quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Ramesh S. Balsekar - A natureza da Consciência II

Pergunta: Não estou certo a respeito da diferença entre a dualidade e o dualismo.
Ramesh: A dualidade é a base na qual esta manifestação acontece. Portanto, se a dualidade é entendida como dualidade, como meros pólos opostos, em que um não pode existir sem o outro, isso é compreensão. Isso é iluminação. É a própria Consciência que descendeu do nível da dualidade para o nível do dualismo e identificou-se com cada objeto e criou essas relações sujeito-objeto de modo que esse Lila (jogo divino) pudesse continuar. Portanto, é a Consciência que se identificou consigo mesma e continua a identificação por um tempo. Então, algum mecanismo corpo-mente, que esteve vivendo sua vida de uma maneira perfeitamente razoável, saudável e feliz, é atingido por um impulso de descobrir, “qual é o sentido da vida?”, “estou realmente separado do próximo?” E assim a mente volta-se para dentro, e o buscador inicia sua busca miserável! O processo de desidentificação prossegue então até que ocorre a compreensão de que o dualismo é uma piada, uma piada cósmica. E essa realização eleva o dualismo de volta ao nível da dualidade. Quando aquele nível de dualidade torna-se também insuportável, então o “eu” e o “Tu” também desaparecem.

P: Entendo o que você está dizendo. Estou acompanhando com bastante clareza. A Consciência é tudo o que há, e tudo é apenas a Consciência entretendo a si mesma. Mas quando tenho filhos que são paralíticos, é difícil chegar à paz com essa maneira impessoal de ver as coisas. As inquietações pessoais são o que realmente contam.
R: Sim, mas contam apenas para o indivíduo. Pois o 'mim', reagindo aos eventos é tudo o que a vida é. É por isso que o ser humano quer segurança. Mas segurança é algo que não pode acontecer e portanto, o ser humano é infeliz.
Por trezentos anos a física Newtoniana prevaleceu, dizendo que você pode pegar um pedaço do universo, você pode observá-lo e pode entender aquela parte. Mas agora, desde que a teoria da mecânica quântica apareceu, uma partícula se move e o cientista pode saber apenas a sua localização e a sua velocidade, mas não ambos. Se ele sabe a velocidade, ele não pode saber o local onde a partícula estará. Ele não pode saber as duas coisas. Todo o universo e o seu funcionamento está baseado em polaridade, opostos interconectados: homem-mulher, sujeito-objeto, acima-abaixo, bem-mal, doente-saudável, felicidade-tristeza. Em todo o universo não existe nada que é estático, nenhum planeta, nenhuma galáxia. Tudo está se movendo e o movimento significa mudança.
A mente humana pensa em termos laterais, mas quase tudo no universo é circular. Qualquer coisa que muda tem de voltar novamente. O cientista diz hoje que falar num mundo no qual tudo é preciso, constante e mensurável é uma proposição impraticável. Em tal mundo um pequenino elétron dentro de todo átomo teria que trabalhar a cada instante sem parar. Ele queimaria a si mesmo. Toda a energia pararia. Tudo voltaria para dentro de um núcleo.
A vida é incerteza. Isso é o que o místico tem dito por milhares de anos e agora o cientista concorda. Temos de viver com a insegurança. Temos de viver com a mudança. Segurança é um mito. Você não pode viver com segurança; e tentar fazer isso significa frustração. Compreender profundamente isso e aceitar que viver e vida estão baseados em mudança, a pessoa gostando disso ou não, é um grande passo à frente.
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P: Sinto-me confortável com o conceito de uma consciência-mãe amorosa que deseja que eu cresça através dessa existência. Estou tendo dificuldades de adequar isso com o que você está ensinando.
R: O amor e o ódio são opostos interconectados na fenomenalidade. Na fenomenalidade, nada neste universo pode existir exceto em bases duais. Nada é único, nada é constante, nada. Tudo está mudando o tempo todo. A mudança e os opostos interconectados são a própria essência da existência.
A dificuldade surge quando a mente-dividida do sujeito-objeto não aceita que o amor e o ódio são opostos, que o bem e o mal estão interconectados. Um não pode existir sem o outro. A beleza não pode existir por si mesma. No momento em que você fala da beleza, a feiúra já está lá. No momento em que você fala da bondade, o mal já está lá. Como você pode falar da beleza na ausência da feiúra? O ser humano quer experimentar uma e não a outra. Isso não pode ser feito.
Nada pode ser constante na vida. A mudança é a própria base da vida. Também com a felicidade, a infelicidade está automaticamente conectada com ela, pois a mudança é inevitável. A miséria vem porque a mente-dividida compara, julga, e quer a felicidade à exclusão da infelicidade. A mente-dividida não aceita que a mudança está fadada a acontecer.
Quando surge a compreensão que, “isso também passará”, seja miséria ou felicidade, essa compreensão trará uma tremenda mudança na perspectiva. Então quando há alguma compreensão você não considera que aqueles que não a possuem são indignos, você não se considera ser “um favorito de Alá”, pois você sabe que este estado de consciência passará, e outros estados de consciência virão. E quando os outros estados de consciência surgirem, você não se sentirá miserável pois eles não eram totalmente inesperados. Isso não trará a miséria na profundidade que teria trazido anteriormente. Portanto, a base dessa aceitação é que tudo está se movendo, e portanto, a mudança é a própria base da vida e basicamente tudo é ilusão.
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P: Parece-me que tudo pode ser considerado irreal, exceto o fato de que eu existo. Há uma diferença entre o “eu existo” e o possessivo “meu”, como o “meu corpo”, “minhas idéias”, “minha casa”, a existência em si é incontestável.
R: Portanto, o que quer que digamos, o que quer que pensemos, é um conceito. A única coisa que não é um conceito, a única verdade, é o sentido de presença. Eu sou. Estou vivo. Essa é a única verdade. Mas essa verdade, mesmo essa verdade está no nível dos fenômenos.
P: E essa verdade também é um conceito.
R: Certo. Finalmente, até esse Eu Sou é um conceito. Mas na ausência de todos os outros conceitos, a única coisa que sabemos (tudo mais é um conceito) é o sentido de presença: Eu Sou, Eu existo. Se você imaginasse que você fosse o único ser senciente na Terra, então o sentido de presença seria tudo o que existiria. E nesse caso não haveria nem mesmo o sentido de “eu existo”. O sentido seria, “há a existência”. Existe a consciência porque existe algo do qual estamos cientes a respeito. E isto é o resto da manifestação.
P: E se não colocarmos isso em palavras então é a verdade.
R: Sim. Isso é a Realidade.
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P: “Eu Sou”. Essa é a única coisa da qual podemos saber?
R: Correto. Eu sou, aqui e agora, no momento presente.
P: Como sabemos isso?
R:Você não sabe disso?
P: A maneira como sei disso é que eu sempre tenho um pensamento que Eu Sou. Eu sinto as coisas.
R: Não. Não!
P: O próprio sentido de presença?
R: Correto. O sentido de presença está sempre ali. Portanto, o que estou dizendo é, você não tem que ter o sentido de presença. O sentido de presença já está ali.
P: Sem um objeto?
R: Sim. Originalmente esse sentido de presença é impessoal. Quando você acorda pela manhã o primeiro sentido de presença é impessoal. Então emerge em você, o Eu sou tal e tal. A identificação pessoal vem depois. Originalmente há meramente o sentido de presença impessoal.
P: Você realmente não é um “eu” ("mim") de maneira nenhuma. Não há o sentido de ser um “mim” (“eu”)?
R: Correto.
P: O sentido de presença depende de que haja um corpo.
R: Sim. O sentido de presença surge apenas quando há um corpo. Se não houver um corpo, não há um instrumento no qual o sentido de presença possa aparecer.
P: É um instrumento muito frágil.
R: De fato! Mas o único ponto é que existem bilhões deles. Então, se um vai, não importa. Neste corpo existem milhões de células morrendo e sendo criadas o tempo todo. Alguma vez alguém pensou naquela célula individual? “Pobre célula, não viveu quase nem meio segundo e morreu!”
P: Você está falando sobre aceitação e sobre sentir a presença do presente e ver tudo o que está a nossa frente como sendo o que a vida é?
R: Isso. Novamente, deixe-me repetir, qualquer coisa que eu diga, ou que qualquer pessoa diga, qualquer coisa que as escrituras digam, é tudo um conceito. Precisamos de conceitos para o comunicar até que a mente tenha atingido um estágio onde ela perceba que o que ela esteve buscando está além da compreensão dela.
Então a mente irá aquietar-se e o silêncio irá reinar. Até lá, mesmo esse sentido de presença do qual estamos falando a respeito está no nível dos fenômenos. Você vê, existe a presença do sentido de presença e a ausência do sentido de presença. No sono profundo ou sob efeito de sedativos há uma ausência do sentido de presença. Então existe a presença e a ausência desse sentido de presença. Essa presença e ausência dele é parte da fenomenalidade. Na não-fenomenalidade, a qual é o potencial, que é a consciência-em-repouso, há a ausência tanto da presença do sentido de presença quanto da ausência dele.
Deixe-me colocar de outra forma, (embora nenhuma ilustração jamais possa ser completa em si mesma pois uma ilustração constrói um objeto e o assunto do qual estamos tratando não está nem um pouco relacionado ao nível dos objetos): Você acorda de manhã. Você está desperto. Existe a presença da barba. Você a raspa. Agora existe a ausência da presença da barba. Mas num menino existe a potencial presença e ausência da barba. Há uma ausência da presença da barba e uma ausência da ausência da barba. Potencial, sim – portanto estou falando sobre Aquele estado, aquele estado original onde há uma ausência de ambos, tanto da presença do sentido de Presença quanto da ausência da ausência do sentido de Presença.
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P: A Consciência-em-repouso não é simplesmente aquele conceito básico sobre o qual a Consciência-em-movimento ocorre?
R: Correto.
P: Mas o cessar dos pensamentos, o cessar da atividade, para que postular ou conceitualizar que ela vai para algum lugar? Por que não é simplesmente um cessar de movimento?
R: Novamente, está absolutamente correto. Assim, mais nenhuma questão permanece. Concordo inteiramente. Mas, por essa questão persistir, você tem que receber um conceito adicional.
Isso é o que pode ser chamado de um problema divergente. Os cientistas lidam com problemas que são convergentes. Cem cientistas realizando o mesmo experimento devem obter o mesmo resultado. Quando o problema diz respeito a uma experiência interior da Consciência, torna-se um problema divergente. Em outras palavras, problemas divergentes são causados pelo intelecto, ao dividir o que por natureza é total e indivisível. O intelecto cria o problema ao dividir polaridade. Os opostos que existem não podem existir por si mesmos. Não pode haver o “para cima” sem o “para baixo”, não pode haver a beleza sem a feiúra. Mas o que o intelecto quer é, isso ou aquilo. Ao comparar e querer selecionar, o intelecto cria um problema divergente, e problemas divergentes jamais podem ser solvidos. Um problema divergente pode apenas dissolver-se através da compreensão do próprio problema, da compreensão de que ele realmente não é um problema, que ele é criado pelo intelecto querendo escolher entre os opostos que não são opostos de maneira nenhuma. São interrelacionados.
Por exemplo, na educação uma idéia é que o aluno deva ter disciplina. Portanto um pouco de disciplina é bom, mais disciplina é melhor e disciplina total é perfeito. A escola torna-se uma prisão. O outro lado diz: “Não, o aluno deve ter liberdade de pensamento e de ação”. Portanto, se um pouco de liberdade é uma boa coisa, mais liberdade deve ser melhor, e liberdade absoluta seria perfeito. Então a escola torna-se um caos. Assim, o isso ou aquilo, o querer escolher entre dois opostos, é criar um problema diversivo. Os dois opostos estão interrelacionados, você não pode ter um ou o outro. Quando isso é entendido, e que o universo inteiro está baseado nessa polaridade onde você não pode escolher, então não é necessário solver o problema. O problema se dissolve.
Haviam dois monges estudando num seminário e ambos apreciavam muito fumar. O problema deles era, “É permitido fumar quando estou orando?” Eles não conseguiam chegar a um acordo, então cada um disse que iria falar com seu superior. Ao se encontrarem novamente mais tarde, um monge perguntou para o outro se o abade tinha dito se era permitido fumar. Ele disse: “Não, fui severamente repreendido até mesmo por mencionar isso. O que seu abade disse?” O outro respondeu: “Ele ficou feliz comigo. Disse que tudo bem. O que você perguntou ao seu superior?” Perguntei se eu podia fumar quando estava rezando”. “Então é por isso. Eu perguntei, 'posso rezar quando estou fumando?'”
O mesmo problema depende de como o vemos. É tudo uma questão de perspectiva. A base da vida é a polaridade e a polaridade aparece devido à mudança. O universo e tudo nele está num movimento contínuo. E movimento não significa movimento lateral como o intelecto humano pensa. É um movimento circular. Portanto, as mudanças devem acontecer. Se isso não for entendido, então cria problemas. E a maioria dos problemas da vida são problemas divergentes.