segunda-feira, 16 de março de 2009

Nisargadatta Maharaj - O sentido de 'eu sou'

Pergunta: É uma questão de experiência diária que ao acordar, o mundo de repente aparece. De onde ele vem?

Maharaj: Antes que qualquer coisa possa vir a existir, tem de haver alguém para quem isso apareça. Todo aparecimento e desaparecimento pressupõe uma mudança contrastada sobre um pano de fundo imutável.

Pergunta: Antes de despertar eu estava inconsciente.

Maharaj: Em que sentido? Ao ter esquecido ou por não ter experimentado? Você não experimenta mesmo quando inconsciente? Você pode existir sem saber? Um lapso de memória é uma prova de não-existência? E você pode validamente falar sobre sua própria não-existência como uma experiência de fato? Você não pode sequer dizer que a sua mente não existia. Você não despertou ao ser chamado? E ao acordar, não foi o sentimento "eu sou", que veio primeiro? Alguma semente de consciência deve estar existindo mesmo durante o sono ou durante um desmaio. Ao despertar a experiência segue: 'Eu sou, um corpo e um mundo'. Podem parecer surgir em sucessão, mas, na verdade, tudo é simultâneo, uma única idéia de ter um corpo em um mundo. Pode haver a sensação de 'eu sou' sem que seja alguém ou uma pessoa?

Pergunta: Sou sempre alguém com suas memórias e hábitos. Não conheço nenhum outro 'eu sou'.

Maharaj: Talvez algo o impeça de conhecer? Quando você não sabe algo que os outros sabem o que você faz?

Pergunta: Eu procuro a fonte de seus conhecimentos, sob a instrução deles.

Maharaj: Não é importante para você saber se você é um mero corpo, ou alguma coisa além? Ou, talvez totalmente nada? Não vê que todos os seus problemas são os problemas do seu corpo - alimentação, vestimenta, abrigo, família, amigos, nome, fama, segurança, sobrevivência? Tudo isso perde o seu significado no momento em que você percebe que você pode não ser um mero corpo.

Pergunta: Que benefícios há em saber que não sou o corpo?

Maharaj: Mesmo dizer que você não é o corpo não é bem verdade. Num certo sentido você é todos os corpos, corações e mentes e muito mais. Vá fundo no sentimento de 'Eu Sou' e você irá encontrar. Como você encontra uma coisa que você tenha perdido ou esquecido? Você fica com ela em sua mente até que você recorda. O sentimento de ser, de 'Eu Sou' é o primeiro a surgir. Pergunte a si mesmo de onde ele vem ou apenas assista-o quietamente. Quando a mente permanece no 'eu sou', sem se mover, você entra num estado que não pode ser verbalizado, mas pode ser experimentado. Tudo que você precisa fazer é tentar e tentar novamente. Afinal o sentido 'eu sou' está sempre com você, apenas você agregou todo tipo de coisas à ele - corpo, sentimentos, pensamentos, idéias, posses, etc. Todas essas auto-identificações são enganosas. Por causa delas você considera ser aquilo que não é.

Pergunta: Então o que sou eu?

Maharaj: É suficiente saber o que você não é. Você não precisa saber o que você é. Pois, enquanto conhecimento significar descrição, em termos daquilo que já é conhecido, que é perceptivo ou conceitual, não pode haver tal coisa como o auto-conhecimento, pois o que você é não pode ser descrito, exceto como total negação. Tudo o que posso dizer é: 'Eu não sou isso, eu não sou aquilo'. Você não pode significativamente dizer "isto é o que eu sou". Simplesmente não faz sentido. O que você pode apontar como 'isso' ou 'aquilo' não pode ser você mesmo. Certamente, você não pode ser "algo" mais. Você não é nada perceptível ou imaginável. No entanto, sem você não pode haver nem percepção nem imaginação. Você observa o coração sentindo, a mente pensando, o corpo agindo; o próprio ato de percepcionar mostra que você não é o que você percebe. Pode haver percepção, experiência, sem você? Uma experiência deve "pertencer". Alguém deve vir e declará-la como sua própria. Sem um experimentador a experiência não é real. É o experimentador que transmite realidade à experiência. Uma experiência que você não possa ter, qual é o valor dela para você?

Pergunta: O senso de ser um experimentador, o sentimento de 'eu sou', não é também uma experiência?

Maharaj: Obviamente, tudo experimentado é uma experiência. E em toda experiência surge o experimentador dela. A memória cria a ilusão de continuidade. Na realidade, cada experiência tem seu próprio experimentador e o sentido de identidade deve-se ao fator comum na raiz de toda relação experiência-experimentador. Identidade e continuidade não são o mesmo. Assim como cada flor tem sua própria cor, mas todas as cores são causadas pela mesma luz, também assim muitas experiências aparecem na consciência (awareness) indivisível e não fracionada, cada uma separada na memória e idêntica em essência. Esta essência é a raiz, a fundação, a possibilidade sem tempo e sem espaço de toda experiência.

Pergunta: Como faço para chegar a isso?

Maharaj: Você não precisa chegar nisso, pois você é isso. Isso irá chegar à você, se você der-lhe uma chance. Abandone o seu apego ao irreal e o real irá rápida e suavemente se estabelecer. Pare de imaginar ser ou fazer isso ou aquilo e a realização de que você é a fonte e o coração de tudo irá emergir sobre você. Com isso virá grande amor que não é escolha ou predileção, nem apego, mas sim um poder que torna todas as coisas dignas de amor e amáveis.

Meher Baba - Deus está em nós e nós estamos em Deus

Tudo, desde o menos significativo até o mais importante, está aqui dentro de nós. Os planos espirituais com seu indescritível esplendor divino e o plano grosseiro de espaço imensurável, juntamente com seus inumeráveis universos grosseiros, estão todos dentro de nós. Isso porque Deus está em nós e nós estamos em Deus. Deus é indivisivelmente, intransigentemente, infinitamente e eternamente Um em Sua unicidade impecável.

As aparentes intermináveis diferenças nas experiências das coisas e dos seres animados e inanimados são devidas aos variados graus de consciência nos diferentes planos e à capacidade e incapacidade de aplicar essa consciência adequadamente. Alcançar a plena consciência humana, é uma grande conquista espiritual. Maior ainda é ser capaz de reconhecer a ilusão e enfrentar todas as coisas ilusórias. A maior conquista do homem é tornar-se consciente de Deus, o que na verdade é, tornar-se consciente de si mesmo ou Consciente da alma.

Por exemplo, vamos supor que as diferenças entre um homem espiritualmente iluminado e um homem não iluminado seja como a diferença entre um homem que tem normais as faculdades sensoriais de visão, audição, olfato e paladar, e um outro homem que nasceu cego e surdo, e sem sequer as faculdades de olfato e paladar. Agora, se acontecer dos dois homens estarem presentes ao mesmo tempo em um jardim cheio de cores, pássaros cantando, córregos e nascentes, onde deliciosos frutos e flores perfumadas estão igualmente disponíveis para ambos os homens, necessariamente haverá um mundo de diferença entre o âmbito, a natureza e a capacidade de sua consciência, conhecimento e experiência. Para o homem iluminado, o mundo seria experimentado como cheio de música, cheio de luz e cheio de beleza. Para o homem não iluminado ou cego e surdo, o mesmo mundo seria apenas um negro nada monótono. Se alongarmos mais o exemplo acima e imaginarmos que um milagre aconteça, através do qual o homem não iluminado comece a ganhar uma após a outra as faculdades de olfato, audição, visão e paladar, podemos ter alguma idéia de como a consciência do homem começa a ser transportada através dos diferentes planos [sutil e mental] do caminho para a Consciência de Deus. O homem então começa a perceber que todas as diferenças devem-se simplesmente a uma diferença em seu próprio estado de consciência, que experimenta as verdades interiores mais e mais conforme a consciência é libertada das ilusões externas.

A força que mantém um homem espiritualmente cego, surdo, mudo, etc, é a sua própria ignorância, que é regida pelo princípio cósmico da ignorância geralmente conhecido como Maya. Entender Maya é entender metade do universo. Todos os falsos valores e falsas crenças são devidos ao controle de Maya. O intelecto, em particular é um joguete nas mãos de Maya, pois o intelecto não é capaz daquela consciência que sabe que Deus é a Verdade. A Verdade só pode ser conhecida após a pessoa transcender a ilusão cósmica que aparece como real devido a Maya. O princípio da ignorância, ou seja, Maya, só pode ser transcendido quando o aspirante espiritual é capaz de perceber que Maya é a sombra de Deus e, como tal, não é nada. O enigma de Maya resolve-se somente após a auto-realização (realização do Ser).

Todos os grandes filósofos que não estão vinculados pelos seus preconceitos materialistas, tiveram lampejos da realidade e reconheceram o princípio da ignorância como sendo responsável por fazer todas as coisas ilusórias e transitórias parecerem duradouras e verdadeiras. Os cientistas, naturalmente, têm dificuldade em aceitar conclusões místicas relativas ao mundo e ao cosmos transitórios, pois as percepções metafísicas não podem ser alcançadas através de métodos aceitáveis às regras experimentais da ciência. A principal dificuldade em entender esse conceito na sua totalidade, é que isso implicaria um pleno conhecimento do esquema cósmico. Não é possível, nem mesmo para um mestre explicar aquilo que está além dos limites da mente humana! Um mestre pode somente fazer a pessoa realizá-lo por meio de sua graça e ao conceder-lhe a iluminação.