quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Sri Ramakrishna - Abril de 1882

Ramakrishna estava sentado num pequeno sofá em seu quarto com o seu habitual semblante radiante. M. chegou com Kalikrishna, que nem imaginava onde seu amigo o tinha levado. Ele só havia dito: 'Se quer ver uma taberna, então venha comigo. Você verá lá um enorme jarro de vinho.' M. contou isso para Sri Ramakrishna, que se divertiu com a história. O Mestre disse: "A felicidade da adoração e da comunhão com Deus é o verdadeiro vinho, o vinho do amor extático. O objetivo da vida humana é amar a Deus. Bhakti (devoção) é a única coisa essencial. Conhecer Deus através de Jnana (conhecimento) e do raciocínio é extremamente difícil.
Quem é que pode compreender o que é a Mãe Kali (a Divina Mãe do Universo)? Até os seis Darshanas (sistema filosófico Indiano) não têm o poder de revelá-la. O único objetivo da vida é cultivar o amor a Deus, aquele amor que os vaqueiros, vaqueiras e os pastores meninos de Vrindavana tinham por Krishna. Quando Krishna partiu para Mathura, os pastores ficaram desnorteados, vagando sem rumo, chorando amargamente por causa daquela separação."


Então o mestre cantou:


Não bebo vinho comum, somente o vinho da felicidade eterna.

Quando repito o nome da minha mãe Kali,

Minha mente se embriaga a tal ponto

que as pessoas me consideram ser um bêbado!


Para fazer o vinho meu guru primeiro dá o melaço;

Minhas aspirações são a levedura para transformá-lo,

O conhecimento, fazedor de vinho, logo o prepara para mim;
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E quando está pronto, minha mente absorve-o da garrafa do mantra,

Tomando o nome da Mãe para torná-lo puro.


Bebe deste vinho, e os quatro frutos da vida* serão seus.
*Dharma, Artha, Kama y Moksha. (a religião, a bem aventurança, o amor e a liberação)




Ramakrishna: Deus e Sua glória. Este universo é a Sua glória. As pessoas vêem a Sua glória e não pensam em nada mais. Não buscam a Deus, cuja glória é este mundo. Todos procuram desfrutar de "mulher e ouro". Mas há muita miséria e dor nisso. Este mundo é como um redemoinho de Visalakshi. Uma vez que um barco cai dentro dele, não há esperança de resgatá-lo. De outro lado, o mundo é como um arbusto espinhoso. Você acaba de se livrar de um monte de espinhos e já está enredado em outro monte deles. Uma vez que você entre num labirinto é muito difícil encontrar a saída. Vivendo no mundo o homem acaba sendo surrado, por assim dizer.

Devoto: Então, qual é o caminho, senhor?

R: A oração e a companhia de homens santos. Você não pode se livrar de uma doença sem a ajuda de um médico. Mas não é o suficiente estar em companhia dos santos apenas por um dia. Você deve buscá-la constantemente, pois a doença tornou-se crônica. Além disso, você não pode entender corretamente a pulsação, a menos que viva com um médico. Ao acompanhá-lo constantemente, você aprende a distinguir o pulso tranquilo do pulso agitado.
D: O que há de bom na companhia dos santos?

R: Ela produz um anseio por Deus, e o amor a Deus. Não se alcança nada na vida espiritual sem esse anseio. Vivendo constantemente em companhia dos santos, a alma torna-se inquieta por Deus. Esse anseio é como o estado mental de um homem que tem um doente na família. Sua mente está em um perpétuo estado de agitação, pensando em como ele poderia curar o doente. A pessoa deveria também sentir um anseio por Deus assim como aquele que sente um homem que perdeu seu emprego e vaga de um escritório a outro em busca de trabalho. Se ele for rejeitado num lugar por não haver vaga, ele retorna no dia seguinte e pergunta: 'Há alguma vaga hoje?'
Existe uma outra forma: orando a Deus sinceramente. Deus é muito nosso. Deveríamos dizer a Ele, 'Ó Deus, qual é a Tua natureza? Revela-Te a mim. Tens de mostrar-Te a mim, pois, para que outra finalidade me criaste?'
Uma vez alguns devotos Sikhs me disseram: 'Deus é cheio de compaixão.' Eu lhes disse: 'Mas por que deveríamos chamá-Lo de compassivo? Ele é o nosso Criador. Por que haveríamos de nos surpreender se Ele é compassivo conosco? Os pais criam seus filhos. Você chama isso de um ato de bondade? Eles têm de agir dessa forma. Portanto, devemos fazer valer os nossos pedidos a Deus. Ele é nosso Pai e nossa mãe. Não é? Se o filho pede sua herança e pára de comer e de beber para forçar que sua ordem seja atendida, então seus pais lhe darão a sua parte, três anos antes do que estava legalmente prescrito. Ou quando a criança pede alguns centavos para a mãe e diz repetidas vezes: 'Mamãe, me dá estas moedas de um centavo, eu imploro de joelhos!', então a mãe vendo sua ansiedade e incapaz de suportar mais, dá as moedas.'
Um outro benefício alcançado pela companhia de homens santos, é que isso nos ajuda a cultivar o discernimento entre o real e o irreal. Só Deus é real, ou seja, a Substância Eterna, e o mundo é irreal, isto é, transitório. Tão logo o homem encontre sua mente vagando no irreal, ele deve aplicar o discernimento. Quando o elefante estica a sua tromba para comer uma banana do jardim vizinho, seu condutor lhe dá um golpe no focinho.
D: Por que os homens têm tendências pecaminosas?
R: Na criação de Deus existem todos os tipos de coisas. Ele criou os homens maus bem como os homens bons. É Ele quem nos dá as tendências boas e é Ele também quem nos dá as más tendências.

D: Nesse caso, nós não somos responsáveis por nossas más ações, não é?

R: O pecado gera seu próprio resultado. Essa é a Lei de Deus. Você não irá queimar a língua se comer pimenta ardida? Em sua juventude, Mathur levou uma vida muito leviana, e, consequentemente, antes de sua morte sofreu de várias doenças. A pessoa pode não dar-se conta disso na juventude. Eu vi no fogão da cozinha do Templo de Kali, como queimam as lenhas. No início a madeira úmida queima bem. Ela não parece conter muita umidade. Mas quando está suficientemente queimada, toda a umidade se reúne num extremo. Finalmente a água escorre do combustível e apaga o fogo. Portanto, a pessoa deve tomar cuidado com a ira, as paixões e a cobiça. Tome por exemplo no caso de Hanuman. Em um acesso de raiva ele queimou o Ceilão. Então, lembrou que Sita estava vivendo no jardim de Asoka. E começou a tremer de medo achando que o fogo pudesse machucá-la.

D: Por que Deus criou tanta gente perversa?

R: Essa é a vontade Dele, o Seu jogo. Em Sua Maya existe tanto Avydia quanto vydia (ignorância e sabedoria). A escuridão também é necessária. Ela revela ainda mais a glória da luz. Não há dúvida de que a ira, a luxúria e a ganância são ruins. Por que então Deus as criou? Para criar os santos. Um homem torna-se um santo conquistando os sentidos. Existe algo impossível para um homem que dominou suas paixões? Ele pode até mesmo realizar a Deus através da Sua graça. Além disso, veja como todo o Seu jogo da criação é perpetuado através da luxúria. As pessoas más também são necessárias. Uma vez que os inquilinos de um imóvel se rebelaram, o proprietário teve de enviar Golak Choudhoury que era um bandido. Era um administrador tão áspero e cruel que os inquilinos tremiam só de ouvir o seu nome. Existe a necessidade de tudo. Sita disse uma vez a seu marido: 'Rama, seria ótimo se cada casa em Ayodhya fosse uma mansão. Vejo muitas casas antigas e em ruínas.' 'Mas minha querida', disse Rama, 'se todas as casas fossem bonitas, o que fariam os pedreiros?'
Deus criou todas as classes de coisas. Criou árvores boas e também plantas e ervas venenosas. Entre os animais existem os bons, os maus e todos os tipos de criaturas - tigres, leões, serpentes, etc.'
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D: Senhor, é possível realizar a Deus mesmo vivendo uma vida com a família?
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R: Certamente. Mas como acabei de dizer, a pessoa deve viver em companhia santa e orar incessantemente. A pessoa deveria chorar por Deus. Quando dessa maneira as impurezas da mente tiverem desaparecido, ela realiza Deus. A mente é como uma agulha coberta de lama e Deus é como um imã. A agulha não pode juntar-se ao imã a menos que se livre da lama. As lágrimas lavam a lama, que é nada mais do que a luxúria, a ira, a cobiça e outras más tendências, assim como a inclinação pelos prazeres mundanos. Tão logo a lama desapareça, o ímã atrai a agulha, ou seja, o homem realiza Deus. Somente os puros de coração vêem Deus. Um doente com febre tem excesso de componentes aquosos em seu sistema. Que bem pode fazer o quinino, a menos que se remova esses elementos? Por que a pessoa não haveria de ter a realização de Deus, enquanto vive no mundo? Mas, como já disse, tem-se de viver em companhia dos santos, rezar a Deus, clamar por Sua graça e de vez em quando se retirar para ter momentos de solidão. A menos que no início as plantas de uma trilha sejam protegidas por uma cerca, elas serão destruídas pelo gado.
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D: Então, aqueles que levam uma vida familiar também terão a visão de Deus, não é?
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R: Todos, certamente, serão liberados. Mas é necessário seguir as instruções do guru, se você seguir um desvio no caminho, irá sofrer na tentativa de desfazer os passos. Demora muito tempo para conseguir a liberação. O homem pode não alcançá-la nesta vida. Talvez realize Deus somente após muitos nascimentos. Sábios como Yanaka cumpriram o seu dever para com o mundo. Cumpriram-no ao trazer Deus em suas mentes, assim como uma bailarina dança levando jarros ou bandejas em sua cabeça. Você já viu como as mulheres do noroeste da Índia caminham conversando e rindo, enquanto levam jarros cheios de água em suas cabeças?

D: Hoje você se referiu às instruções do guru. Como é que vamos encontrá-lo?

R: Nem todos podem ser um guru. Um tronco grande flutua na água e até mesmo pode transportar animais. Mas um pedaço de madeira inútil afunda se um homem se senta sobre ele, e ele se afoga. Assim, em cada época Deus mesmo se encarna como guru para ensinar a humanidade. Satchitananda* apenas é o guru. O que é o conhecimento? E qual é a natureza deste ego? Só Deus é o fazedor e nada mais, isso é conhecimento. Eu não sou o fazedor, sou um mero instrumento nas mãos Dele. Por isso eu digo: 'Ó mãe, és a maquinista, eu a máquina. És a moradora e eu sou a morada. És a condutora e eu sou a carruagem. Movo-me da maneira como me moves. Faço o que me fazes fazer. Falo o que me fazes dizer. Não eu, não eu, mas sim Tu, mas sim Tu.
* (existência-consciência-contentamento)