sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

Jalaluddin Rumi (séc. XIII) - FIHI MA FIHI (discursos do Rumi)

Alguém perguntou: "O que é superior à oração?" Rumi disse: Uma resposta é que a alma da oração é superior à oração, como já expliquei. Uma segunda resposta é que a fé é maior. A oração consiste em uma série de ações diárias, enquanto que a fé é contínua. A oração pode ser abandonada por uma razão válida ou pode ser adiada, mas é impossível abandonar ou adiar a fé por qualquer desculpa. E enquanto a oração sem fé não ganha nada, como no caso dos hipócritas, a fé sem oração é valiosa. Outro ponto: enquanto a oração de cada religião é bem diferente uma da outra, ainda assim, a fé não muda de religião para religião. Os estados que ela produz, o seu lugar na vida e seus efeitos, são os mesmos em toda a parte. Há outras vantagens da fé, mas sua descoberta depende da consciência interior do ouvinte. Cada ouvinte é como farinha nas mãos de um padeiro. As palavras são como água derramada sobre a farinha de acordo com a umidade necessária. Mas a menos que a água seja absorvida, não se pode fazer a massa.

Um poeta disse:
"Meu olho está fixo em outra pessoa, o que devo fazer?
Olhe para si mesmo, pois aquela luz do olho é você.”

"Meu olho está fixo em outra pessoa." Isso significa que você está procurando algo fora de si mesmo, como a secura da farinha que anseia por água das mãos do padeiro. "O que devo fazer?" Saiba que você procura apenas a si próprio, aquele seu anseio é por você. A luz que você procura é a sua própria luz refletida, mas você não vai escapar desta cegueira dos reflexos das luzes externas até que sua própria luz interior torne-se cem mil vezes maior.

Era uma vez um homem muito magro, frágil como um pardal, e muito feio. Era tão feio que até mesmo as outras pessoas feias olhavam para ele com contentamento e davam graças a Deus, embora antes costumassem se queixar da sua própria feiúra. No entanto, por tudo isso, ele era muito grosseiro em sua maneira de falar e esbravejava enormemente. Ele estava no tribunal do rei, e seu comportamento magoava o Vizir, mas o Vizir engolia aquilo. Então um dia o Vizir perdeu seu temperamento. "Pessoas da corte", ele gritou. "Eu tirei esta criatura da sarjeta e o nutri. Ao comer o meu pão e sentar à minha mesa, ao gozar a caridade e a riqueza provenientes de mim e de meus antepassados, ele se tornou alguém. Agora ele chegou ao ponto de dizer tais coisas para mim! "
"Pessoas da corte," clamou o homem, voltando-se face ao Vizir, “nobres e pilares do Estado! O que ele diz é bem verdade. Fui alimentado pela riqueza e caridade dele e dos seus ancestrais até que eu cresci, desprezível e bruto como vocês me vêem. Se eu tivesse sido alimentado do pão e da riqueza de outra pessoa, certamente minha aparência, minha educação e meu valor teriam sido melhores do que isto. Ele me pegou da sarjeta, mas tudo o que posso dizer é: Oh, desejaria que eu fosse poeira. Se outra pessoa tivesse me tirado da sarjeta, eu não teria virado essa chacota."

O discípulo que é alimentado à mesa de um amante de Deus, tem um espírito limpo e verdadeiro. Mas aqueles que são alimentados pelas mãos de um impostor e um fanfarrão, aprendendo a ciência a partir deles, tornam-se assim como seu professor, desprezíveis e frágeis, fracos e incapazes de conformarem suas mentes a qualquer coisa.
Dentro de nosso ser todas as ciências eram originalmente unidas como uma, de forma que nosso espírito exibia todas as coisas escondidas, como a água clara que mostra tudo dentro dela - seixos, cacos e coisas desse tipo - e reflete o céu em sua superfície como um espelho. Essa é a verdadeira natureza da alma, sem tratamento ou treinamento. Mas uma vez que a alma tenha se misturado com a terra e seus elementos terrenos, essa clareza a deixa e ela é esquecida. Então, Deus envia os profetas e santos, como um grande oceano translúcido que aceita todas as águas e, no entanto, não importa o quão escuros ou sujos sejam os rios que desaguam nele, aquele oceano permanece sempre puro. Então a alma lembra. Quando vê o seu reflexo na água que é sem mácula, ela sabe com certeza que no início ela também era pura e essas sombras e cores são meros acidentes.
Os profetas e os santos, portanto, lembram-nos do nosso estado original, eles não implantam nada de novo. Agora, toda água, não importa o quão escura, que reconhece aquela grande água, dizendo: "Eu venho disto e pertenço à isto," é realmente uma parte desse oceano. Mas os elementos escuros que não reconhecem aquele oceano e acreditam que são parentes de outro tipo, fazem suas casas com as cores e as sombras da Terra. Foi por essa razão que o Profeta disse: "Agora, vem a vocês um mensageiro do vosso meio." Em outras palavras, o grande oceano é daquela mesma substância que a sua própria água, é tudo vindo de um Ser e uma fonte. Mas para aqueles elementos que não sentem a atração de familiaridade, esse fracasso não provém da água em si, mas da poluição na água. Essa poluição está misturada tão intimamente que a água não sabe se esse afastamento do oceano vem de si mesmo ou da essência daquela poluição. E assim, os homens maus não sabem se sua atração pelo mal vem da sua própria natureza ou de algum elemento escuro misturado.

Cada linha de poesia que os santos e profetas trazem, cada tradição, cada verso que escrevem, é como uma testemunha que presta testemunho. Eles prestam testemunho a cada situação, de acordo com sua natureza. Da mesma forma, temos duas testemunhas na herança de uma casa, duas testemunhas na venda de uma loja e duas testemunhas em um casamento. Assim também, os santos testemunham. A forma interior de seu testemunho é sempre a mesma, é a forma exterior que difere. Rezo para que Deus possa fazer com que estas palavras prestem testemunho a Ele e a você do mesmo modo.

Bernard de Clairvaux (São Bernardo-séc.XII) - As obras feitas nesta vida são como as sementes de recompensa eterna


Embora o mundo pareça agora dar para aqueles que o amam coisas grandes e honrosas, todos sabem que ele é infiel. Certamente estas coisas não duram e é incerto até quando irão durar. Muitas vezes elas são perdidas pelo homem enquanto ele ainda está vivo. E é certo que irá perdê-las quando ele morrer. E o que na vida humana é mais certo do que a morte e mais incerto do que a hora da morte? A morte não é misericordiosa com a pobreza. Ela não é respeitadora de riquezas. Ela não poupa ninguém por causa de seu nascimento nobre, de seu comportamento, até mesmo de sua idade; ela aguarda na porta pelos velhos e arma emboscadas para os jovens. Infeliz é aquele que, no escuro e nos lugares escorregadios de sua vida, dá suas energias para o trabalho que não pode durar e não reconhece que é vapor que aparece por um instante e vaidade das vaidades.
Homem ambicioso, você obteve alguma dignidade, essa que há muito deseja? Segure-se ao que você tem. Senhor, você já encheu seus cofres? Tem cuidado para não perder tudo. Suas terras têm sido frutíferas? Derrube os celeiros e construa maiores. Torne quadrados os edifícios redondos. Diga a sua alma: "Deves ter bens guardados para muitos anos". Haverá alguém para dizer: "Tolo, esta noite sua alma será exigida de si. A quem vai pertencer tudo o que você tem armazenado?"(Lucas 12:18) E será que somente essa coleção de coisas perecerá e não o seu colecionador também!? Ele irá perecer mais terrivelmente ainda.
Será melhor suar por um trabalho que não se esvairá, que não tennha um resultado fatal. Mas aqui o salário do pecado é a morte, e quem semeia na carne colherá corrupção da carne. Pois nossos atos não passam como parecem passar. Pelo contrário, cada ato realizado nesta vida é a semente da colheita a ser feita na eternidade. Você, tolo, ficará espantado quando ver o enorme rendimento das sementes de sentimento que semeou, boas ou más, de acordo com a qualidade da semente. Aquele que tem isso em mente, nunca pensa que o pecado é uma ninharia, porque ele vai olhar para a colheita futura em vez de olhar o que semeia. Homens semeiam inconscientemente, eles semeiam, escondendo os mistérios da iniquidade e disfarçando as notas da vaidade; o negócio das trevas é feito no escuro.