sexta-feira, 22 de maio de 2009

Meher Baba - A Formação e a Função dos Sanskaras

Existem dois aspectos da experiência humana - o subjetivo e o objetivo. De um lado existem processos mentais que constituem os ingredientes essenciais da experiência humana, e do outro existem as coisas e os objetos aos quais eles se referem. Os processos mentais são parcialmente dependentes da situação objetiva dada, e parcialmente dependentes do funcionamento dos Sanskaras acumulados, ou impressões de experiências passadas. A mente humana encontra-se então, entre um mar de Sanskaras passados de um lado, e de outro lado, todo o extensivo mundo objetivo. As ações humanas estão baseadas nas operações das impressões armazenadas na mente através de experiências passadas. Cada pensamento, emoção e ato estão retidos em grupos de impressões que, quando considerados objetivamente, são vistos como sendo modificações da mente. Essas impressões são depósitos de experiências passadas e tornam-se os fatores mais importantes em determinar o curso das experiências presentes e futuras. A mente está constantemente criando e agrupando tais impressões no curso de suas experiências.

Quando ocupada com os objetos físicos deste mundo (tais como o corpo, a natureza e outras coisas), a mente é, assim por dizer, exteriorizada e cria impressões grosseiras. Quando ela está ocupada com seus próprios processos mentais subjetivos, que são as expressões dos Sanskaras já existentes, cria impressões sutis e mentais. A questão: se os Sanskaras vêm primeiro ou as experiências vêm primeiro é como a questão do ovo ou a galinha vir primeiro. Ambos são condições um do outro e se desenvolvem lado a lado. O problema de entender o significado da experiência humana, portanto, gira em torno do problema de entender a formação e a função dos Sanskaras.

Os Sanskaras são de dois tipos - naturais e não-naturais, de acordo com a maneira na qual eles vêm à existência. Os Sanskaras que a alma reúne durante o período da evolução orgânica, são naturais. Esses Sanskaras vêm à existência enquanto a alma sucessivamente adquire e abandona as várias formas sub-humanas, passando assim, gradualmente, dos estados aparentemente inanimados (tais como pedra e metal) ao estado humano, onde há o desenvolvimento completo da consciência. Todos os Sanskaras que se incrustam ao redor da alma antes dela atingir a forma humana são o produto da evolução natural e são referidos como Sanskaras naturais. Eles devem ser cuidadosamente distinguidos dos Sanskaras cultivados pela alma depois de atingir a forma humana.

Os Sanskaras que são anexados à alma durante o estágio humano são cultivados sob a liberdade moral da consciência com a responsabilidade que a acompanha de escolher entre o bem e o mal, a virtude e o vício. Eles são referidos como Sanskaras não-naturais. Embora esses Sanskaras pós-humanos sejam diretamente dependentes dos naturais, eles são criados sob condições fundamentalmente diferentes da vida e são, na sua origem, comparativamente mais recentes que os Sanskaras naturais.

Essa diferença na duração dos períodos formadores e nas condições da formação é responsável pela diferença no grau de firmeza do apego dos Sanskaras naturais e não-naturais à alma. Os Sanskaras não-naturais não são tão difíceis de erradicar quanto os naturais, que têm uma antiga herança e estão, portanto, mais firmemente arraigados. A obliteração dos Sanskaras naturais é praticamente impossível a não ser que o aspirante seja o recipiente da graça e da intervenção de um Sadguru, ou Mestre Perfeito.

Os Sanskaras não-naturais são dependentes dos naturais, e os Sanskaras naturais são um resultado da evolução. A próxima questão importante é: Por que a vida manifestada em diferentes estágios da evolução emerge da Realidade absoluta, que é infinita? A necessidade pela vida manifestada surge do ímpeto do Absoluto de tornar-se consciente de si mesmo. A manifestação progressiva da vida através da evolução é finalmente trazida pela vontade-de-ser-consciente, que é inerente ao Infinito.

Para entender a criação em termos de pensamento, é necessário colocar essa vontade-de-ser-consciente no Absoluto num estado latente precedente ao ato da manifestação. Embora para o propósito de uma explanação intelectual da criação, o ímpeto no Absoluto tenha que ser tomado como uma vontade-de-ser-consciente, pois descrevê-lo como um tipo de desejo inerente é falsificar sua verdadeira natureza. É melhor descrito como um lahar, ou um impulso, que é tão inexplicável, espontâneo e imediato que chamá-lo de isto ou aquilo é desfazer a sua realidade. Como todas as categorias intelectuais necessariamente mostram-se inadequadas para captar o mistério da criação, a abordagem mais próxima do entendimento da sua natureza não é através de conceitos intelectuais, mas sim através de analogias.

Assim como uma onda seguindo através da superfície de um calmo oceano produz uma agitação turbulenta de inumeráveis bolhas, o lahar cria miríades de almas individuais (Atmas) da infinita indivisibilidade da Sobre-Alma (Paramatma). Mas o todo abundante Absoluto permanece sendo o substrato de todas as almas individuais. As almas individuais são as criações de um repentino e espontâneo impulso, e assim, não têm quase nenhuma antecipação de sua continuidade da existência destinada através do período cíclico até a cessação final da agitação inicial. Dentro do indiferenciado ser do Absoluto nasce o ponto misterioso (o ponto Om) através do qual surge a multiplicidade variada da criação. E a profunda imensidão, que uma fração de um segundo antes era uma congelada imobilidade, é posta em movimento com a vida dos inumeráveis seres frívolos que asseguram sua separação em tamanho e forma definidos, através da auto-limitação dentro da superfície espumante do oceano.

Todo isso é apenas uma analogia. Seria um erro imaginar que alguma mudança real aconteça no Absoluto quando o lahar da latente vontade-de-ser-consciente torna-se efetiva ao trazer para a existência o mundo da manifestação. Não pode haver nenhum ato de involução ou evolução dentro do ser do Absoluto; e nada real pode nascer do Absoluto, sendo que qualquer mudança real é necessariamente uma negação do Absoluto. A mudança implícita na criação do mundo manifesto não é uma mudança ontológica – isto é, não uma mudança no ser da Realidade absoluta. É só uma mudança aparente.

Em um sentido, o ato da manifestação deve ser considerado como um tipo de expansão do ilimitável Ser do Absoluto, sendo que através desse ato o Infinito, que é sem consciência, busca atingir sua própria consciência. Sendo que essa expansão da Realidade é efetuada através de sua auto-limitação em várias formas de vida, o ato da manifestação deve, com aptidão igual, ser chamado o processo de contração atemporal.
Se o ato da manifestação é visto como um tipo de expansão da Realidade ou como sua contração atemporal, ele é precedido por um urgir ou um movimento, que pode (em termos de pensamento) ser considerado como um desejo inerente e latente de se tornar consciente. A multiplicidade da criação e a separação das almas individuais existem apenas na imaginação. A própria existência da criação ou do mundo da manifestação é baseada em bhas, ou ilusão; então, a despeito da manifestação das inumeráveis almas individuais, a Sobre-alma (Paramatma) permanece a mesma sem sofrer nenhuma expansão real ou contração, gradação ou degradação. Embora a Sobre-alma não passe por nenhuma modificação devido às bhas, ou ilusões da individualização, sua aparente diferenciação em muitas almas individuais vem à existência.
As bhas mais originais, ou ilusões, para as quais a Sobre-alma foi atraída sincronizam-se com a primeira impressão. Isso marca, portanto, o início da formação dos Sanskaras . A formação dos Sanskaras começa no centro mais finito, que se torna o primeiro foco para a manifestação da individualidade da alma. Na esfera grosseira um foco dessa manifestação é representado pela pedra tridimensional e inerte, que tem a consciência mais rudimentar e parcial. Esse estado vago e não desenvolvido de consciência é suficiente no máximo para iluminar sua própria forma e figura, e é inadequado para atender o propósito da criação, que seria o permitir a Sobre-alma conhecer a si mesma.

Qualquer que seja a pequena capacidade para iluminação da consciência existente na fase de pedra (fase mineral) é definitivamente derivada da Sobre-alma e não do corpo da pedra. Mas a consciência fica inapta a alargar sua esfera de ação independentemente do corpo da pedra, porque a Sobre-Alma primeiro fica identificada com a consciência e depois através dela com a forma de pedra.
Desde que todo desenvolvimento conseguinte da consciência esteja aprisionado pelo corpo da pedra e sua debilidade, a evolução de formas superiores, ou veículos de manifestação, torna-se indispensável. O desenvolvimento da consciência tem de proceder lado a lado com a evolução do corpo ao qual ela está condicionada. Portanto, a vontade-de-ser-consciente, que é inerente na vastidão da Sobre-alma, busca por determinação divina uma evolução progressiva dos veículos de expressão.

Assim a Sobre-alma forja para si mesma um novo veículo de expressão na forma de metal, na qual a consciência torna-se um pouco mais intensificada. Mesmo nesse estágio ela é muito rudimentar, e então tem que ser transferida para formas ainda superiores de vegetação e árvores, nas quais há um apreciável avanço no desenvolvimento da consciência através da manutenção do processo vital de crescimento, deterioração e reprodução. A emergência de uma forma ainda mais desenvolvida de consciência torna-se possível quando a Sobre-alma busca manifestação através da instintiva vida dos insetos, pássaros e animais, que são totalmente cientes de seus corpos e respectivo meio ambiente, um sentido de auto-proteção e um objetivo de estabelecer domínio sobre o meio ambiente.

Nos animais superiores, o intelecto ou o raciocínio também aparece numa certa extensão, mas seu trabalho é estritamente limitado pela ação de seus instintos, como o instinto de auto-proteção e o instinto pelo cuidado e preservação dos jovens. Então mesmo nos animais, a consciência não tinha tido seu desenvolvimento total, resultando que ela não está apta para servir ao propósito inicial da Sobre-Alma de ter auto-iluminação. Finalmente a Sobre-Alma toma a forma humana, na qual a consciência atinge o desenvolvimento mais completo com completa ciência de si e do meio ambiente. Nesse estágio a capacidade de raciocinar tem um alcance de atividade maior e é ilimitada no seu raio de ação. Porém, enquanto a Sobre-Alma ficar identificada através da consciência com o corpo grosseiro, a consciência não servirá ao propósito de iluminar a natureza da Sobre-Alma. Entretanto, como a consciência tem seu desenvolvimento completo na forma humana, há nela uma potencialidade latente para a auto-realização. E a vontade-de-ser-consciente com a qual a evolução começou torna-se frutificada no Sadguru, ou Homem-Deus, que é a mais linda flor da humanidade.
A Sobre-Alma não pode atingir o Auto-conhecimento através da consciência ordinária da humanidade pois essa está envolta numa multidão de Sanskaras , ou impressões. Enquanto a consciência passa do estado aparentemente inanimado de pedra ou metal, para a vida vegetativa das árvores, seguindo então para o estado instintivo dos insetos, pássaros e animais, e finalmente para a consciência do estado humano, ela está continuamente criando novos Sanskaras e tornando-se envolta neles. Esses Sanskaras naturais são aumentados mesmo após atingirem o estado humano pelas criações seguintes de Sanskaras não-naturais através de múltiplas experiências e múltiplas atividades.

Assim, a aquisição dos Sanskaras está acontecendo incessantemente durante o processo de evolução bem como durante o período posterior, período das atividades humanas. Essa aquisição dos Sanskaras pode ser comparada ao enrolar-se um pedaço de corda em volta de um bastão – a corda representando os Sanskaras e o bastão representando a mente da alma individual. O enrolamento começa no início da criação e persiste através de todos os estágios evolucionários e na forma humana; e a corda enrolada representa todos os Sanskaras, naturais bem como não-naturais.

Os novos Sanskaras que estão sendo constantemente criados na vida humana são devidos aos múltiplos objetos e idéias com os quais a consciência se confronta. Esses Sanskaras trazem importantes transformações nos vários estados de consciência. As impressões criadas por lindos objetos têm a potência de evocar na consciência a inata capacidade para apreciar e desfrutar a beleza.
Quando uma pessoa escuta uma bela música ou vê uma linda paisagem, as impressões absorvidas desses objetos dão à pessoa um sentimento de exaltação. Da mesma maneira, quando se contata a personalidade de um pensador, podemos adquirir interesse em novas avenidas de pensamento e inspirarmo-nos por um entusiasmo que anteriormente era completamente estranho à consciência. Não apenas impressões dos objetos ou pessoas, mas também impressões de idéias e superstições têm grande eficácia em determinar as condições da consciência. O poder das impressões das superstições pode ser ilustrado através de uma história de fantasmas.
Dos diferentes reinos do pensamento humano talvez não haja nenhum tão abundante em superstições quanto aqueles conectados com fantasmas, que de acordo com a crença popular existem para importunar e torturar suas vítimas de maneiras curiosas.
Era uma vez, durante o governo Mogul na India, um homem altamente educado que era muito cético a respeito de histórias sobre fantasmas decidiu verificá-las por experiência pessoal. Ele tinha sido avisado para não visitar certo cemitério na noite de amavasya (a noite mais escura do mês); porque era dito que lá era a habitação de um fantasma terrível que infalivelmente fazia aparições quando quer que um prego de ferro fosse martelado no chão dentro dos limites do cemitério.
Com um martelo numa mão e um prego na outra, ele andou direto para o cemitério na noite de amavasya e escolheu um local sem grama para colocar o prego. O chão estava escuro, e a capa comprida que vestia era igualmente escura. Quando ele sentou no chão e tentou martelar o prego, a ponta da sua capa ficou entre o prego e o chão, e foi pregada. Ele terminou de martelar e sentiu que tinha tido sucesso com o experimento sem encontrar o fantasma. Mas quando ele tentou levantar para sair daquele lugar, sentiu um forte puxão na direção do chão; e ele teve um ataque de pânico. Devido à operação das impressões anteriores, ele não podia pensar em nada exceto no fantasma, pelo qual pensou ter sido pego por fim. O choque do pensamento foi tão grande que o pobre homem morreu de um ataque do coração. Essa história ilustra o tremendo poder que às vezes reside nas impressões criadas por superstição.

O poder e efeito das impressões dificilmente podem ser subestimados. Uma impressão está solidificada com força e sua inércia a torna imóvel e durável. Ela pode tornar-se tão gravada sobre a mente de uma pessoa que apesar de seu sincero desejo e esforço para erradicá-la, ela toma seu próprio tempo e tem uma maneira de colocar-se em ação direta ou indiretamente. A mente contém muitos Sanskaras heterogêneos, que quando buscam expressão na consciência, frequentemente colidem uns com os outros. A colisão dos Sanskaras é experimentada na consciência como um conflito mental. A experiência está limitada a ser caótica e enigmática, cheia de oscilações, confusão e complexos emaranhamentos, até que a consciência seja libertada de todos os Sanskaras , bons e ruins. A experiência pode tornar-se verdadeiramente harmoniosa e integral apenas quando a consciência for emancipada das impressões.

Os Sanskaras podem ser classificados de acordo com as diferenças essenciais na natureza das esferas a que eles se referem. Referindo-se a essas diferentes esferas de existência, eles vêm a ser de três tipos: (1) Sanskaras grosseiros, que permitem a alma experimentar o mundo grosseiro através do meio grosseiro compelindo-a a identificar-se com o corpo grosseiro. (2) Sanskaras sutis, que permitem a alma experimentar o mundo sutil através de um meio sutil compelindo-a a identificar-se com o corpo sutil. (3) Sanskaras mentais, que permitem a alma experimentar o mundo mental através de um meio mental compelindo-a a identificar-se com o corpo mental.

As diferenças entre os estados das almas individuais devem-se inteiramente às diferenças existentes nos tipos de Sanskaras com os quais sua consciência estiver carregada. Assim, almas com consciência grosseira experimentam apenas o mundo grosseiro; almas com consciência sutil experimentam apenas o mundo sutil; e almas com consciência mental experimentam apenas o mundo mental. A diversidade qualitativa na experiência desses três tipos de alma é devido à diferença na natureza de seus Sanskaras.
As almas conscientes de si mesmas são radicalmente diferentes de todas as outras almas porque elas experimentam a Sobre-Alma usando como meio o Ser; enquanto que as outras almas experimentam apenas seus corpos e os mundos correspondentes. Essa diferença radical entre a consciência das almas conscientes de si mesmas e as outras almas é devido ao fato de que enquanto a consciência da maioria das almas estiver condicionada por alguns tipos de Sanskaras, a consciência das almas conscientes de si mesmas estará completamente livre de todos os Sanskaras. É apenas quando a consciência não estiver obscurecida e não condicionada por nenhum Sanskaras que a vontade-de-ser-consciente inicial chegará à sua fruição final e real, e a unidade infinita e indivisível do Absoluto será conscientemente realizada. O problema do descondicionamento da mente através da remoção dos Sanskaras é, portanto, extremamente importante.

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