e noite com prazeres. Assim que a pobreza aparece, seus espíritos são enfraquecidos e elas se voltam para Deus.


Embriaguez e pobreza O trouxeram a mim,
Eu sou o escravo de Sua embriaguez e carência!


Deus concedeu ao Faraó quatrocentos anos de vida, realeza e divertimento. Tudo isso era um véu que o manteve longe da presença de Deus. Ele não experimentou desagrado e dor nem sequer um único dia, de modo que se esqueceu completamente de Deus. Deus disse: "Continue estando preocupado com seu próprio desejo e nem mesmo pense em mim. Boa noite! "

O rei Salomão se cansou de seu reinado,
Mas Jó jamais ficou saciado de sua dor.


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Perguntaram para Jesus: "Qual é a coisa mais difícil neste mundo e no próximo?" Ele disse: "A ira de Deus." Eles perguntaram: "E o que pode nos salvar disso?" Ele respondeu: "Domine sua própria ira e sua própria raiva em relação aos outros."
Quando a mente quer reclamar, faça o contrário, agradeça. Exagere o assunto a tal ponto que você encontre dentro de si mesmo um amor pelo que o repele. Fingir gratidão é uma forma de buscar o amor de Deus.
Nosso Mestre, Shams, disse: "Reclamar da criação é reclamar do Criador." Ele também disse: "O ódio e a raiva permanecem escondidos no seu inconsciente. Se você ver uma faísca saltar desse fogo, apague-a para que ela volte a não-existência de onde veio. Se você insistir em corresponder a raiva com a ira e promover a chama da raiva, ele saltará mais e mais rápido de seu inconsciente e se tornará cada vez mais difícil de apagar".
Afugente o mal com alguma coisa boa e você triunfará sobre o inimigo de duas maneiras. Uma maneira é esta: seu inimigo não é a carne e a pele de outra pessoa, é a contagiosidade do seu ódio.
Quando ele for expulso de você através de uma abundância de agradecimento, ele também irá inevitavelmente ser expulso de seu inimigo, porque todos instintivamente respondem à bondade, e você deixou o seu adversário sem nada para lutar contra. É como com as crianças, quando elas gritam nomes para alguém e essa pessoa grita nomes feios de volta, todas elas ficam mais incentivadas, pensando: "Nossas palavras tiveram um efeito." Mas se o inimigo vê suas palavras não trazendo nenhuma mudança, ele perde o interesse.
O segundo benefício é o seguinte: Quando o atributo do perdão surge em você, as outras pessoas percebem que não lhe têm visto como você realmente é. Então passam a saber que elas é que devem ser censuradas, não você, e nenhuma prova deixa os adversários mais envergonhados do que isso. Assim, louvando e dando graças aos detratores você está administrando um antídoto para aquele ódio neles, pois, embora eles tenham lhe mostrado sua deficiência, você mostrou-lhes sua perfeição. Aqueles que são amados por Deus dificilmente podem ser imperfeitos. Desse modo, vamos louvar aqueles que nos criticam, assim seus amigos vão pensar: "São os nossos amigos que estão em desacordo com os Sufis, pois os Sufis sempre falam bem de nossos amigos."

Embora eles sejam poderosos,
Arrancam suas barbas educadamente.
Firmemente quebram seus pescoços,
Embora sejam grandes e poderosos.
Que Deus nos ajude nisso!

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Algumas pessoas dizem que na alma humana há um mal não encontrado em animais e feras, mas isso não significa que as pessoas são piores do que animais. Pelo contrário, este personagem mal e as trevas da alma do ser humano escondem um elemento essencial secreto. Quanto mais precioso e nobre é esse elemento, maior é o véu para escondê-lo, e os véus não podem ser removidos sem grandes esforços. Essas lutas são de vários tipos. A maior é passar tempo com amigos que voltaram seus rostos para Deus e viraram as costas para este mundo. Não há luta mais difícil do que essa, pois a própria visão deles dissolve o nosso ego e os desejos mundanos. É por isso que se diz que se uma cobra não foi vista por nenhum ser humano durante quarenta anos ela torna-se um dragão, uma vez que ela não viu ninguém que pudesse parar o crescimento de sua própria natureza do mal.
Sempre que os homens ou as mulheres colocam um grande cadeado, isso é um sinal de algo precioso e valioso. Assim como a serpente que guarda um tesouro, não considere a feiúra de uma pessoa, mas em vez disso olhe para a preciosidade de seu tesouro.


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Ouvir algo de novo e de novo de muitas pessoas carrega a mesma autoridade que ver por si mesmo.
Por exemplo, foi-lhe dito que você nasceu de seu pai e sua mãe. Você nunca viu isso com seus próprios olhos, mas depois de ouvir isso muitas vezes de pessoas diferentes, você aceita isso como a verdade. Se lhe dissessem que eles não são seus pais, você não daria ouvidos. Da mesma forma, você já ouviu várias vezes de pessoas de confiança que Bagdá e Meca existem. Se todas essas pessoas fizessem agora um juramento de que essas cidades não existem, você não acreditaria. Portanto, quando o ouvido ouviu a mesma coisa várias vezes de muitas fontes diferentes, isso carrega a mesma autoridade do que o olho.
Da mesma forma, se alguém faz uma afirmação que é um conhecido ditado proferido geração após geração, essa não é uma afirmação única, mas é como uma centena de milhares. O que é tão surpreendente nisso? Um rei exerce a autoridade de cem mil, embora ele seja apenas um; se cem mil falassem, nada aconteceria, mas quando ele fala isso acontece imediatamente. Embora essa seja a forma do mundo externo, isso é ainda mais verdadeiro com relação ao mundo espiritual.
Você pode ter visto todo este mundo, mas sendo que você não o viu com Deus em mente, deve fazer a viagem novamente. "Essa viagem não foi por Minha causa, era por causa do alho e das cebolas. Uma vez que você não foi por Minha causa, mas por outra finalidade, então essa outra finalidade tornou-se um véu para você não permitindo que você visse a Mim." É o mesmo que procurar sinceramente por uma pessoa no bazar, você não vê mais ninguém, ou se você vê, são apenas sombras. Ou quando você está caçando a solução de um problema em um livro, seus ouvidos, olhos e mente estão repletos desse problema. Você vira as páginas, mas não vê nada mais. Uma vez que você tinha uma intenção e objeto em mente, onde quer que tenha ido, você estava preenchido desse objetivo.


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Na época de Umar, havia um certo homem que tinha envelhecido tanto que sua filha lhe dava leite e cuidava dele como uma criança. Umar disse para essa filha: "Não há viva hoje nenhuma filha que se compare a você em sua atenciosidade com seu pai." Ela respondeu: "O que você diz é verdade, mas há uma diferença entre o que ofereço e o que meu pai me ofereceu. Posso não faltar com o serviço a meu pai, mas quando meu pai me criou e me serviu ele costumava estremecer por minha segurança e com coisas relacionadas a mim, enquanto que eu sirvo meu pai e dia e noite rogo pedindo a Deus que ele morra para que o distúrbio que ele me causa chegue ao fim. Se sirvo meu pai, onde posso obter esse estremecimento que ele tinha por mim?" Umar disse: "Esta mulher é mais sábia do que Umar." Ele quis dizer: "Eu julguei pelas aparências, enquanto que ela fala do âmago."
Aqueles que são verdadeiramente sábios penetram o âmago de uma coisa e diagnosticam a verdade dela. Deus impediu que Umar não fosse informado da verdade e dos segredos das coisas, mas foi assim com os Companheiros que criticaram a si mesmos e elogiaram os outros. Há muitos que não têm a força para a "presença." Eles acham a "ausência" mais agradável.
Da mesma forma, o brilho vem do sol e ilumina o mundo, mas se as pessoas olharem a orbe do sol o dia todo isso não lhes fará bem e seus olhos ficarão cegos. Seria melhor para elas se envolver em alguma outra tarefa e deixar a presença da orbe do sol. Da mesma forma, fazer menção a pratos saborosos na presença de pessoas doentes as encoraja a ganhar força e apetite, mas o real consumo desses pratos poderia lhes fazer mal. Portanto, o estremecimento e o amor apaixonado são necessários na busca por Deus. Quem não estremece deve aguardar pelos que estremecem. Nenhuma fruta jamais cresce no tronco de uma árvore, pois os troncos não estremecem. As pontas dos ramos tremulam e o tronco suporta as pontas dos ramos e os frutos de forma segura, mesmo que contra o golpe de um machado. Sendo que o tremor do tronco da árvore seriria desastroso, é melhor para o tronco não tremer. É adequado para o tronco ficar parado para melhor servir os que tremulam. Uma vez que o nome de Amir é Mu'in al-Din, ele não é "Ain al-Din" ("A essência da Fé "), por causa do "M" acrescentado a “Ai”. “Qualquer acréscimo à perfeição é uma diminuição”. A adição desse "M" é uma diminuição. Da mesma forma, apesar de um sexto dedo ser uma adição, ainda assim é uma diminuição. Ahad ("Um") é a perfeição, e Ahmad ainda não está no estado de perfeição. Quando esse "M" é removido, torna-se a perfeição completa. Em outras palavras, Deus compreende tudo, o que quer que você adicionar a Deus é uma diminuição. O número um está contido em todos os números e sem ele nenhum número poderia existir.