segunda-feira, 6 de abril de 2009

Bhagavan Ramana Maharshi - Tudo o que existe é apenas uma manifestação do Supremo

Devoto: O ensinamento do Bhagavan é o mesmo do que o do Shankara?
Bhagavan: O ensinamento do Bhagavan é uma expressão da própria experiência e realização dele. Os outros acham que ele coincide com o do Sri Shankaracharya.
Devoto: Quando os Upanishads dizem que tudo é Brahman, como podemos concordar com Shankara que diz que este mundo é ilusório?
Bhagavan: Shankara disse também que este mundo é Brahman ou o Ser (Self). Ele se opunha ao pensamento de que o Ser está limitado pelos nomes e formas que constituem o mundo. Ele apenas disse que o mundo não tem qualquer realidade a parte Brahman. Brahman ou o Ser é como uma tela de cinema e o mundo como as imagens nela. Você pode ver a imagem apenas enquanto exista uma tela. Mas quando o próprio observador torna-se a tela, apenas o Ser permanece. As pessoas têm criticado Shankara por sua filosofia de Maya (ilusão) sem compreenderem seu significado. Ele fez três declarações: que Brahman é real, que o universo é irreal e que Brahman é o Universo. Ele não pára com a segunda. A terceira declaração explica as duas primeiras, o que significa que, quando o Universo é percebido a parte de Brahman, aquela percepção é falsa e ilusória. O que isso significa é que os fenômenos são reais quando experimentados como sendo o Ser e ilusórios quando vistos a parte do Ser. Apenas o Ser existe e é real. O mundo, o indivíduo e Deus são, tal como a aparência ilusória da prata na madrepérola, criações imaginárias no Ser. Elas aparecem e desaparecem simultaneamente. Na verdade, o Ser sozinho é o mundo, o 'eu' e Deus. Tudo o que existe é apenas uma manifestação do Supremo.
Devoto: O que é a realidade?
Bhagavan: A realidade deve ser sempre real. Ela não tem nomes ou formas, mas é ela que constitui a base das formas e nomes. Ela está dando base a todas as limitações, sendo ela própria ilimitada. Não é limitada de forma nenhuma. Ela dá base às irrealidades, sendo ela própria Real. Ela é aquilo que é. Ela é como é. Transcende o discurso e está além de descrição, tal como presença ou a ausência do Ser.
Devoto: Os budistas negam o mundo enquanto que a filosofia hindu reconhece a sua existência, mas chama-o de irreal, não é assim?
Bhagavan: É apenas uma diferença de ponto de vista.
Devoto: Eles dizem que o mundo é criado pela Energia Divina (Shakti). O conhecimento da irrealidade é devido ao véu da ilusão (Maya)?
Bhagavan: Todos admitem a criação pela Energia Divina, mas qual é a natureza dessa energia? Ela deve estar em conformidade com a natureza de sua criação.
Devoto: Existem graus de ilusão?
Bhagavan: A própria Ilusão é ilusória. Ela deve ser vista por alguém fora dela, mas como pode tal observador estar sujeito a ela? Então, como é que ele pode falar sobre os graus dela? Você vê várias cenas passando na tela de um cinema: o fogo parece queimar edifícios até reduzi-los a cinzas; a água parece naufragar navios, mas a tela em que as imagens são projetadas permanece sem ser queimada e seca. Por quê? Porque as imagens são irreais e a tela é real. Do mesmo modo, reflexos passam diante de um espelho, mas esse não é afetado de maneira nenhuma pelo número ou pela qualidade dos reflexos.
Da mesma forma, o mundo é um fenômeno sobre o substrato da Realidade única a qual não é afetada por ele de maneira nenhuma. A Realidade é apenas uma. Falar da ilusão deve-se apenas ao ponto de vista. Mude seu ponto de vista para o do conhecimento e você perceberá o universo como sendo apenas Brahman. Estando agora imerso no mundo, você o vê como um mundo real; vá além dele e ele irá desaparecer e apenas a Realidade permanecerá. O mundo é percebido como uma aparente realidade objetiva quando a mente está externalizada, abandonando assim a sua identidade com o Ser. Quando o mundo é assim percebido a verdadeira natureza do Ser não é revelada; de maneira inversa, quando o Ser é realizado, o mundo deixa de aparecer como uma realidade objetiva.
É a ilusão que faz a pessoa tomar por inexistente e irreal, aquilo que está sempre presente e que penetra tudo, que é cheio de perfeição e autoluminoso e que é, de fato, o Ser e o núcleo do próprio Ser da pessoa. Inversamente, é a ilusão que faz a pessoa considerar como real e autoexistente o que é inexistente e irreal, ou seja, a trilogia - o mundo, o ego e Deus. Para aqueles que não realizaram o Ser, bem como para aqueles que realizaram, o mundo é real. Mas, para os primeiros, a verdade é adaptada à forma do mundo, enquanto que para os últimos a Verdade brilha como a Perfeição sem forma e como o substrato do mundo. Esta é a única diferença entre eles.
Devoto: Bhagavan diz que o irreal (mithya, imaginário) e o real (Satyam) significam a mesma coisa, mas eu não entendo muito bem.
Bhagavan: Sim, eu digo isso às vezes. O que você quer dizer por real? O que você chama de real?
Devoto: Segundo o Vedanta, somente aquilo que é permanente e imutável pode ser chamado real. Esse é o significado de realidade.
Bhagavan: Os nomes e formas que constituem o mundo mudam e perecem continuamente e são, portanto, chamados de irreais. É irreal (imaginário) limitar o Ser a esses nomes e formas, e é real considerar a tudo como sendo o Ser. O não-dualista diz que o mundo é irreal, mas também diz, "Tudo isto é Brahman". Então é claro que o que ele condena é, considerar o mundo como objetivamente real por si só, sem considerá-lo como Brahman. Aquele que vê o Ser vê também no mundo apenas o Ser. É irrelevante para o Iluminado se o mundo aparece ou não. Em ambos os casos, a sua atenção está voltada para o Ser. É como as letras e o papel no qual elas são impressas. Você está tão absorto nas letras que você esquece a respeito do papel, mas o Iluminado vê o papel como o substrato estejam as letras aparecendo nele ou não. O Vedantinos não dizem que o mundo é irreal. Isso é um equívoco. Se eles dissessem, qual seria o significado do texto Vedântico: "Tudo isto é Brahman?” Eles só querem dizer que o mundo é irreal como mundo, mas real como o Ser. Se você considerar o mundo como não sendo o Ser, ele não é real. Tudo, você chamando-o de ilusão (Maya) ou de Jogo Divino (Leela) ou Energia (Shakti) deve estar dentro do Ser e não a parte dele.
Devoto: O Vedas contém considerações conflitantes sobre cosmogonia. O éter é dito ser a primeira criação em um lugar, a energia vital num outro, a água em outro, outra coisa em outra parte dos textos; como pode tudo isso ser reconciliado? Isso não prejudica a credibilidade dos Vedas?
Bhagavan: Diferentes visionários viram diferentes aspectos da verdade em momentos diferentes, cada um destacando algum ponto de vista. Por que você se preocupa com as declarações conflitantes deles? O objetivo essencial dos Vedas é nos ensinar a natureza do Ser imperecível e nos mostrar que somos Aquilo.
Devoto: A esse respeito estou satisfeito.
Bhagavan: Então trate todo o resto como argumentos auxiliares ou como exposições para o ignorante que queira saber a origem das coisas.
Esses trechos lidam com teorias da criação. Elas não são essenciais, pois o verdadeiro objetivo das escrituras não é estabelecer tais teorias. Elas mencionam as teorias casualmente, para que os leitores que desejarem possam ter interesse nelas. A verdade é que o mundo aparece como uma sombra passageira numa enchente de luz. A luz é necessária mesmo para ver a sombra. A sombra não é valiosa o suficiente para ser digna de qualquer estudo especial, de análises ou discussões. O objetivo do livro é lidar com o Ser e o que é dito sobre a criação deve ser omitido no presente momento. O Vedanta diz que o cosmos brota à vista simultaneamente com aquele que o vê, e não há processo detalhado de criação. É semelhante a um sonho, onde aquele que experimenta o sonho surge simultaneamente com o sonho que ele experimenta. No entanto, algumas pessoas apóiam-se tanto no conhecimento objetivo, que elas não estão satisfeitas quando lhes dizem isso. Elas querem saber como de súbito a criação pode ser possível e argumentam que um efeito deve ser precedido por uma causa. Na verdade, eles desejam uma explicação do mundo que vêem acerca de si. Por isso as escrituras tentam satisfazer sua curiosidade através de tais teorias. Este método de lidar com o assunto é chamado de teoria da criação gradual, mas o verdadeiro buscador espiritual pode ficar satisfeito com a criação instantânea.