sábado, 25 de abril de 2009

Hazrat Inayat Khan - A Realização Espiritual com a ajuda da música


Antes de dar início a este assunto, eu gostaria de explicar primeiro o que significa a palavra espiritual. É a bondade que pode ser chamada de espiritual? Ou é um poder de produzir milagres ou um grande poder intelectual? A resposta é: Não. A totalidade da vida em todos os seus aspectos é uma música e afinar-se à harmonia desta música perfeita é a verdadeira realização espiritual. Você pode perguntar: "O que é isso que mantém o homem apartado da realização espiritual?” A resposta é, a densidade desta existência material, e o fato de que o homem está inconsciente do seu ser espiritual - dividido em limitações. Isso impede aquele livre fluir e o movimento livre, que são a natureza e o caráter da vida. O que quero dizer com essa densidade? Há uma pedra e você quer produzir som a partir dela. Ela não dá ressonância, não atende o seu desejo de produzir som, mas a corda ou o arame darão uma resposta para o tom que você quer. Você bate nela e ela responde. Existem objetos que dão ressonância para o som. Você deseja produzir um som neles e eles ressoam, tornam sua música completa.

Assim é com a natureza humana. Uma pessoa é pesada e aborrecida. Você lhe diz algo, ela não pode compreender, você fala com ela e ela não ouvirá. Ela não responderá para a música, à beleza ou à arte. O que é isso? É a densidade. Existe uma outra pessoa que está disposta a apreciar e compreender música e poesia, ou beleza em qualquer forma. No caráter, nas maneiras - em todas as formas - a beleza é apreciada por essa pessoa. É isso que é o despertar da alma, que é a condição de vida do coração, e é essa a verdadeira realização espiritual. A realização espiritual é fazer viver o espírito, é tornar-se consciente. Quando o homem não está consciente da alma e do espírito, e só está consciente do ser material, ele é denso, ele está longe do espírito.
Você pode perguntar: 'O que é espírito e o que é matéria? " A diferença entre espírito e matéria é como a diferença entre a água e a neve. Água congelada é neve e neve derretida é água. É o espírito em sua densidade que chamamos matéria; é a matéria em sua sutileza que pode ser chamada espírito. Uma vez um materialista disse-me: 'Eu não acredito em nenhuma alma ou espírito ou no além. Eu acredito na matéria eterna'. Eu disse a ele: "Sua crença não é muito diferente da minha. Apenas, o que você chama de matéria eterna, eu chamo de espírito. É uma diferença de termos. Isso não é uma coisa para se disputar, pois ambos acreditamos na eternidade. Contanto que nos reunamos na eternidade, que diferença faz se um chama isso de matéria e o outro chama de espírito? É Uma vida do começo ao fim ".
A beleza é nascida da harmonia. O que é harmonia? Harmonia é proporção correta, em outras palavras, ritmo correto. E o que é a vida? A vida é o resultado da harmonia. Por trás de toda a criação está a harmonia e todo o segredo da criação é a harmonia. A inteligência anseia por atingir a perfeição da harmonia. O que o homem chama de felicidade e conforto ou ganho e lucro - tudo aquilo que ele anseia e pretende atingir - é harmonia. Em menor ou maior proporção ele está desejando harmonia; mesmo na realização das coisas mais mundanas ele deseja sempre harmonia. Mas muitas vezes ele não adota métodos corretos. Muitas vezes, seus métodos são errados. O objeto alcançado por ambos, bons e maus métodos, é o mesmo mas a forma como se tenta atingir o objeto torna-o certo ou errado. Não é o objeto que está errado, é o meio adotado para alcançá-lo. Ninguém, seja qual for a sua estação na vida, deseja desarmonia, pois todo sofrimento, dor e problemas são desarmonia.
Atingir a espiritualidade é perceber que todo o universo é uma sinfonia na qual cada indivíduo é uma nota. Sua felicidade reside em tornar-se perfeitamente harmonioso com a sinfonia do universo. Não é seguir uma determinada religião o que torna alguém espiritual, ou ter uma certa crença, ou ser um fanático em relação a uma idéia, ou por se tornar demasiado bom para viver neste mundo. Muitas pessoas boas existem, que nem sequer compreendem o que significa espiritualidade. Elas são muito boas, mas ainda não sabem o que é o verdadeiro bem. O verdadeiro bem é a harmonia em si. Por exemplo, todos os princípios e crenças diferentes das religiões deste mundo, ensinados e proclamados pelos sacerdotes e professores - mas que os homens nem sempre são capazes de seguir e expressar - vêm naturalmente ao coração de um homem sintonizado com o ritmo do universo. Cada ação dele, cada palavra que ele fala, cada sentimento que ele tem, todos os sentimentos que ele exprime, é tudo harmonioso, é tudo virtude, é tudo religião. Não é seguir uma religião o que é necessário, é preciso viver uma religião, é tornar sua vida uma religião, o que é necessário.

A música é a miniatura de toda a harmonia do universo, pois a harmonia do universo é música em si, e o homem, sendo a miniatura do Universo, deve mostrar a mesma harmonia. Na sua pulsação, na batida do seu coração e em sua vibração ele mostra ritmo e tom, acordes harmoniosos ou desarmônicos. Sua saúde ou doença, sua alegria ou desconforto - todos mostram a música ou a falta de música na sua vida.
O que a música nos ensina? A música nos ajuda a nos treinarmos de uma forma ou de outra na harmonia, e é essa que é a mágica ou o segredo por trás da música. Quando escuta uma música que você gosta, ela lhe harmoniza e lhe coloca em harmonia com a vida. Por isso, o homem precisa de música, ele anseia por música. Muitos dizem que eles não ligam para música, mas eles não ouviram música! Se eles realmente tivessem ouvido música, ela tocaria suas almas e então certamente não poderiam evitar amá-la. Se não, apenas significa que eles não ouviram música suficientemente e não tornaram seu coração calmo e sossegado, a fim de ouvi-la, para curtir e apreciá-la. Além disso, a música desenvolve a faculdade pela qual se aprende a apreciar tudo o que é bom e belo. Sob a forma de arte e ciência, em forma de música e poesia, em cada aspecto da beleza pode-se então apreciá-la. O que priva o homem de toda a beleza em volta dele é o peso do seu corpo, ou o peso do coração. Ele é puxado para baixo pela terra, e por isso tudo torna-se limitado. Quando ele se livra desse peso e se sente feliz, ele se sente leve. Todas as boas tendências, tais como a gentileza e a tolerância, o perdão, o amor e o apreço - todas essas belas qualidades – vêm ao estarmos leves, leves na mente, na alma e no corpo.
De onde a música vem? De onde a dança vem? Isso tudo vem da vida espiritual natural que está dentro. Quando essa vida espiritual floresce, ela alivia todos os fardos que o homem tem. Torna sua vida suave, flutuando sobre o oceano da vida. A faculdade de apreciação torna uma pessoa leve. A vida é exatamente como o oceano. Quando não há apreço, não há receptividade, o homem afunda como um pedaço de ferro para o fundo do mar. Ele não pode flutuar como o barco que é oco, que é receptivo.
A dificuldade no caminho espiritual é sempre o que vem de nós mesmos. O homem não gosta de ser um aluno, ele gosta de ser um professor. Se o homem apenas soubesse que a grandeza e perfeição dos grandiosos, que vieram de tempos em tempos a este mundo, residia na sua disponibilidade de aprender, e não em ensinar! Quanto maior for o professor, melhor aluno ele foi. Ele aprendeu de todos, dos grandes e dos inferiores, dos sábios e dos tolos, dos velhos e dos jovens. Ele aprendeu de suas vidas e estudou a natureza humana em todos os seus aspectos. A pessoa que aprende a trilhar o caminho espiritual deve se tornar como um copo vazio, a fim de que o vinho da música e da harmonia possa ser derramado em seu coração. Você pode perguntar: 'Como é possível tornar-se um copo vazio?' Vou dizer-lhe como copos mostram-se cheios em vez de estarem vazios. Muitas vezes uma pessoa chega para mim e diz: "Aqui estou. Poderia ajudar-me espiritualmente?' E eu respondo: 'Sim'. Mas então ele diz: 'Eu quero saber antes de tudo o que você pensa sobre a vida e a morte ou sobre o início e o fim'. E então eu me pergunto qual será a sua atitude se a sua opinião previamente concebida não concordar com a minha. Ele quer aprender e ainda assim não deseja estar vazio. Isso significa ir para o riacho com um copo cheio, querendo água, mas o copo está fechado, cheio de idéias preconcebidas. De onde as idéias preconcebidas vêm? Nenhuma idéia pode ser chamada de uma idéia da própria pessoa! Todas as idéias foram aprendidas de uma fonte ou de outra, mas chega um momento em que a pessoa pensa que são dela mesma. Por essas idéias ela irá discutir e disputar, embora elas não a satisfaçam plenamente. Ao mesmo tempo elas são o campo de batalha da pessoa e todo o tempo ela vai manter a taça coberta.
Os místicos, portanto, têm adotado uma maneira diferente. Eles aprenderam um rumo diferente, e esse rumo é o auto-aniquilamento, ou, em outras palavras, desaprender o que aprenderam. Diz-se no Oriente que a primeira coisa aprendida é compreender o como tornar-se um aluno. Eles não aprendem primeiro o que é Deus ou o que é a vida. A primeira coisa a aprender é como se tornar um aluno. Pode-se pensar que, desta forma a pessoa perde sua individualidade. Mas o que é individualidade? Não é o que é coletado? O que são as idéias e opiniões da pessoa? São apenas conhecimento coletado. Isso deve ser desaprendido.
Como podemos desaprender? Você diria que a natureza da mente é tal que o que a pessoa aprende fica gravado nela, e então como ela pode desaprender isso? Desaprender é completar o conhecimento. Ver uma pessoa e dizer: “Essa pessoa é má"- é aprender. Ver mais longe, e reconhecer algo de bom naquela pessoa - é desaprender. Quando você vê a bondade em alguém que você chamava de mau, você desaprendeu. Você desamarrou aquele nó. Você disse uma vez: "Eu odeio aquela pessoa'- isso é aprender. E então você diz: 'Ah não, eu posso gostar dela ou eu posso ter pena dela”. Quando você diz isso, você viu com os dois olhos. Primeiro você aprende a ver com um olho e, depois, você aprende a ver com os dois olhos. Isso torna a visão completa. Tudo o que nós aprendemos neste mundo é conhecimento parcial e quando esse é arrancado por um outro ponto de vista, então temos conhecimento na sua forma completa. Isso é chamado de misticismo. Por que é chamado de misticismo? Porque não se pode colocar em palavras. Palavras irão nos mostrar um lado disso, mas o outro lado está além das palavras.
Toda a manifestação é dualidade, ela nos torna inteligentes, e por trás da dualidade está a unidade. Se não nos elevarmos além da dualidade e formos na direção da unidade, deixaremos de atingir a perfeição que é chamada de espiritualidade. Isso não significa que o nosso aprendizado não é de utilidade. É de grande utilidade. Ele nos dá o poder de discriminação e discernimento das diferenças. Isso torna a inteligência afiada e a visão apurada, para que compreendamos o valor das coisas e sua utilidade. É tudo parte da evolução humana, e é tudo útil. Portanto, temos de aprender primeiro e depois desaprender. Você não olha primeiro para o céu quando você está de pé na terra. Primeiro olha para a terra e vê o que ela lhe oferece para ser aprendido e observado, mas, ao mesmo tempo, não pense que o objetivo da sua vida é preenchido ao analisar apenas a terra. O cumprimento do propósito da vida está em olhar para o céu.
O que é maravilhoso sobre a música é que ela ajuda o homem a concentrar-se ou meditar independentemente do pensamento. Portanto a música parece ser a ponte sobre o abismo entre a forma e a não forma. Se existe alguma coisa inteligente, eficaz e ao mesmo tempo sem forma, é a música. A poesia sugere forma, linha e cor sugerem forma, mas a música não sugere nenhuma forma. A música também produz ressonância que vibra através de todo o ser. Ela eleva o pensamento acima da densidade da matéria, quase transforma a matéria em espírito, na sua condição original, através da harmonia das vibrações tocando cada átomo de todo o ser da pessoa. A beleza da linha e da cor podem ir até ai, não mais longe! A alegria da fragrância pode ir um pouco mais longe. A música toca nosso ser mais íntimo e dessa forma produz nova vida, uma vida que dá exaltação para todo o ser, elevando-o àquela perfeição na qual reside a plenitude da vida do homem.