sábado, 28 de fevereiro de 2009

G. I. Gurdjieff - "Homem"

Um homem vem ao mundo como uma folha de papel em branco, e, imediatamente, todos em torno dele começam a competir uns com os outros para sujá-la e enchê-la com educação, moralidade, informação, que chamamos 'conhecimento' e com todos os tipos de idéias sobre deveres, honra, consciência e assim por diante. E cada um afirma imutabilidade e infalibilidade quanto aos métodos que utilizam para enxertar esses ramos no tronco principal, chamado 'personalidade' do homem. A folha de papel progressivamente torna-se suja e quanto mais suja se torna, isto é, quanto mais um homem é recheado com informações efêmeras e noções de dever, honra e assim por diante, que são empurradas para dentro dele ou sugeridas a ele pelos outros, mais "inteligente" e valoroso ele é considerado por aqueles à sua volta.
E, vendo que as pessoas olham sua sujeira como mérito, ele inevitavelmente passa a olhar a folha suja de papel sob a mesma luz. E então você tem um modelo daquilo a que chamamos de um 'homem', a quem tais palavras como "talentoso" e "gênio" são frequentemente aplicadas. E o temperamento do nosso 'gênio' quando ele acorda de manhã é estragado por todo o dia se ele não encontrar os seus chinelos ao lado da cama.
O homem comum não é livre em sua vida, em suas manifestações ou em seu humor. Ele não pode ser o que gostaria de ser e aquilo que considera ser; ele não é aquele “Homem", que soa poderoso! O próprio nome 'homem' significa - o "apogeu da criação", mas como é que esse título se aplica ao homem contemporâneo?

E ainda, o homem deveria realmente ser o apogeu da criação, uma vez que ele é formado e tem em si mesmo todas as possibilidades de aquisição de dados exatamente semelhantes àqueles do Concretizador de tudo o que existe no Universo. Para ter o direito ao nome de homem, devemos ser um. E para ser um homem, deve-se primeiro de tudo, com uma incansável persistência e um insaciável impulso de desejo proveniente de todas as distintas partes independentes que constituem sua inteira presença comum, ou seja, com um desejo vindo simultaneamente do pensamento, do sentimento e do instinto orgânico, trabalhar baseado num conhecimento de si mesmo total e abrangente, ao mesmo tempo lutando incessantemente contra suas fraquezas subjetivas, e em seguida - apoiando-se sobre os resultados obtidos pela consciência apenas no que diz respeito aos defeitos na sua subjetividade estabelecida, bem como os meios para a possibilidade de combatê-los - lutar pela sua erradicação sem misericórdia para com si próprio.
Falando francamente, o homem contemporâneo como podemos conhecê-lo, se formos capazes de imparcialidade, não é nada mais do que um mecanismo de relógio, apesar de ser uma construção muito complexa.
Um homem deve, sem falta, pensar profundamente sobre cada aspecto de sua mecanicidade e compreendê-la minuciosamente, a fim de apreciar plenamente o significado dessa mecanicidade e todas as consequências e resultados que ela implica, assim como sua própria vida e justificação do sentido e objetivo de seu surgimento e de sua existência.