terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Meher Baba - Entrando nas realidades da vida interior

Embora a realização da Verdade seja o destino final de todas as pessoas, existem muito poucos que têm a preparação necessária para realização inicial desse glorioso destino. A mente do indivíduo mundano está obscurecida por uma espessa camada de sanskaras* acumulados, que deve ser consideravelmente enfraquecida até mesmo para que o aspirante possa entrar no caminho espiritual. O método usual para dissipar gradualmente a carga de sanskaras é seguir com o maior rigor possível, o código externo de rituais e cerimônias religiosas. Essa fase de conformidade externa às injunções ou tradições religiosas é conhecida como a busca do Shariat, ou karma-kanda. Ela abrange ações como oferecer orações diárias, visitar lugares sagrados, cumprir os deveres prescritos pelas escrituras e observar as regras bem estabelecidas dos códigos éticos geralmente aceitos pela consciência moral da época. A fase de conformidade externa é útil à sua maneira como uma disciplina espiritual, embora não esteja de forma alguma livre de efeitos maléficos. Pois ela não apenas tende a tornar a pessoa seca, rígida e mecânica, mas, muitas vezes, nutre algum tipo sutil de egoísmo. No entanto, a maioria das pessoas está ligada à vida de conformidade externa porque elas acham que essa é a maneira mais fácil de aplacar suas consciências inquietas. A alma, muitas vezes, gasta várias vidas acumulando as lições da conformidade externa, mas sempre chega um momento em que ela se cansa da conformidade externa e torna-se mais interessada nas realidades da vida interior. Quando uma pessoa mundana parte para esse tipo superior de busca, pode ser dito que ela tenha se tornado um aspirante. Como o inseto que passa por uma metamorfose para o próximo estágio de existência, o aspirante transcende a fase de conformidade externa (Shariat, ou karma-kanda) e entra no caminho da emancipação espiritual, conhecido como tariqat ou Adhyatma-marga. Nesta fase superior o aspirante já não está satisfeito com a conformidade externa de determinadas regras, mas quer adquirir aquelas qualificações que tornariam sua vida interior espiritualmente bela. Do ponto de vista das realidades da vida interior, a vida de conformidade externa pode muitas vezes ser espiritualmente estéril e uma vida que se desvia de tal conformidade rígida pode muitas vezes ser espiritualmente rica. Ao buscar conformidade com as convenções e as formalidades estabelecidas, há quase sempre uma tendência de se escorregar para uma vida de valores falsos ou ilusórios em vez de uma vida baseada em valores verdadeiros e duradouros. O que é convencionalmente reconhecido nem sempre precisa ser espiritualmente sadio. Pelo contrário, muitas convenções expressam e incorporam valores ilusórios uma vez que têm surgido como resultado do funcionamento de mentes medianas espiritualmente ignorantes. Os valores ilusórios são em sua maioria convencionais porque transformam-se naquela matriz de mentalidade que é mais comum. Isso não significa necessariamente que as convenções não incorporem nada além de valores ilusórios. Às vezes as pessoas se voltam para as coisas não-convencionais unicamente para estarem fora do que é ordinário. A natureza incomum de suas atividades ou interesses lhes permite sentir a sua separação e diferença de outros e terem prazer nisso. As coisas não-convencionais, muitas vezes também suscitam o interesse apenas por causa de sua novidade, em contraste com aquelas que são convencionais. Os valores ilusórios daquilo que é habitual tornam-se insípidos através da familiaridade e a mente então tem uma tendência de transferir a ilusão de valores para aquelas coisas que não são usuais, em vez de tentar descobrir valores verdadeiros e duradouros. Transcender o estágio de conformidade externa não implica numa mudança meramente mecânica e impensada da convencionalidade para a inconvencionalidade. Tal mudança seria fundamentalmente de natureza reativa e não poderia de modo algum contribuir para uma vida de liberdade e de verdade. A liberdade da convencionalidade que aparece na vida do aspirante não é devida a uma reação acrítica, mas deve-se ao exercício do pensamento crítico. Aqueles que transcendem o estágio de conformidade externa e entram na vida superior das realidades internas devem desenvolver a capacidade de distinguir entre os valores falsos e verdadeiros, independentemente da convencionalidade ou da inconvencionalidade. A ascensão do Shariat (karma-kanda) para o tariqat (Adhyatma-marga) não deve ser interpretada, portanto, como sendo apenas um abandono da conformidade externa. Não é uma mudança da convencionalidade para a idiossincrasia, do habitual para o incomum. É uma mudança de uma vida de aceitação irrefletida das tradições estabelecidas para um modo de ser que é baseado na apreciação ponderada da diferença entre o que é importante do que é sem importância. É uma mudança de um estado de ignorância implícita para um estado de reflexão crítica. Na fase da mera conformidade externa, a ignorância espiritual do indivíduo é muitas vezes tão completa que ele nem percebe que ele é ignorante. Mas quando a pessoa está sendo despertada e entra no caminho, ela começa a perceber a necessidade de uma verdadeira luz. As fases iniciais do esforço para atingir essa luz têm a forma de discriminação intelectual entre o duradouro e o transitório, entre o verdadeiro e o falso, o real e o irreal, o importante e o sem importância.
Para o aspirante espiritual, no entanto, não é suficiente meramente exercer a discriminação intelectual entre o falso e o verdadeiro. Embora a discriminação intelectual seja, sem dúvida, a base para todas as preparações seguintes, ela dá frutos apenas quando os novos valores percebidos são trazidos na relação com a vida prática. Do ponto de vista espiritual, o que importa não é teoria mas sim a prática. As idéias, opiniões, crenças, pontos de vista ou doutrinas que uma pessoa pode manter intelectualmente constituem uma camada superficial da personalidade humana. Muitas vezes, a pessoa acredita em uma coisa e faz exatamente o oposto. A falência das crenças estéreis é ainda mais lamentável, porque a pessoa que se alimenta delas, muitas vezes sofre com a ilusão de que ela é espiritualmente avançada, quando na verdade ela nem sequer deu início à vida espiritual.
Às vezes até mesmo uma visão errada, que é mantida com fervor, indiretamente, pode convidar uma experiência que abre as portas para a vida espiritual. Mesmo na fase de Shariat, ou karma-kanda, não é raro que a fidelidade às religiões seja uma fonte de inspiração para muitos atos altruístas e nobres. Por enquanto, os dogmas ou credos são aceitos cegamente, eles são muitas vezes realizados com um fervor e entusiasmo que suprem um elemento dinâmico para a ideologia que foi aceita pela pessoa naquele momento. Os dogmas e credos, em comparação com visões e doutrinas estéreis, têm a vantagem de ser adotados não somente pelo intelecto, mas também pelo coração. Eles cobrem e afetam uma parte mais ampla da personalidade do que as opiniões puramente teóricas. No entanto, os dogmas e credos geralmente são tanto uma fonte de mal como de bem, porque neles a visão orientadora está nublada devido à degeneração ou à suspensão do pensamento crítico. Se a fidelidade aos credos e dogmas por vezes tem sido boa para o indivíduo ou para a comunidade a que ele pertence, eles têm mais frequentemente feito mal. Embora a mente e o coração estejam envolvidos na obediência aos dogmas e credos, ambos funcionam nesses casos sob a séria desvantagem da suspensão do pensamento crítico. Assim, os dogmas e credos não contribuem puramente para o bem. Quando uma pessoa abandona os dogmas e credos aceitos acriticamente, em favor de pontos de vista e doutrinas aos quais ela dedicou seu pensamento, há um certo avanço, uma vez que sua mente já começou a pensar e analisar criticamente as suas crenças. Muitas vezes, porém, as crenças recentemente assumidas mostram-se carentes do fervor e do entusiasmo que caracteriza essa fidelidade aos dogmas e credos. Se essas crenças recentemente adotadas carecem de força motivadora, elas pertencem apenas aos aspectos superficiais da vida e ficam frouxas sobre a pessoa como um casaco largo. A mente foi emancipada do domínio da emoção inculta, mas, muitas vezes, isso é alcançado ao sacrificarmos a cooperação do coração. Se os resultados do pensamento crítico forem espiritualmente frutíferos, esses resultados devem novamente invadir e reconquistar o coração de modo a mobilizar o seu funcionamento cooperativo. Em outras palavras, as idéias que forem aceitas após a análise crítica devem ser liberadas novamente na vida ativa para produzir os seus totais benefícios. No processo da vida prática, frequentemente elas passam por uma transformação saudável e tornam-se mais profundamente entrelaçadas com o próprio tecido da vida.
A transição da conformidade externa (Shariat, ou karma-kanda) para a vida das realidades interiores (tariqat, ou Adhyatma-marga) envolve duas etapas: (1) libertar a mente da inércia da aceitação acrítica baseada em imitação cega e ativando-a para um pensamento crítico, e (2) trazer os resultados do pensamento crítico e discriminativo para a vida prática. A fim de ser espiritualmente fecundo, o pensamento não deve ser apenas crítico, mas criativo. O pensamento crítico e criativo conduz à preparação espiritual ao cultivar essas qualidades que contribuem para a perfeição e o equilíbrio da mente e do coração e para a liberação irrestrita da Vida Divina.


* pesquizar no blog as explicações referentes ao termo Sanskaras