segunda-feira, 30 de novembro de 2009

G. I. Gurdjieff – Paris, 22 de julho de 1943

Simone: Antes de conhecer o trabalho, eu era muito mais inquieta, pois eu sentia coisas ruins das quais eu pensava que eu nunca conseguiria me livrar. Isso mantinha em mim essa inquietação, talvez não constante, mas muito frequentemente. Tenho percebido que com o trabalho, isso passou e que eu tenho me sentido mais calma internamente. Gostaria de encontrar de novo meu estado de inquietação porque isso está faltando em mim. O que eu poderia fazer para encontrar isso novamente?


Gurdjieff: Antes você achava que você poderia ter êxito dessa maneira. Com estes resultados, jamais você pode fazer coisa alguma. Você terá êxito somente se você fizer um esforço mais forte do que o ordinário. Mas você não tem nem mesmo o gosto por isso talvez. Você já tem vindo aqui por um longo tempo, é obrigatório que você compreenda o que é esforço. Auto-esforço. Vou lhe contar um segredo: o auto-esforço nunca é possível de uma vez, uma preparação é necessária. Uma luta é necessária. Até que a pessoa tenha êxito, ela esquece, se lembra, esquece, lembra. Mas quando você está sentada, calma, você pode pensar e começar a fazer, até agora você ainda não fez nenhum esforço.


Simone: É por isso que eu faço essa pergunta. Estou ali e sinto-me muito tranquila.


Gurdjieff: Você imagina, você acredita que você irá direto pra o paraíso. Não, aqui devem haver esforços acima do ordinário. Por exemplo, para esta pessoa (ele aponta para um recém chegado) está bom o bastante, mas quanto a você, não irá longe dessa maneira. Você deve começar a fazer um super esforço, e agora, se você não faz isso, é porque você não tem uma meta. Como você pode permanecer calma? Com o esforço que você está fazendo hoje, você jamais terá êxito. Uma pessoa normal não poderia ficar calma.


Simone: É exatamente por essa razão que isso me incomoda.


Gurdjieff: É necessário fazer esforços aqui. Você está acostumada a agir como antes na vida. Antes, era esse desejo, agora já não é mais suficiente. O esforço deve tencionar todos os seus músculos, todos os seus nervos, até mesmo todo o seu cérebro. Uma concentração similar deve ser sua. Você já deveria estar fazendo isso a bastante tempo. No início, para uma pessoa nova é perdoável. Para você, você tem o gosto pelo trabalho real. Você tem que tornar isso real na sua vida ordinária. Eu sou – sempre: Eu-Sou. Nunca esqueça. Pouco a pouco seu “eu” deve estabelecer um contato com a sua essência. É necessário repetir isso muitas vezes.


Aboulker: Passei a preferir emoções violentas, do que a inércia passiva e habitual.


Gurdjieff: Isso não existe para o seu 'eu' real, ativo ou passivo. Isso depende do seu estado. As coisas externas são indiferentes. Lembre-se que às vezes, você pensa que é negativo e talvez seja o contrário. De modo a se ter uma verdade material, não pense sobre seu estado. Não filosofe, apenas observe, objetive o seu “eu” real.


Luc: Fiz observações próximas às do doutor. Mas isso convida as emoções negativas a retornarem com mais força. Esta semana tem sido a melhor, porque eu tenho tido algumas emoções negativas. É perigoso, é real, a devastação é possível, mas tenho tido o gosto do que pode ser uma vida.


Gurdjieff: Continue. Mas com a compreensão de que o que você está acumulando é uma coisa substancial não apenas para o presente, mas para o futuro. Isso é muito importante. Já é hora de pensar em lembrar e ao mesmo tempo de retratar para você mesmo em formas, não em palavras, o que está acontecendo a você.


Luc: Eu estava esgotado pelas minhas emoções negativas até mesmo organicamente. Hoje, nunca me senti tão bem, tão animado.


Gurdjieff: Nunca você tinha tido prata liquida antes. Você deve sentir que você tem hoje um pouco de prata liquida.


Luc: Sentimos que nosso corpo está sob pressão, que ele é o palco de tal luta que vai quebrá-lo em pedaços.


Gurdjieff: Lembre-se, eu disse: o homem não é um porco, ele não pode estourar quando come. O porco tem um estômago normal, ele não pode comer mais do que seu estômago permite, senão ele estoura; o homem é um canalha, ele tem um estômago de borracha indiana. Ele é pior que um porco, ele engole, engole sem nunca estourar. Não apenas o estômago, mas todos os órgãos são de borracha. Mas pouco a pouco ele degenerou. Mesmo a borracha, se não a usarmos encolhe. É apenas se a pessoa restaura-o deixando-o mil vezes maior que ele fica como deveria ser. “Estourar”, é uma palavra fantástica. Só o porco pode estourar, o homem não pode. O porco tem um estômago normal, ele pode estourar. O estômago do homem é de borracha, e todos os seus órgãos também. Continue sem medo, se for dez vezes mais forte, é dez vezes melhor; você irá dez vezes mais rápido aqui no meu grupo. Não tenha medo, você não vai estourar. Isso é imaginação. Como a pessoa pode estourar se ela come bem? Você está acostumado engolir como um porco. Você nunca come bem. Apenas agora você começa a aprender o que é comer de verdade. Não fique assustado. Continue e continue. Deixe essa sensação que cria isso cada vez que ele se expande, você é exatamente como uma criança que tem soluços quando come bastante. A natureza aumenta o estômago dela. Uma criança pode ter soluço mil vezes. Você está na sua primeira vez. Não tenha medo, você os terá mais novecentas e noventa e nove vezes.


Sr. Franc: Eu entendo bem o esforço contra as emoções negativas, mas o que me atrapalha mais é um lado muito leve do meu caráter que faz piadas, mesmo a respeito da minha própria miséria. Isso impede em mim o remorso e a pena. Como posso me livrar disso?


Gurdjieff: Isso prova que você não sabe o que você está procurando. Você se interessa por essas questões sem participar com o seu instinto. Você disse muito bem. Eu entendo porque você não avança. Eu sei o segredo do porquê você está estagnado no mesmo lugar, um, dois, um, dois; até agora seu instinto estava isolado. Ele nunca tomou parte no seu trabalho. Eu lhe darei uma série de exercícios. Mas você entendeu o que eu expliquei. Você sentiu que o seu interior nunca está interessado por essa coisa que você está trabalhando. Alguma coisa em você permanece fora, ele olha. Outra parte e você faz alguma outra coisa; você trabalha sem instinto. Tudo trabalha, a cabeça, o sentimento, exceto o que deveria. Ele nunca fez nada para mudar.


Hignette: Tenho tentado usar as emoções negativas. Tenho superado muito bem, mas tive a sensação de tê-las aniquilado, em vez de tê-las convertido. Não tenho tido êxito em usá-las como uma força. Eu as suprimo.


Gurdjieff: Você não as suprime. O que acontece em você é um outro impulso, o qual por um curto período toma o lugar do impulso negativo deixando-o de lado, por um momento. Mas ele não é destruído. Deve-se fazer muitas vezes “tchik”, “tchik”, de modo a destruí-lo. Você não pode constatar que ele está ausente; mas se você mudar os estados, você verá que ele funciona de maneira mais fraca. Portanto, você tem um programa de trabalho. Se você entendeu, continue a extirpar, a expulsar os impulsos. Mas não fique tranquila. Você realiza isso serenamente. Esse é outro impulso que substitui, que é muito fraco para que você o perceba, e você imagina que não tem mais emoções negativas. Apenas vibrações fortes alcançam sua consciência.


Mechin: Nos exercícios, as associações me atrapalham muito. Não posso fazer nada contra elas. O que devo fazer?


Gurdjieff: As associações são parte da nossa presença. Se nossa presença tivesse uma meta, ela iria querer que algo acontecesse. Isso prova que nossa presença não tem uma meta. Você tem uma meta apenas com um centro – (ele quer chegar no paraíso com as botas sujas). A pessoa deve com toda sua presença ter uma meta e trabalhar para esse objetivo. Não com uma parte, com um centro apenas. Eu tenho associações, mas elas não alcançam a minha consciência. A circulação do sangue também é feita totalmente sozinha. Ela é uma função automática. Ela não me incomoda. Ela segue noite e dia. Existem também as associações, assim como meu coração batendo, e existem outras funções, por exemplo, eu vejo, se eu presto atenção a isso, conforme aquilo que eu comi viaja pelo corpo. Eu posso pensar sobre isso a noite toda, cada centímetro me dá uma nova sensação. Automaticamente você está ocupado com isso. Você deve possuir uma meta e deixar de lado as funções orgânicas. Não ouví-las com a consciência, com o pensamento. Deve-se aprender a pensar imparcialmente. Apenas essa quantidade de esforço irá trazê-lo à um pensamento normal. O exercício que ele deve fazer a Madame De Salzmann pode formular.


Gurdjieff [para Ansi]: Você entendeu?


Ansi: Não


Gurdjieff [para Luc]: Você entende?


Luc: Sim.


Gurdjieff: Você explica para ele, essa será sua tarefa.


Ansi: Eu notei que antes, minhas emoções negativas surgiam em sua maioria nas minhas relações com as pessoas. Eu era violento e desagradável quando dizia coisas para as pessoas. Por algum tempo tenho tentado combater isso. Mas eu caio na indiferença e não sei como mudar o meu estado.


Gurdjieff: Não é necessário mudar, isso é muito bom. Em você está surgindo uma reapreciação de valores. Antes, você estava interessado em coisas baratas. E aquilo que não era interessante não tinha valor para você. Agora o que tem valor para você é aquilo que não era interessante para você antes. Essa é a razão.


Ansi: Mas eu quero mudar.


Gurdjieff: Por que? O seu estado já mudou. Antes, você não via que estava interessado em coisas sem valor. Mas agora sim. Seu estado mudou.


Ansi: Mas se algo me fere, ao invés de ficar bravo ou ofendido eu fico indiferente.


Gurdjieff: Normal; isso é pequeno, mas normal. Antes, você tinha seu próprio amor. Isso é barato, é uma coisa ordinária, agora você entendeu isso. Você vê que isso é idiota, uma nulidade, um excremento; antes, você não sabia disso. Hoje você vê isso, você não fica bravo. Você vê as manifestações do excremento. Se for assim, eu fico muito contente. Sem querer isso, sem saber disso, você já avançou objetivamente, avançou mecanicamente. Em breve, você poderá ser nosso estimado camarada.


Lanctin: É possível nas condições atuais evitar um desenvolvimento muito desarmônico do corpo no que diz respeito ao desenvolvimento geral?


Gurdjieff: Para o desenvolvimento físico, não existe um época definida. Como uma temporada de eleições políticas. Ele é sempre necessário. Você deve educar o seu corpo com a sua cabeça, conscientemente. Isso é muito simples. Nunca permita-o fazer o que ele quizer. Você faz ele fazer tudo contrário do que ele ama. Ele gosta de açúcar, você não dá nenhum açúcar para ele. Você deve habituá-lo a lutar, você está sempre certo quando você faz resistência ao seu corpo. Isso é simples. Tudo contrário; é assim que Deus criou o seu corpo e seu intelecto. Isso é uma coisa muito simples. Para isso não é necessário ler. O programa é muito simples. Sob todas as condições, em todas as situações políticas, o homem deve educar seu corpo para ser submisso a ele. Sua personalidade pode educar o seu corpo. Aquele cujo corpo é mais forte e tem a iniciativa sobre ele, é nulo. Aquele que tem o corpo escravizado é inteligente. Você entende qual é o significado de inteligente? Inteligente significa aquele que dirige seu corpo. Se o corpo é quem dirige, você é uma nulidade, um vassalo – se você controla o seu corpo você é inteligente. Portanto, escolha o que você quer. Inteligente ou vassalo, se você quer ser um vassalo, deixe seu corpo lhe controlar. Se você quer ser inteligente, deixe sua consciência controlar seu corpo. Quanto mais você quizer dirigir o seu corpo mais ele se oporá a você. E ao resistir a você, mais força ele lhe dará.

Bernard de Clairvaux - A carne resiste ao Espírito que está começando a temer a Deus e tentando fazer o Bem

A razão sugere essas coisas internamente para a vontade de forma mais abundante de acordo com o quanto ela for mais plenamente ensinada pela iluminação do Espírito. Feliz, de fato, é aquele cuja vontade entregou-se e tomou o conselho da razão, de modo que, embora a princípio ele fique temeroso, mais tarde ele é acalentado pelas promessas celestiais e traz o espírito da salvação.


Mas, possivelmente, a vontade é encontrada rebelde e obstinada e não meramente impaciente, mas, pior, depois dos avisos, insensível às ameaças e espinhosa quando lisonjeada. Talvez será descoberto que a vontade não seja movida de maneira alguma pelas sugestões da razão e responda com um flash de raiva: “Quanto tempo mais tenho que lhe aturar? Sua pregação não me move. Sei que você é esperta, mas sua esperteza não me engana.” Talvez, então, a vontade, convidando um a um os membros do corpo, os impelirá mais forte do que nunca a se entregarem aos seus desejos e a agirem perversamente. Essa é contudo uma experiência diária muito familiar para todos nós, que aqueles que estão dando suas mentes para a conversão são tentados muito mais fortemente pelos desejos da carne e aqueles que buscam sair do Egito e escapar do Faraó são forçados mais duramente a fabricar tijolos de argila. (Ex. 1:14; 5:19-21)


Poderia tal pessoa desviar-se da impiedade e ter cuidado para não cair naquele terrível abismo do qual está escrito, “O homem impiedoso não pensa em nada disso quando ele chega nas profundezas da perversidade” (Prov. 18:3). Ele pode ser curado apenas pelo remédio mais poderoso e ele irá facilmente falhar, ao menos que ele cuide de seguir o conselho do médico e faça o que ele lhe diz. A tentação é feroz. Ela leva um homem perto do desespero, a menos que ele junte todas as suas forças para ter pena de sua alma, a qual ele vê estar tão miserável e lastimável, mude sua atitude, e ouça a voz daquele que diz: “Felizes aqueles que choram, pois eles serão confortados.” (Mat. 5:4)


Deixe-o prantear abundantemente, pois a hora de chorar chegou e seu estado é para ser chorado grandemente. Que chore, mas não sem amor sagrado e esperança de consolação. Que ele tenha em mente que não pode encontrar conforto em si mesmo, pois tudo está cheio de miséria e desolação. Que ele mantenha em mente que não existe bem em sua própria carne, e que este mundo perverso não oferece nada além de vaidade e aflição do espírito. Que ele considere, eu digo, que nem dentro ou abaixo ou ao redor dele alguma consolação será encontrada, de modo que por fim ele possa aprender a buscar o que deve ser buscado acima e ter esperança por aquilo que vem do alto. Por hora, deixe-o chorar lamentando seu pesar. Que seus olhos derramem água. Que suas pálpebras não se fechem no sono. Verdadeiramente, o olho que anteriormente estava na escuridão é purificado pelas lágrimas e tem sua visão aguçada, para que ele possa estar apto a contemplar dentro da claridade daquela luz mais serena.