terça-feira, 10 de novembro de 2009

G. I. Gurdjieff - Paris, 20 de abril de 1944


Aboulker: Tenho tentado sentir remorso de consciência, mas o remorso me derrota. Não consigo esquecer que foi de remorso que Judas se enforcou.

Gurdjieff: Por que você fala de Judas nesse caso? O que você sabe a respeito de Judas? Ele era um grande iniciado. Ele foi o segundo discípulo depois de São João Batista. Tudo o que é falado sobre ele é falso. Se você quer saber, ele foi até mesmo o mestre de Cristo.


Abouker: A busca por remorso me leva à depressão. Devo estar fazendo o exercício de maneira errada. Como eu deveria tentar encontrar o remorso?


Gurdjieff: Para encontrar remorso é necessário despertar vontade real para lembrar da meta real. Você deve destruir a tranquilidade.


Dr. A.: Senti remorso em flashes duas ou três vezes. Mas não sei como fazê-lo vir. Quando procuro por ele intencionalmente, não recapturo essa qualidade, encontro um tipo que me deprime.


Gurdjieff: Quando o remorso vem sem amor-próprio, ele nos dá o desejo por algo melhor. Mas quando ele é misturado com amor-próprio, ele o puxa para baixo. O efeito do verdadeiro remorso é uma aversão a si mesmo, repugnância perante você mesmo. Essas duas coisas fazem o verdadeiro remorso de consciência.


Dr. A.: Uma vez quando senti isso fiquei com náusea, literalmente.


Gurdjieff: Você tem de sentir um monte disso de modo a matar seu inimigo. Quando você sentir essa depressão você deveria fazer o “eu sou”, então você não precisa ter medo de ficar mais deprimido. Apenas através desse impulso você pode transcender sua nulidade. Você deveria alegrar-se que um impulso despertou em você uma real vontade de mudar. Você não deve ficar fazendo cerimônia com o amor-próprio. O amor-próprio é o seu maior inimigo. A pessoa deve punir-se impiedosamente contra essa criatura imunda. Não apenas você – mas todos. O sentimento de remorso pode fazer uma reparação por todas as coisas, todos os erros de seus parentes, de seus educadores, seus companheiros de infância. Você deve adquirir a liberdade interna que lhe tornará digno de se tornar candidato a futuro homem. Meu querido doutor, isso é o que eu aconselho e é uma coisa muito difícil. Não é prazeroso, mas não é culpa minha. Se você deseja ter um futuro, tente isso no presente. Quanto mais você experimentar disso, mais possibilidade você tem para o futuro. Você deve conseguir trazer remorso de consciência até um ponto em que ele se transforma em aversão de si e aversão pelo seu passado, dos seus pais, da formação que você teve. Amaldiçoe tudo. Invoque o seu ideal para ajudá-lo a sustentar o fardo e para torná-lo digno disso. De um lado você amaldiçoa seu passado, do outro, em nome do seu futuro, você dá a sua palavra – em oposição à maldição – para ajudá-los (os pais) o máximo que você puder. Você deve chegar a um ponto onde a consciência fale impiedosamente em você.


Sra. Etievan: Experimentei a mesma depressão que o doutor, mas não a tenho mais. Encontro-me como antes.


Gurdjieff: Estou desconfiado de algo, talvez você esteja se acostumando a isso automaticamente. Isso também é ruim – uma idéia fixa. A pessoa não pode acostumar-se ao remorso, ele deve penetrar até o ser interior. Se você ficar acostumada, você o fará automaticamente, ele se tornará externo, sem peso, você fará apenas com a cabeça. Você está perdendo seu tempo. Comece novamente de maneira mais impiedosa. Você deve fazer isso com os três centros, não apenas com sua cabeça.


Kahn: Quando examino os poucos anos que estou no trabalho, noto que nunca me faltou força motriz, mas essa parte de mim sempre fugiu do trabalho. Vi isso quando você me disse que me faltava vontade física. Onde posso conseguir a força que me dará vontade física?


Gurdjieff: Apenas uma coisa pode lhe ajudar. Você deve sofrer fisicamente. Por exemplo, não coma o bastante, fique com fome. Ou, se seu organismo não gosta de água gelada, faça-o suportar água fria. O mesmo com água quente. Faça o oposto do que seu corpo está habituado a fazer. Faça-o sofrer. É a única maneira de criar a força que lhe falta. Não um sofrimento mental. Temos sete tipos de sofrimento. Para você, sofrimento corporal é necessário. Com sua mente você pode impiedosamente governar seu corpo, fazê-lo sofrer. Em você duas partes trabalham, mas o corpo não. Entendeu sua emoção? Se você observou isso, se você acredita em mim, faça isso, lute, sofra. Depois você estará apto a trabalhar sobre si mesmo. Estou contente que você chegou à essa questão por si mesmo.


Sra. D.: Não consigo dominar o exercício. Fico identificada. Quando estou quieta consigo melhor.


Gurdjieff: Então é menos útil.



[Sra. D. falando a respeito de um exercício préviamente passado pelo Sr. Gurdjieff]

Sra. D: Outra dificuldade. Quando eu visualizo uma pessoa morta, não tenho nenhum contato com ela, tenho mesmo a impressão que nunca a vi.


Gurdjieff: Muito bom exemplo para você. Talvez você só conheça essa pessoa com uma parte de você – a parte intelectual, por exemplo – e agora você deseja mudar e retratá-la com o sentimento. Você terá o contato com todos os seus centros, mas um por um.


Sra. D.: Devo encontrar alguém que cumpra as condições?


Gurdjieff: Talvez você nunca encontre tal pessoa. Talvez você seja uni-lateralizada. Se você não pode encontrar uma pessoa, pegue duas ou três. Com uma você vai estar na parte do sentimento, com a outra no pensamento e assim por diante.


Pomereu: Tenho notado que quando observo minha respiração fico mais apto a lembrar de mim mesmo, eu deveria fazer isso?


Gurdjieff: Não se você achar que existe o risco de se tornar uma idéia fixa. Se isso o ajuda, continue. Apenas você pode julgar.


Pomereu: Como vou saber se é uma idéia fixa?


Gurdjieff: Agora entendi. Pela sua pergunta. Entendi seu estado interno. Qual é o centro de gravidade do seu trabalho?


Pomereu: O exercício de alimentar o “Eu” e o das sete respirações.


Gurdjieff: Qual é o que lhe interessa mais, que lhe dá mais confiança?


Pomereu: Eu não os faço nas mesmas condições. Ambos são importantes para mim.


Gurdjieff: Mude as condições nas quais você faz os exercícios. Faça o exercício que você tem feito no tempo reservado para o trabalho, na vida e vice e versa. Mude o tempo para vencer o automatismo. Tenho uma suspeita de algo e isso pode tornar-se claro para mim.


[Sra. V.D. pergunta sobre o exercício das sete respirações]


Sra. V. D.: Essa é a maneira certa de continuar ou devo limpar mais?


Gurdjieff: Continue. Talvez você esteja fazendo-o apenas com uma parte de você mesma. Agora você começa a despertar, isso produz um desentendimento. Prossiga até que você tenha um contato objetivo com o seus três centros (pensamento, sentimento, sensação). Contato com um é apenas histeria. Uma pessoa real é ela mesma. Eu sou eu; se eu amo, é com o todo de meu ser; se eu odeio também.


Sra. V. D.: Não quero mais nada disso.


Gurdjieff: Então faça o tempo todo, fixe um novo hábito. Depois disso vou lhe ajudar.


Sra. V. D.: Fiz um grande esforço a semana toda. Senti algo novo.


Gurdjieff: Pela primeira vez algo despertou em você. Mas você não está acostumada a isso ainda, você ainda não tem material suficiente. Você está na estrada certa. Se você estiver apta a amaldiçoar e ficar enojada do seu passado, isso irá lhe ajudar. Perceba quanto tempo você perdeu. Isso é remorso de consciência. Dessa maneira você prepara um bom futuro. Sem as coisas ruins as coisas boas nunca vêm.


Wack: Há uma parte de mim que eu nunca consegui trazer intencionalmente quando tento lembrar de mim mesmo. Essa parte apenas desperta como um resultado de um choque externo. Como posso fazê-la aparecer?


Gurdjieff: Você deve matar algo em você. Você deve abrir espaço para esse novo sentimento. Temos no nosso sistema um número definido de fatores. Em você todos os fatores já estão escritos. Como gravações de um gramofone, e essas inscrições já são falsas. Você tem de destruir uma dessas gravações.


Wack: Como podemos destruí-las?


Gurdjieff: Através de uma força definida. Escolha um ideal externo. A fé religiosa, por exemplo. Algo a respeito do qual você tenha certeza de que está fora de você. Então liquide essa crença, destrua-a. Você não perderá nada, pois ela é falsa. Mais cedo ou mais tarde, tudo deve ser novo em você. Por agora tudo é merda. Crie espaço, de modo a cristalizar um novo fator ou uma nova vida. Aconselho você a pegar a fé; talvez você tenha um outro sentimento do qual esteja certo. De qualquer forma, há um que você tem de conseguir destruir e substituir, de modo que você tenha um contato real com o sentimento.


Wack: Qual será o novo fator?


Gurdjieff: A consciência. Até agora você cristalizou apenas anormalidades vindas de fora.


Sra. D.: O que devemos fazer para seguir o conselho que você dá no seu livro, para persuadir todas as coisas, todas as partes inconscientes de nossa presença, a trabalhar como se fossem conscientes e assim por diante?


Gurdjieff: Não é meu livro, é do Sr. Belzebu e é o conselho que ele está dando para o neto dele.


Sra. D.: Então é só para o neto dele?


Gurdjieff: Belzebu irá explicar isso para você. Quanto a mim, dou-lhe um outro pequeno conselho: acostume-se a chamar Belzebu de: “meu querido avô”. Isso irá ajudá-la. A condição é que você se enderece a ele respeitosamente: “meu querido avô”, com todos os detalhes. Então talvez ele irá responder.