terça-feira, 22 de junho de 2010

Jalaluddin Rumi - Dez Poemas



O amor diz: você não pode negar-me. Tente.
Eu digo: Sim, você aparece do nada
como as bolhas no vinho, ora aqui e então não mais.

O amor diz: aprisionado no corpo-jarro,
cantando no banquete.

Eu digo: Esse êxtase é perigoso.

O amor diz: Eu saboreio o dia delicioso,
Até que a noite leva o copo embora.
Então eu insisto e a noite devolve o copo.



A noite que vejo nunca muda.

Os árabes descrevem o vinho com a palavra mudam,
que significa contínuo. De novo, de novo e de novo,
porque bebedores de vinho nunca ficam saciados.

A água da realização é o vinho do qual falamos,
onde o amor é o liquido e seu corpo o frasco.

A graça inunda internamente. O poder do vinho
quebra o jarro. Está acontecendo agora.

A água do despertar transforma-se naquele que serve,
no próprio vinho e em cada presença no banquete.

Nenhuma metáfora pode conter essa verdade
que sabe como guardar segredo
e quando se mostrar.

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A Lua devocional olha no coração e está no coração.


Quando o coração tem um Amigo como você,


o universo não pode conter o prazer de vocês dois.




Todos que são aquecidos pelo sol sentem a coragem chegar.


Se um pesar vier, você o desfruta.




Generosidade: essa é a sua mão em meu bolso dando embora sua riqueza.


Ainda assim, você foge de mim como um selvagem.




Aí vem essa estranha criatura: eu, no formato de pés e mãos!


O sem-forma tenta nos satisfazer com formas!


Uma nudez transparente vestindo pura luz diz:


'Abençoados são aqueles que vestem um brocado de ouro!'




Você pode não vê-lo, mas Moisés está vivo nesta cidade


e ele ainda tem seu pessoal! E há água e sede,


onde quer que a água vá e onde quer que vá aquele que traz a água.




O vento da manhã quebrou alguns galhos no jardim.


Não importa, quando você sente o amor dentro de você,


você escuta o convite para ser cozido por Deus.





É essa criação que o coração ama.


Por três meses de inverno o solo fica quieto.


Mas cada pedaço de terra sabe o que está esperando dentro:


feijões, cana de açúcar, pinheiros, flores silvestres.


Então o sol da primavera vem chamando as plantas ao ar livre.




Todos os que sentem o ponto da oração curvam-se como


a primeira letra da oração. Todos que caminham de costas


para o sol estão seguindo sua sombra.




Mova-se para sua própria quietude.


Este poema buscador de palavras encontrou você,


pronto para o silêncio.



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Um rouxinol voa mais perto das rosas.


Uma garota fica corada. A romã amadurece.


Hallaj vai ser executado.


Um homem caminha numa trilha na montanha,


solitário e cheio de oração.


A confiança cresce por nove meses, então um novo ser aparece.


Narcisos às margens, a água do riacho banha as raízes:


Deus está dando uma palestra introdutória geral.


Nós a ouvimos e lemos por toda parte, no campo, pelos ramos.


Jamais terminaremos de estudar.




Nenhum de nós tem um centavo sequer, e ainda assim


estamos andando no bazar do joalheiro fazendo compras!


Ou devo dizer isso com outras metáforas?


Um celeiro lotado de almas.


Quietude servida ao redor de uma mesa.


Duas pessoas conversam ao longo de uma estrada


que é pavimentada com palavras.




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Será melhor para nós quando nos dissolvermos no chão ou pior?


Vamos descobrir agora o que vai acontecer.


É trabalho dos amantes esse abrir caminho e se tornar esta terra,


morrer antes de morrermos.


Não pense em emparelhar-se de maneira alguma com Deus!


Essa afirmação é uma auto-indulgência religiosa.


Você reconhece pelo cheiro: a fumaça que sai do esterco queimado


é diferente da que sai do incenso!


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Continuo girando ao redor desse infortúnio,


dessa ilusão perturbada que chamo de mim mesmo,


quando poderia estar girando ao redor de Ti,


o doador de bênçãos, origens e presença.




Meu peito é uma sepultura onde você fez um jardim de rosas.


O que vai no túmulo? O que cabe naquele dois por dois por sete?


Não a alma, a alma não pode ser contida nem pelo céu!




Eu giro em torno de Deus. Tornei-me um espelho, ainda assim


esses dias eu giro em torno de um pedaço de lã branca.


Se eu fosse uma rosa nesta primavera,


me transformaria numa centena de roseiras.




Giro em torno deste corpo frustrado,


acorrentado num estábulo de palavras,


quando poderia estar livre no pasto infinito.




Livre, por que continuo girando como se estivesse amarrado a um poste?



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Uma mariposa voando para o fogo diz com suas asas em chamas:


'Tente isso'. O pavio com seu pescoço quebrado diz o mesmo.


Uma vela, conforme diminui, explica:


'Ajuntar mais e mais não é o caminho.


Queime, transforme-se em luz e calor e ajude, derreta.'




O oceano senta na areia deixando seu colo encher-se de pérolas


e conchas e depois deixa-o vazio. O gosto de sal amargo sussurra: Isso.


A fênix desiste do bem e do mal, voa para o ninho no monte Qaf,


sem mais queimar-se e erguer-se das cinzas.


Ela manda uma mensagem.




A rosa purifica sua face, deixa cair suaves pétalas,


mostra seu espinho e aponta. O vinho abandona milhares de nomes famosos,


os anos de vintage e buquês maravilhosos,


para correr louca e anonimamente pelo seu cérebro.




Vazia, a flauta fecha seus olhos para o nada de Hamza.


Todas as coisas imploram com as pedras silenciosas para você


ser lançada como luz sobre essa planície,


ó, presença de Shams de Tabriz.




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Você torna nossas almas saborosas como geléia de rosas.


Você nos faz cair estirados no chão como a sombra de um pinheiro.


Como água da chuva através de uma montanha,


corremos atrás de você de diferentes maneiras.


Vivemos na orla das lágrimas dentro de seus olhos. Não chore!


Você ilude algumas pessoas com cordas de ouro, amarra-as e as deixa.


Outros você puxa para perto no amanhecer.


Você é aquele dentro de cada atração. Todo silêncio.


Você nunca está sozinho, mas deve estar distraído, pois veja,


você pegou a comida que ia dar para Jesus e levou para o estábulo


e colocou no chão na frente do asno!



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Aquele camelo ali com seus filhotes correndo atrás de si,


Sutur e Kosheck. Somos como eles: maternalmente protegidos


por quem e de onde nos originamos,


seguindo nossos destinos para onde eles conduzem,


até que escutamos um tambor começar a ressoar,


a graça adentrando em nossas vidas, uma oração de gratidão.




Sentimos o chamado de Deus e a jornada muda.


Um terreno seco e pedregoso torna-se macio e úmido como um queijo.


A montanha sente-se numa posição abaixo de nós.


O amor torna-se ágil e rápido e de repente estamos lá!




Essa viagem não é feita com o corpo.


O segredo de Deus toma forma no seu amor.


Mas existem aqueles em corpos que são alma pura.


Pode acontecer. Esses mensageiros nos convidam para andar com eles.


Eles dizem: 'Você pode sentir-se feliz o bastante onde está,


mas não podemos mais ficar sem você! Por favor.'




Então caminhamos para dentro da rosa,


sendo puxados como os riachos e os rios são,


da cidade para a planície. Meu guia, minha alma,


sua única tristeza é quando não estou andando com você.


No silêncio profundo, com algum empenho para ficar em sua companhia,


eu poderia salvar você de um monte de problemas.




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O fogo está cochichando um segredo no ouvido da fumaça,


“Esse incenso me ama porque eu lhe ajudo a viver o seu propósito,


Comigo ele se torna fragrância e então desaparece completamente!”




Os nós unem-se e abrem-se para a ausência,


assim como você faz comigo, meu amigo.


Comido pela chama e esfumaçado para o céu!


Isso é o mais afortunado. Mudar e desaparecer não é falta de sorte.




O solo negro desintegra-se para dar a si mesmo para as plantas.


Pense como esperma e óvulo tornam-se uma cabeça e uma face sorridente.


O pão precisa dissolução para transformar-se em pensamento.


Ouro e prata em sua forma bruta não são tão valiosos.




Esse caminho passa através de humilhação e desprezo.


Experimentamos a plenitude da presença. Agora é hora de desolação.


O amor está nos levando pelas orelhas para a escola.


O amor nos quer limpos de ressentimento e


daqueles sentimentos que desencaminham a alma.




Estamos adormecidos, mas Khidr continua borrifando água em nossas faces.


O amor em breve irá dizer para nós o resto do que precisamos saber.


Então estaremos profundamente adormecidos e plenamente despertos


simultaneamente, como companheiros de caverna.


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Estou caindo no sono, você me acorda querendo novas palavras musicais,


novas notas de flauta com a linguagem.


Minhas mãos e pés estão dormentes, você puxa minha orelha:


'Conte-me a história novamente desde o começo.'




Margens de noites escuras cobrem a terra.


Você clama por poemas sobre os cabelos da noite,


sobre como a doçura surge no canavial.


Eu termino um poema. Você quer outro e mais outro.




Imagine isso: você está morto de cansaço, pronto para dormir.


Seu assistente chega querendo escutar sobre âmbar cinzento!


O que você faria?


O que você andou bebendo que o faz querer tantos poemas extáticos?


Essas não são perguntas reais. Estou brincando.


Em sua presença, me chame de qualquer nome, Kaymaz, Sencer;


tudo a mesma coisa, partículas sob os pés, poeira flutuando.

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