quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Philokalia - Nikitas Stithatos- Sobre a natureza interior das coisas

O amor por Deus começa com o desapego das coisas humanas e visíveis. A purificação do coração e do intelecto marca o estágio intermediário, pois através de tal purificação o olho do intelecto é espiritualmente desvelado e nós atingimos o conhecimento do reino do céus oculto dentro nós (Luc. 17-21). O estágio final é consumado num anseio irreprimível pelos dons supranaturais de Deus e num desejo natural pela união com Deus e por encontrar nossa morada Nele.
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'Devotai-vos à quietude e sabei que Eu sou Deus' (Sal. 46:10). Essa é a voz do Logos divino e é experimentada como tal por aqueles que colocam as palavras em prática. Portanto, uma vez que você tenha renunciado a agitação e a vaidade assustadora da vida você deveria, em quietude, examinar minuciosamente você mesmo e a realidade interna das coisas com a máxima atenção e deveria buscar conhecer mais plenamente o Deus dentro de você, pois o reino Dele está dentro de nós (Luc. 17:21). Ainda assim, mesmo se você fizer isso por um longo período de tempo será difícil para você apagar a marca do mal de sua alma e restaurá-la totalmente a Seu Criador em toda sua beleza primordial.

“Conhece-te a ti mesmo”: essa é a verdadeira humildade, a humildade que nos ensina a sermos internamente humildes e que torna nosso coração contrito. Tal humildade você deve cultivar e guardar. Pois se você ainda não conhece a si mesmo você não pode saber o que é humildade e ainda não embarcou verdadeiramente na tarefa de cultivar e guardar. Conhecer a si mesmo é o objetivo da prática das virtudes.

Se tendo atingido o estado de pureza você avançar para o conhecimento das essências dos seres criados, você terá cumprido a injunção: “Conhece-te a ti mesmo”. Se por outro lado você ainda não tiver atingido um conhecimento das essências da criação e das coisas divinas e humanas, você poderá conhecer o que está fora de você e ao seu redor mas ainda assim será totalmente ignorante do seu próprio ser.

O que eu sou não é de maneira nenhuma o mesmo que aquilo que me caracteriza; nem o que me caracteriza é o mesmo que aquilo que se relaciona com minha situação; nem o que se relaciona com a minha situação é o mesmo que aquilo que é externo a mim. Em cada caso um é diferente do outro. O que eu sou é uma imagem de Deus manifesta numa alma espiritual, imortal e inteligente, que possui um intelecto que é o pai da minha consciência e que é consubstancial com a alma e inseparável dela. O que me caracteriza é magnificente e soberano, é o poder da inteligência e do livre arbítrio. O que se relaciona com minha situação é o que eu posso escolher ao exercitar meu livre arbítrio, como por exemplo, se o que vou ser é um fazendeiro, um mercador, um matemático ou um filósofo. O que é externo a mim é o que quer que se relacione com minhas ambições nesta vida presente, ao meu status de classe e riqueza mundana, à glória, honra, prosperidade ou seus opostos: pobreza, infâmia, desonra e infortúnio.

Quando você conhece a si mesmo você cessa de todas as atividades externas empreendidas com o objetivo de servir a Deus e entra no próprio santuário de Deus, na liturgia noética do Espírito, o céu divino da ausência de paixões e da humildade. Mas até que você venha a conhecer a si mesmo através da humildade e do conhecimento espiritual, sua vida é uma vida de trabalho duro e suor. Foi disso que Davi falou criticamente quando disse: 'A labuta está diante de mim até que eu entre no santuário de Deus' (Sal. 73:16-17)

Conhecer a si mesmo significa que você deve guardar a si mesmo diligentemente de tudo o que é externo a você, significa parar as preocupações mundanas e examinar detalhadamente a consciência. Uma vez que você venha a se conhecer, um tipo de humildade divina supra-racional repentinamente descenderá sobre a alma, trazendo contrição e lágrimas de fervente remorso para o coração.

Abençoado é o homem que, transformado pela prática das virtudes, transcende as muralhas do estado enredado pelas paixões que o cerca e se eleva nas asas do desapego - asas prateadas pelo conhecimento divino (Sal. 68:13) – para a esfera espiritual na qual ele contempla as essências das coisas criadas e de lá entra na escuridão divina da teologia onde na vida da beatitude, ele cessa todos os trabalhos externos e repousa em Deus. Pois ele tornou-se um anjo terrestre e um homem celestial, ele glorificou a Deus em si mesmo e Deus irá glorificá-lo (João 13:31-32).

Um intelecto totalmente clarificado das impurezas é como um céu cheio de estrelas que ilumina a alma com lúcidas intelecções, e o sol da retidão brilha dentro dela, iluminando o mundo com conhecimento divino. Purificada dessa maneira, a consciência traz à tona, das profundezas da sabedoria, os princípios criativos das coisas e revelações transparentes do que está oculto e em seu estado perfeito ela os apresenta diante do intelecto, de modo que ele saiba a profundidade, altura e largura do conhecimento de Deus.

Desde que o intelecto interiorizou esses princípios e revelações e tornou-os parte de sua própria natureza, ele irá então elucidar as profundezas do Espírito a todos que possuam o Espírito de Deus dentro de si, expondo a astúcia dos demônios e os mistérios do Reino dos Céus.

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