quarta-feira, 25 de março de 2009

Philokalia - Monge Calisto de Constantinópla (séc. XIV)


Quereis saber a verdade? Tomai como exemplo o tocador de cítara. Ele inclina ligeiramente a cabeça de lado escutando o canto com atenção, ao mesmo tempo que maneja o arco e que as cordas respondem harmoniosamente. A cítara emite sua música e o citarista é arrebatado pela suavidade da melodia.

Laborioso operário da vinha, que meu exemplo vos decida e que não hesiteis. Sêde no fundo do coração vigilante (“sóbrio”) como o citarista; e possuireis sem dificuldade o que procurais. Pois a alma, tomada até o fundo de si mesma pelo amor divino, não pode mais voltar para trás. Pois, como diz o profeta Davi: “Minha vida está unida a Ti" (Sl. 63-9)

Meu bem-amado, por cítara entendei o coração. As cordas são os sentidos, o citarista é o intelecto que através da razão, movimenta incessantemente o arco; isto é, a lembrança de Deus, que faz nascer na alma uma indescritível felicidade e faz cintilar, no intelecto purificado, os raios divinos.


Enquanto não intimidarmos os sentidos do corpo, a água que jorra, e que o Senhor concedeu generosamente à Samaritana, não brotará em nós. Ela procurava a água material e encontrou a água da vida, que brotou dentro dela.

Pois, assim como naturalmente a terra contém água e ao mesmo tempo a derrama, também a terra do coração contém essa água que jorra e que brota: isto é, a luz original a qual a desobediência fez Adão perecer.

Essa água viva que jorra, surge da alma como de uma fonte perpétua. Era ela que habitava a alma de Inácio, o teóforo, e o fazia dizer: “O que tenho em mim, não é o fogo ávido da matéria, é a água que opera e que fala”.

A abençoada, ou melhor, a três vezes abençoada sobriedade da alma, assemelha-se à água que jorra e que brota das profundezas do coração, a água que jorra da fonte e enche totalmente o homem interior com o orvalho divino e com o espírito, enquanto queima o homem exterior.

O intelecto que purificou-se de tudo o que é exterior e que subjugou inteiramente os sentidos através da virtude ativa, permanece imóvel como o eixo celeste. Mantém o olhar em seu centro, nas profundezas do coração. Da cabeça, onde ele domina, olha fixamente o coração e projeta como relâmpagos os raios de seu pensamento; vai buscar ali as contemplações divinas e subjuga todos os sentidos do corpo.

No combate interior, o Espírito Santo produz um impulso que torna plácido o coração e grita dentro dele: Pai. Esse impulso não tem forma nem rosto, ele nos transfigura pelo esplendor da luz divina, amolda-nos ao fogo do espirito, mas também nos modifica e nos transforma como só Deus pode fazer através do poder divino.

É fácil turvar o intelecto purificado pela sobriedade se não nos desprendermos inteiramente do mundo exterior por meio da lembrança constante de Jesus.